Quem passou pela rodovia Anchieta, em São Bernardo do Camapo(SP), viu uma cena há anos apagada da memória: trabalhadores em uma assembleia na porta da maior fábrica de carros do país com as mãos levantadas, iniciando uma greve por tempo indeterminado. Quase todos os 7 mil funcionários do primeiro turno da Volkswagen, planta inaugurada em 1959 por Juscelino Kubitschek, compareceram à assembleia às 7h e decidiram pela paralisação. Às 14h20, houve nova plenária, para os 4 mil empregados do turno da tarde, que ratificaram a decisão.
A Volkswagen decidiu desligar 800 pessoas do quadro da fábrica ontem, quando 13 mil funcionários voltaram das férias coletivas de três semanas. Ainda é necessário cortar 300 vagas, o que a multinacional alemã pretende fazer por meio de um programa de demissões voluntárias. As vendas da empresa caíram 14% no ano passado, ante redução de 7,15% dos emplacamentos de carros, caminhões e ônibus, de acordo com dados divulgados ontem pela Federação Nacional da Distribuidores de Veículos Automotores (Fenabrave). As exportações, segundo a Volkswagen, caíram 40% - além da falta de competividade de produtos brasileiros por razões internas, houve contribuição extra da crise da Argentina.

Depois do restabelecimento das alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) no início deste mês, os fabricantes de veículos ficaram desobrigados de cumprir acordo com o governo firmado em 2012 para a manutenção dos empregos no setor. "Continua urgente a necessidade de adequação de efetivo e otimização de custos para melhorar as condições de competitividade da Anchieta, motivo pelo qual a empresa inicia a sua primeira etapa de adequação de efetivo", informou a Volkswagen em nota oficial. O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC informou que estava em negociações com a montadora desde julho do ano passado.

A medida da preocupação política do governo com que está acontecendo no ABC, o berço do PT, está na ligação que o ministro do Trabalho, Manoel Dias, para o presidente Volkswagen, Thomas Schmall, ontem à tarde. Dias pediu esclarecimentos sobre as demissões. Ele pretende atuar como mediador "para encontrar uma saída que evite a penalização do lado mais fraco, no caso, o trabalhador". Schmall, por sua vez, esclareceu que pretende "estabelecer condições para um futuro sólido e sustentável para a unidade Anchieta, tendo como base o cenário de mercado e os desafios de competitividade".

O sindicato do ABC é filiado à Central Única dos Trabalhadores (CUT). O presidente da entidade, Wagner Freitas, está em férias. Carmen Foro, a presidente interina, uma líder paraense de trabalhadores rurais, não respondeu ontem aos pedidos de entrevista para comentar as demissões da Volkswagen. O presidente da Associação dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Moan, informou por meio de sua assessoria que não iria falar sobre o assunto. Mas dificilmente ele terá como evitá-lo amanhã, na divulgação do balanço anual do setor em 2015. O setor emprega diretamente 146,2 mil pessoas no país.

Além dos funcionários da Volkswagen, 244 empregados foram desligados ontem da Mercedes Benz, também em São Bernardo do Campo. Eles estavam em lay-off, uma situação pré-demissionária. Segundo o sindicato, houve, porém, quebra de acordo.

Para o deputado Paulo Pereira da Silva (SD-SP), o Paulinho, as demissões não vão se limitar à Volkswagen ou mesmo à região do ABC. Ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, ele estima que toda a cadeia produtiva ligada ao setor automotivo poderá perder cerca de 350 mil postos. "Para cada vaga em uma fábrica de carros, há outras 19 em fornecedores", explicou.

A resposta a isso, segundo ele, será uma onda de greves a se espalhar por todo o país. "Este ano vai ser agitado", avaliou. Sindicatos de metalúrgicos do Paraná, Rio de Janeiro e Minas Gerais, onde há vários fabricantes de veículos, são filiados à Força Sindical, da qual Paulinho é fundador.

Memória

Movimentos criaram o PT

As greves mais importantes dos metalúrgicos do ABC paulista, formada, entre outras, pelas cidades de Santo André, São Bernardo e São Caetano, ocorreram em 1979 e em 1980, durante o regime militar, quando Luiz Inácio Lula da Silva era presidente do principal sindicato da região.

A paralisação de 1979 foi aprovada em assembleia de 60 mil trabalhadores, no estádio de Vila Euclides, na qual Lula falou em um palanque improvisado com uma mesa. Depois de 10 dias, os sindicatos sofreram intervenção do governo federal, determinada pelo presidente João Figueiredo.

Com o apoio do então bispo de São Bernardo, Cláudio Hummes, hoje cardeal, a diretoria cassada instalou-se na casa paroquial da igreja matriz. Após o 13º dia, a greve foi suspensa, mas as negociações continuaram. Os trabalhadores queriam 65% de reajuste. Conseguiram 63%. O movimento de reivindicação salarial se irradiou por outras categorias e regiões do país: 3,2 milhões de trabalhadores cruzaram os braços.

A greve de 1980 foi mais longa: durou 41 dias. Só terminou quando Lula e outros sindicalistas, presos com base na Lei de Segurança Nacional, deixaram o cárcere. A partir dessa mobilização, foi criada a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o PT.