Título: Suplentes, aberração intolerável
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Fonte: Correio Braziliense, 10/07/2011, Opinião, p. 20

Visão do Correio ::

Dos fundamentos que substanciam o regime democrático, a legitimidade das instituições políticas é, sem dúvida, o de mais alta hierarquia. Finca-se na declaração vestibular do texto constitucional de que "todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente" (§ 2º, do artigo 1º). Em nenhuma circunstância, portanto, cabe a outorga de mandato político a quem não recebeu a unção popular. Mas, pelo menos em um caso, conveniências espúrias atentam contra a autenticação do poder e abastardam a democracia.

Trata-se da investidura de suplentes em mandatos de senadores nos casos de impedimento eventual ou definitivo de titulares. As denúncias de corrupção no Ministério dos Transportes (MIT) arrastaram para fora da pasta o ministro Alfredo Nascimento. Vazio o cargo, o Partido da República (PR), donatário do espaço ministerial que lhe coube na partilha do poder, luta para mantê-lo. Não atendido pela presidente Dilma Rousseff, passará a criar-lhe dificuldades. Assim é como funciona o consórcio do governo com as siglas compromissadas em apoiá-lo no Congresso.

Não importa se o senador Blairo Maggi, o nome sondado por Dilma para substituir Nascimento e assegurar ao PR o comando da pasta, aceitou ou não aceitou a indicação. O fato repõe em cena o problema da convocação de suplente para atuar no Senado. No caso de eventual licenciamento de Blairo para ocupar a nova função, sua cadeira senatorial será destinada a José Aparecido dos Santos. Quantos votos as urnas lhe deram para assumir a representação do Mato Grosso na Câmara Alta da República, enquanto o dono do mandato possa estar afastado? Nenhum.

No caso de José Aparecido dos Santos, o Cidinho, acresce circunstância deplorável. Ele responde a duas ações ajuizadas pelo governo federal sob a acusação de suposta participação nos desvios de dinheiro público apurados no escândalo dos sanguessugas (2006).

A composição atual do Senado já abriga 14 suplentes nas funções de senador, todos investidos de imunidade processual, inviolabilidade parlamentar e demais predicamentos. Chegam ao topo do Legislativo apenas por haverem figurado na chapa do candidato vitorioso. Prescinde dos votos do povo. Em nenhum país de modelo constitucional-democrático ocorre aberração da espécie.

A admissão da suplência como fonte de ascensão à representação dos estados no Congresso, função privativa de senadores, remete ao lixo o alicerce fundante da República ¿ o de que o povo é titular da soberania nacional. Participar das decisões legislativas sem o aval das urnas reduz as franquias do sistema democrático a simples joguetes nas mãos de aventureiros. É obrigação do Congresso varrer da legislação eleitoral tamanha violência contra a Constituição e os princípios republicanos.