Título: Jornalismo sem ética não se sustenta
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Fonte: Correio Braziliense, 09/07/2011, Opinião, p. 22
Visão do Correio ::
O tabloide mais vendido do Reino Unido, com 168 anos de tradição, circulará pela última vez amanhã. E essa é uma boa notícia. Obviamente, o fechamento em si de um veículo de comunicação não serve a ninguém. Mas o News of the World, que chegava a imprimir 2,6 milhões de exemplares aos domingos, há tempos não praticava regra básica do jornalismo: a do compromisso com a sociedade para a construção de um mundo melhor. Ao contrário. Não só pôs de lado a ética, como incorreu em crimes, como o grampeamento de telefones e o suborno de autoridades.
A audácia teve início há pelo menos nove anos, de modo cruel, com a contratação de um investigador particular que invadiu a caixa postal do celular de uma adolescente sequestrada, consultou e até apagou mensagens. Enquanto o órgão fingia fazer jornalismo investigativo, a família da garota reacendia esperanças de que ela pudesse estar viva ¿ seis meses depois, o corpo era encontrado em uma floresta. O esquema, contudo, estima a polícia, deve afetar 4 mil pessoas, numa lista que inclui políticos, integrantes da realeza, celebridades e familiares de militares mortos nas guerras no Iraque e no Afeganistão.
O jornal não fecha amanhã por decisão da Justiça. Encerra as atividades por determinação do grupo News Corporation, responsável pela publicação e por muitas outras mundo afora que, juntas, formam o poderoso conglomerado do magnata Rupert Murdoch, um dos maiores da indústria das comunicações. Cerra as portas depois de reação indignada da sociedade, em especial após grupos empresariais de peso retirarem anúncios da publicação e o valor das ações da British Sky Broadcasting despencarem cinco pontos percentuais em dois dias.
O episódio, contudo, está longe de poder ser dado por finalizado. A verdade repugnante que o News of the World escondeu por quase uma década precisa vir à tona em toda a sua essência. O direito de informação não se sobrepõe ao direito à privacidade. Tampouco abre espaço a práticas ilegais. Deve, sim, ser exercido com estrita observância da lei e da ética, sem concessões. Tabloides britânicos têm fama de apelar ao sensacionalismo para incrementar vendas. No presente caso, a sujeira não coube sob o tapete.
Importa agora que os responsáveis sejam identificados e punidos. Alguns editores e repórteres envolvidos já passaram pela prisão. Outros foram demitidos. Essa história tem violadores de sigilo, corruptores e também corruptos. Ninguém pode ficar incólume. A sociedade exige imprensa ética, responsável, comprometida. Por ora, o episódio de agora é modelo do oposto. Cabe às autoridades do Reino Unido assegurar que entre para a história como exemplar de que o crime não compensa, como tampouco a prática do mau jornalismo, a espetacularização da notícia. Enfim, é hora de certos órgãos da mídia britânica espanarem a má fama.