Fantasma do juiz na festa do PT

Lula recebe cópia de artigo publicado por Sérgio Moro sobre a corrupção na Itália e discute o documento com Dilma durante comemoração de 35 anos do partido

Juarez Rodrigues
Maria Clara Prates

Belo Horizonte - Depois de colocar água no chope da festa de comemoração dos 35 anos do PT ao determinar a condução coercitiva do tesoureiro nacional da legenda, José Vaccari Neto, para prestar depoimento sobre o suposto recebimento de propina de R$ 200 milhões revelado na Operação Lava-Jato, o juiz federal Sérgio Moro transformou-se em personagem nas festividades em Belo Horizonte, na sexta-feira. Com a cúpula do partido reunida, incluindo a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Moro foi tema de conversas ao pé de ouvido por pelo menos 15 minutos. 

Lula e Dilma - que deixaram de lado até mesmo o convidado ilustre da festança, o presidente do Uruguai, José Mujica - discutiram sobre artigo de autoria do magistrado, publicado em setembro de 2004 em uma revista jurídica, sob o título "Considerações sobre a Operação Mani Pulite (Operação Mãos Limpas)". O documento foi entregue a Lula por um assessor durante a solenidade e, depois de manuseá-lo, o ex-presidente passou a discutir com a sucessora. A reportagem flagrou o momento e conseguiu identificar o documento que gerou preocupação. 

O artigo de Moro fala sobre a importância da Operação Mãos Limpas, desencadeada na Itália em 1993 para combater a corrupção no país europeu. Em vários pontos, a análise de Moro poderia ser aplicada à atual realidade brasileira, em tempos de apuração do escândalo da Petrobras. O texto afirma que, "em dois anos de investigação, 2.993 mandados de prisão haviam sido expedidos, 6.059 pessoas estavam sob investigação, incluindo 872 empresários, 1.973 administradores locais e 438 parlamentares, dos quais quatro haviam sido primeiros-ministros". 

"Colapso" 
"A ação judiciária revelou que a vida política e administrativa de Milão e da própria Itália estava mergulhada na corrupção, com o pagamento de propinas para concessão de todo contrato público", diz trecho do artigo. Mas o que talvez tenha provocado arrepios nos petistas foi a análise que se seguiu, que atesta a derrocada dos partidos envolvidos nos esquemas de corrupção. "A Operação Mani Pulite ainda redesenhou o quadro político na Itália. Partidos que haviam dominado a vida política italiana no pós-guerra, como o Socialista (PSI) e o da Democracia Cristã (DC), foram levados ao colapso, obtendo, na eleição de 1994, somente 2,2% e 11,1% dos votos, respectivamente", escreveu Moro. 

A preocupação central dos discursos dos petistas na festa foi exatamente a necessidade de não aceitar a pecha de que o PT é uma legenda de corruptos e ainda de retomada dos ideais partidários nas bases. O ex-presidente Lula disse que a militância não poderia ficar "trocando" o ideal por um cargo comissionado no governo. 

Moro ressaltou ainda a dificuldade de punição de políticos: "Na verdade, é ingenuidade pensar que processos criminais eficazes contra figuras poderosas, como autoridades governamentais ou empresários, possam ser conduzidos normalmente, sem reações. Um Judiciário independente tanto de pressões externas como internas é condição necessária para suportar ações judiciais da espécie. Entretanto, a opinião pública, como ilustra o exemplo italiano, é também essencial para o êxito da ação judicial", ressalta o magistrado. 

Protesto no Rio 
Sem receber salários, aproximadamente 200 funcionários terceirizados do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) protestaram na tarde de ontem. Eles bloquearam parte da Ponte Rio-Niterói por cerca de duas horas. O trânsito ficou lento enquanto os manifestantes caminhavam até a sede da Petrobras (foto), na Avenida Chile, no Centro da capital fluminense. Após a deflagração da Operação Lava-Jato, a petroleira paralisou as obras no local. Segundo o delator Júlio Camargo, empreiteiras pagaram propina para obter contratos no Comperj.

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STF mantém Duque solto

EDUARDO MILITÃO

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o ex-diretor de Engenharia e Serviços da Petrobras Renato Duque vai permanecer em liberdade. Ele foi preso em 14 de novembro, acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro na Operação Lava-Jato, mas obteve liminar que o tirou da cadeia em 3 de novembro. Ontem, os ministros da Segunda Turma da Corte afirmaram que, apesar de a situação ser "grave", não era possível manter o suspeito detido apenas pela suspeita de que ele fugirá para o exterior por ter dinheiro guardado fora do Brasil. 

O advogado de Duque, Renato Ribeiro de Moraes, comemorou a decisão. Ele acredita que, a depender do caso, a argumentação de Zavascki pode ser usada para soltar outros investigados na Lava-Jato. Em plenário, Moraes negou que Duque tenha a "pretensão de fugir". Ao Correio, o advogado acrescentou que o cliente não admite ter dinheiro fora do país, apesar de delatores terem informado o contrário. 

Ao fazer a delação premiada, Pedro Barusco, por exemplo, entregou planilhas e extratos de contas bancárias à força-tarefa da Lava-Jato. O procurador Deltan Dallagnol afirmou à reportagem que é "fácil" comprovar o vínculo das propinas com Duque porque as contas no exterior estão em nome do próprio ex-diretor de Engenharia e Serviços da Petrobras.