Título: O partido dos fichas flexíveis
Autor: Lyra, Paulo de Tarso ; Iunes, Ivan
Fonte: Correio Braziliense, 10/07/2011, Política, p. 2

O PR, partido que virou o foco endêmico da corrupção no Ministério dos Transportes, é uma legenda sem qualquer critério para filtrar a filiação dos correligionários. O secretário-geral do partido e verdadeiro comandante da legenda, Valdemar Costa Neto, adotou há muito tempo a prática de ignorar completamente a ficha pregressa dos políticos para implementar o chamado "bancadismo". O projeto é eleger, a cada legislatura, um número maior de deputados federais, aumentar o tempo de televisão do partido e apresentar-se como aliado indispensável para qualquer governo que assuma o Palácio do Planalto.

Réu no processo do mensalão que tramita no Supremo Tribunal Federal, Valdemar não vê problemas em aceitar políticos com processos na Justiça, os chamados fichas sujas. Na bancada de 40 deputados e seis senadores, 8 (aproximadamente 17%) respondem a algum tipo de processo ou são investigados por crimes que variam de tráfico de influência a lavagem ou ocultação de bens, passando por trabalho escravo e crimes contra o meio ambiente.

Um dos exemplos clássicos recentes foi a filiação do ex-governador do Rio, Anthony Garotinho. Garotinho começou a vida política no PDT de Leonel Brizola, por onde elegeu-se governador. Em 2002, foi candidato a presidente pelo PSB, brigou com a cúpula do partido, migrou para o PMDB e hoje está no PR. Em agosto de 2010, foi acusado pela Justiça Federal por formação de quadrilha e condenado a dois anos e meio de prisão, conversíveis em serviços à comunidade e suspensão de direitos políticos. Como a decisão foi em primeira instância, recorreu e conseguiu candidatar-se.

Valdemar convidou o ex-governador fluminense a ingressar na legenda. Garotinho teve quase 700 mil votos, o segundo deputado mais votado do país. "O PR não tinha nome forte no Rio e precisava consolidar a legenda no Estado", elogiou o deputado Sandro Mabel (PR-GO). Ele também é réu no STF, sob a acusação de crimes tributários.

Mas o parlamentar fluminense não anda falando a mesma língua de Valdemar. Assim que foi eleito, tentou trocar o nome do superintendente do Dnit no Rio, Marcelo Cotrim, por um nome ligado a ele. Valdemar até recebeu o currículo, mas conseguiu manobrar com a bancada federal e a substituição foi abortada. Alguns integrantes do partido admitem que Garotinho, com a força da igreja evangélica a apoiá-lo, poderia enfrentar o comando de Valdemar. No momento, contudo, ele prefere ficar quieto.

Improbidade O líder do partido na Câmara, Lincoln Portela (MG), acha que o PR é um partido grande e não precisa ficar perguntando quantos processos e acusações pesam contra os filiados. "Isso é função da Justiça e cada um sabe da sua vida e da sua conduta", diz o líder que desde 2010 responde a processo por improbidade administrativa no Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

Mabel também justificou o retorno de Edmar Moreira ¿ aquele do castelo em Minas ¿ para os quadros partidários. "Edmar não filiou-se ao PR, ele retornou ao partido. Nesse intervalo, esteve no DEM. A bancada federal até resistiu ao retorno, mas acabou prevalecendo a opinião dos mineiros", completou Mabel.

Alencar A ascensão épica do PR começou no tempo em que o partido ainda chamava-se PL e tinha em seus quadros um dissidente do PMDB: o senador José Alencar (MG). O então candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, encantou-se com o empresário mineiro, enxergou nele a oportunidade de vencer as resistências movidas pelo setor empresarial aos anseios de um proletário chegar à Presidência e pressionou pela aliança entre os dois partidos.

A negociação coube aos dois presidentes dos partidos à época: José Dirceu e Valdemar. O segundo disse que concordava com a aliança, mas que precisava de dinheiro para a campanha dos deputados federais. Dirceu pensou, pensou, consultou os petistas e deu o sinal verde: "Toca o pau". O PL, hoje PR, conseguiu R$ 8 milhões de caixa dois via SMP&B, de Marcos Valério, e os três transformaram-se em réus do mensalão.

Colaborou Izabelle Torres