As empresas do setor de educação abriram diálogo com o Ministério da Educação (MEC) na tentativa de renegociar algumas das mudanças divulgadas para o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) nos últimos dias de 2014.(Valor Econômico)

Na terça-feira, os principais acionistas e executivos de Kroton, Estácio, Ser e Anima, além de membros da Abraes, associação do setor, reuniram-se com o secretário executivo do ministério, Luis Claudio Costa. Os relatos da conversa são de que o MEC está disposto a ouvir as companhias e pode atender algumas demandas. Mas, a princípio, as mudanças na forma de pagamento do governo para os alunos captados via Fies estão confirmadas e, de fato, elevarão a necessidade de capital de giro das empresas. A novidade desvaloriza os papéis das empresas na bolsa.

Os técnicos do MEC afirmaram que as mudanças tiveram intenção de preservar o Fies dos cortes de orçamento esperados no ajuste fiscal que está sendo promovido no país. Conforme mensagem enviada pela equipe do Santander a clientes, a avaliação é de que a conversa foi "construtiva" e nos próximos dias novas reuniões deverão acontecer podendo contar, inclusive, com a presença do ministro Cid Gomes. O MEC afirmou, por meio de nota, que sua secretaria executiva se reuniu com a Abraes, "assim como sempre se reúne com diversos setores que têm relação com o Ministério". E acrescentou que a portaria com as novas normas está em consonância com as ações da pasta nos últimos anos, de melhorar a qualidade do ensino superior no país. A portaria é "parte dos aprimoramentos que ocorrem no Fies desde a sua implementação e tem por objetivo deixar claro para os estudantes os procedimentos e critérios para a obtenção do financiamento", frisou o MEC.

A mudança na forma de pagamento pelo governo às empresas das mensalidades dos alunos captados via Fies é o que mais incomodou o setor e o que detonou a desvalorização das ações. Inicialmente o mercado avaliou até mesmo que teria havido um erro de redação das normas.

Conforme as novas regras, divulgadas em 29 de dezembro, o governo deixará de fazer os pagamentos referentes aos alunos captados pelo programa mensalmente. Agora, a cada 45 dias o governo irá recomprar os recebíveis referentes a 30 dias do faturamento das empresas. Dessa forma, a cada ano, o governo vai pagar por oito meses do aluno, empurrando o pagamento dos quatro meses restantes para o ano seguinte. Com o passar dos anos, a dívida com as empresas vai se acumulando e pode transformar-se em uma bola de neve, temem alguns operadores. Do ponto de vista do governo, a quantidade de gasto por ano diminuiu em função do alongamento do prazo de pagamento dos recebíveis. Nada disso foi previamente conversado com as  empresas.

Na reunião de terça-feira, os técnicos do MEC esclareceram algumas dúvidas. Deixaram claro que não haverá o risco de o governo deixar de fazer os pagamentos dos recebíveis que ficarem acumulados depois que os alunos tiverem se formado.  Também não haverá desconto no pagamento dos recebíveis. Quando o estudante terminar o curso, o governo deverá 16 meses para as companhias e é por conta desse descasamento que as necessidades de capital de giro das empresas do setor vão aumentar. Em tese, terão de arcar com os custos do aluno durante quatro meses por ano. Isso pode transformar o Fies em pouco atrativo ou até mesmo inviável para as companhias.

Um ponto que muito desagradou o mercado, conforme comentário da Bradesco Corretora, foi o aumento considerável na  percepção de risco regulatório no setor. O programa de financiamento estudantil do governo tem sido o principal veículo a impulsionar o crescimento das receitas dessas empresas nos últimos anos e é também uma bandeira do governo de inserção ao ensino no país. O compromisso com a educação foi assumido pela presidente Dilma Rousseff. Por essa razão, as empresas poderão ter alguma força para negociar mudanças.

Pelas regras do Fies o aluno começa a pagar apenas depois de formado. Enquanto ele estuda o governo faz os pagamentos às faculdades, que ficam com risco muito baixo de inadimplência. Nos próximos anos, os alunos formados deverão começar a fazer os pagamentos ao governo e aí se terá uma resposta sobre se a inadimplência será alta ou baixa, resultado que não afetará as empresas. O Fies tem sido o principal impulsionador do crescimento do ensino superior privado no país. Entre 2010 e 2014, o governo federal assinou 1,8 milhão de contratos de financiamento estudantil, com desembolso de cerca de R$ 24 bilhões no  período.

Nos últimos anos já existia no mercado quem questionasse o Fies, uma vez que o governo acabou financiando o crescimento dessas universidades, com receitas praticamente garantidas. A dúvida principal era sobre a qualidade da educação oferecida. Os mais ácidos afirmam que as empresas transformaram-se em "vendedoras de diplomas", enquanto os alunos saem dos cursos endividados e sem emprego, por conta da baixa qualidade dos cursos. Esse argumento sempre foi refutado pelas empresas, que afirmam oferecer ensino de qualidade. No entanto, essa é de fato uma preocupação. As novas regras anunciadas pelo MEC no fim do ano também preveem que, para acessar o Fies, o aluno obtenha pelo menos 450 pontos no Enem, o que por si só deverá reduzir a demanda pelo crédito.

O Bradesco projeta que o aumento do prazo dos recebíveis das empresas, somado à adoção da nota mínima no Enem, leve a uma redução de 10% a 15% nas estimativas de ganhos feitas para as empresas do setor até 2018. A companhia menos impactada, acredita, deve ser a Kroton, que tem a maior margem operacional. Já a mais exposta ao programa é a Ser (49% de suas receitas vem do Fies). Em termos do valor das empresas, a redução em relação ao preço-alvo calculado pelo Bradesco pode variar entre 15% e 20%. Nas contas do Santander, o impacto deverá ser de 17%.

Desde que as medidas foram anunciadas, a queda das ações na bolsa ronda os 30%. Para o Bradesco, o recuo é potencializado pela percepção do aumento do risco regulatório, mas deve ser amenizado à medida que os pontos sejam esclarecidos. Nos últimos anos, as empresas do setor foram destaque de alta na bolsa. Procuradas pelo Valor, as empresas e a Abraes informaram que as medidas estão em análise e não fizeram comentários. O ministro Cid Gomes também não quis comentar o assunto durante uma das cerimônias de transmissão de cargo em Brasília. (Por Ana Paula Ragazzi, colaborou Thiago Resende, de Brasília)