Ao mesmo tempo em que tenta convencer a população de que está agindo para limpar a corrupção que destrói a Petrobras, o governo dá sinais de que vai escancarar as portas das demais estatais para acomodar políticos mais preocupados em ter poder do que em proteger o patrimônio público. Totalmente fragilizada no Congresso Nacional, onde enxergava o potencial de acumular sucessivas derrotas, a presidente Dilma Rousseff avisou que permitirá a livre nomeação nos escalões menores do governo pelas legendas que lhe garantirem fidelidade nas votações de interesse do Executivo, ou seja, vai tentar reduzir entraves, agravando o que está na origem de todos os males do país. 

A prática de desviar dinheiro de contratos milionários para campanhas políticas ou diretamente para o bolso de políticos corre o risco de crescer, frustrando quem espera uma grande depuração moral depois do escândalo da Petrobras, o maior até hoje envolvendo uma estatal. "Esse temor sempre faz sentido. O maior problema é que o número de cargos é muito grande e os partidos não têm quadros", afirmou a professora de Ciência Política Andréa Freitas, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). 

Falcatruas 
A estratégia é, em larga medida, uma resposta à derrota política fragorosa na eleição para presidente da Câmara, com a eleição do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que disputou o cargo com Arlindo Chinaglia (PT-SP). As estatais preferidas pelos parlamentares são a Eletrobras e os Correios, que, embora não se envolvam em obras tão caras, têm grandes licitações de compras de insumos. É também o caso da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Algumas dessas empresas foram palco de falcatruas recentes (leia quadro). 

Caso o toma lá dá cá se intensifique nas estatais, os prejuízos econômicos e políticos devem ser maiores. O advogado Ives Gandra explicou que os administradores públicos têm a obrigação de indicar para a diretoria das estatais as pessoas mais competentes do mercado. "O governo pode usar cargos políticos nos ministérios de acordo com sua base de apoio. Mas o artigo 173 da Constituição estabelece que estatais que atuam em regime concorrencial devem contar com os melhores técnicos possíveis", notou Gandra. 

Se for nomeada uma pessoa que se revelar inadequada ao cargo, do ponto de vista técnico ou da honestidade, o governante poderá ser punido, inclusive criminalmente, por improbidade administrativa. "A culpa não significa que o administrador teve a intenção de fazer algo errado", afirmou. No caso da Petrobras, ele é peremptório: "Há nitidamente culpa dos administradores públicos", disse. 

Para o presidente do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), Idésio Coelho, o que está acontecendo na Petrobras "abre os olhos de todos para o exercício do ceticismo profissional". Ele relatou que os responsáveis por verificar a veracidade dos balanços nas empresas devem sempre partir da expectativa de que há potencial para irregularidades. Mas, a partir do que ocorreu na Petrobras, a preocupação aumenta. "Vamos olhar com muita atenção essa e outras empresas da administração pública", completou. A avaliação coincide com a do o vice-presidente do Conselho Nacional de Contabilidade, Zulmir Irânio Breta. "Esse caso constitui um diferencial para futuros processos", afirmou 

Usar critérios técnicos na escolha dos profissionais não elimina riscos, alertou Antonio Augusto Queiroz, analista político do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). "Os diretores da Petrobras envolvidos em suspeitas de corrupção eram pessoas de carreira da empresa, com currículos muito bons. O problema está no apadrinhamento de políticos dessas pessoas", notou. Na avaliação dele, alguém contratado fora da empresa, livre de influência política, pode ser melhor para "arejar" o ambiente profissional. 

Para Queiroz, o ideal é que as seleções de currículos para os cargos de direção fossem feitas por uma comissão especial, o que, reconheceu, ainda parece longe de se tornar uma realidade. Ele é, ainda assim, otimista: acredita que a ampla repercussão do caso da Petrobras resultará em maior controle social do que ocorre nas estatais. 

A cientista política Andrea Freitas, da Unicamp, afirmou que a divisão de poder com outros partidos não é necessariamente ruim, desde que os cargos não sejam usados para direcionar dinheiro ao bolso ou às campanhas políticas de parlamentares. "Grande parte do problema foi criado porque houve uma centralização excessiva do poder político no PT", afirmou. 

David Fleischer, professor de ciência política da Universidade de Brasília (UnB), duvida que a divisão de cargos que o governo da presidente Dilma Rousseff pretende fazer no segundo e terceiro escalão da administração direta e nas estatais resulte em maior governabilidade. "O problema todo é a Dilma, que não gosta de falar com parlamentares. Não adianta distribuir cargos a eles e não os receber para conversar. Ela é completamente diferente do Lula", comentou. O horizonte, assim, continuará carregado. 

Na mira da Justiça nos EUA 
O Estado de Ohio, nos Estados Unidos, aderiu na última sexta-feira a uma ação judicial contra a Petrobras por violação da legislação orte-americana do mercado de capitais. De acordo com o secretário de Justiça de Ohio, Mike De Wine, o fundo de pensão dos funcionários do estado perdeu mais de US$ 50 milhões com a desvalorização das ações da petroleira, devido aos esquemas de corrupção existentes na empresa. Os fundos dos estados de Idaho e do Havaí aderiram à mesma ação.