Título: Crédito a Itamar Franco
Autor: Ruiz, Antonio Ibañez
Fonte: Correio Braziliense, 09/07/2011, Opinião, p. 23

Professor e ex-reitor da UnB, foi conselheiro do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e coordenador da 1ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar

O Movimento pela Ética na Política, que tanto marcou a sociedade brasileira no início da década de 90, trazendo de volta grandes mobilizações populares de rua, especialmente da juventude, e que teve grande influência na posição política do Congresso Nacional para a aprovação do afastamento do então presidente Fernando Collor de Melo, gerou desdobramentos nos quais um, especificamente, o falecido senador da República e ex-presidente Itamar Franco teve papel importante.

Conforme o relatório da 1ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar, "no início de 1993, o Movimento pela Ética na Política sugeriu dar prioridade ao combate à fome no país. Ao mesmo tempo, o então presidente do Partido dos Trabalhadores, Luiz Inácio Lula da Silva, entregou ao presidente Itamar Franco um plano de combate à fome, elaborado pelo governo paralelo do PT, onde se propõe a criação de um conselho específico para coordenar os trabalhos".

Em 24 de abril de 1993, o presidente Itamar assina o decreto número 807, criando o Conselho Nacional de Segurança Alimentar, o Consea, órgão de aconselhamento da Presidência da República, presidido por D. Mauro Morelli, do qual participam os ministros da Justiça, Educação, Cultura, Fazenda, Saúde, Agricultura, Trabalho; Bem-Estar Social, Planejamento e o secretário geral da Presidência da República, além de 21 representantes da sociedade civil, dos quais 19 indicados pela Ação da Cidadania, coordenada pelo saudoso Betinho.

O Consea foi uma forma inovadora, na época, de parceria entre o governo e a sociedade para buscar alternativas, formular propostas e implementar ações em busca de soluções para o problema da fome e da miséria no Brasil. Uma das ações conjuntas da Ação da Cidadania e do Consea foi a realização da primeira Conferência Nacional de Segurança Alimentar, realizada em julho de 94, em Brasília, com a participação do presidente Itamar Franco. A Conferência foi a conclusão de centenas de conferências municipais, microrregionais e regionais, de 26 conferências estaduais, do Comitê das Empresas Públicas no Combate à Fome e Pela Vida e dos comitês universitários. Ela reuniu quase 2 mil delegados, representantes de estados e municípios de todo o país, convidados e observadores.

O coordenador da conferência finalizou seu discurso dizendo: "Os trabalhos da conferência serão coroados de êxito e a minha convicção é a de que, com trabalho e determinação, seremos capazes de vencer a miséria e a fome. Essa é a vitória que mais interessa aos brasileiros. Afinal, somos um país ainda pobre, mas não estamos condenados à pobreza".

Herbert de Souza, o Betinho, disse, na abertura da conferência: "Tenho plena convicção de que esta Conferência se encerrará como um sucesso absoluto, porque foi preparada em cada cidade, em cada lugar. É democrática, porque trouxe a opinião dos mais diferentes grupos, setores e procedências. Estamos diante de um fato político fundamental que vai marcar a história do país e a luta contra a miséria".

O presidente do Consea assinalou: "Estamos aprendendo a ultrapassar as barreiras que nos separam. Não acreditamos que possa haver dignidade humana, de um lado ou de outro, enquanto alguém passar fome no país. O país perde a honra, e a dignidade é negada. Então, o que nos une neste caminho é o resgate da dignidade humana, custe o que custar. Todos nós, igrejas, partidos, movimentos populares, precisamos nos perguntar o quanto custa a cada um lutar para que o povo não passe fome. Qual a contribuição de cada um para que o país recupere a honra, e a dignidade humana seja restaurada?".

Itamar Franco concluiu, no final da abertura da conferência, com as seguintes palavras: "Seria ótimo se pudéssemos dispensar o combate direto à fome, como muitos nos aconselham, e nos dedicar só e prioritariamente a criar empregos. Poderíamos fazê-lo, mas sabendo que, se não acudirmos com o leite, a merenda escolar e a cesta básica, milhares de crianças morrerão ainda este ano nas regiões mais pobres do país. A parceria entre governo e sociedade é muito importante e é o principal norteador do plano para acabar com a miséria. A luta contra a fome e pela cidadania é um movimento que une esforços e não pode submeter-se aos interesses de ideologias ou de partidos".

Hoje, olhando pela janela da história, percebemos claramente que a política nada tem de lógica, pois o governo Itamar estava muito mais parecido com o preâmbulo do governo Lula do que com o governo FHC. Felizmente, os oito anos de intervalo não serviram para mudar o rumo da história, e a lógica acabou prevalecendo, mesmo sabendo que em política não há lógica.