Mesmo diante da estagnação da economia e do encolhimento do setor industrial, grande parte dos trabalhadores do país conseguiu garantir aumentos reais em 2014. Muitas categorias registraram resultados iguais ou superiores aos do ano anterior, segundo levantamentos feitos pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e pela plataforma Salários.org.br para o Valor. Neste ano, entretanto, será difícil repetir o desempenho, avaliam os especialistas.

Desempenho - Levantamento feito pelo Dieese aponta que, em 2014, os reajustes em 340 unidades de negociação pelo país terão desempenho superior ao de 2013, quando a média de aumento real foi de 1,15%. A expectativa é que os reajustes fechem em nível semelhante ou um pouco superior ao registrado no primeiro semestre. Entre janeiro e junho, diz José Silvestre de Oliveira, coordenador de relações sindicais do Dieese, o ganho real médio apurado foi de 1,54% - o maior desde 2008, quando começa a série.

Aumentos reais - Além da média elevada, afirma Oliveira, os aumentos reais devem continuar disseminados entre as categorias. No primeiro semestre, 93,2% dos acordos foram reajustados acima do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). A plataforma Salários.org.br, mantida pela Fipe, que acompanha mensalmente os acordos e convenções homologados no Ministério do Trabalho, aponta para aumento real médio de 1,8% entre janeiro e outubro. Em outubro, o valor médio do piso nos acordos foi de R$ 982,36% maior do que o salário mínimo.

Projeções - Para especialistas, as projeções mais animadoras para o PIB no início do ano ajudaram as categorias com data-base no primeiro semestre. A oferta relativamente fraca de mão de obra e a taxa de desemprego em nível baixo também contribuíram e podem explicar por que o movimentou continuou no segundo semestre, avaliam.

Indicador importante - Para Oliveira, o PIB é um indicador importante, mas não é o único levado em conta nas negociações. A política de valorização do mínimo e a geração contínua de postos pelo mercado de trabalho - ainda que em ritmo mais lento neste ano - foram importantes fatores de pressão a favor dos trabalhadores.

Cenário preocupante - O cenário para 2015, entretanto, é "preocupante", principalmente para setores que podem assistir ao agravamento da crise que atinge a indústria desde 2012. "É provável que os reajustes [nesses segmentos] não se equiparem aos dos últimos anos", diz Oliveira.

Poder de barganha - Coordenador do projeto Salários.org.br, Hélio Zylberstajn, da FEA-USP, afirma que as categorias ainda tiveram grande poder de barganha em 2014. Além da ausência de grandes ondas de demissões, muita gente permaneceu fora da força de trabalho por opção. Dessa forma, a oferta de mão de obra permaneceu apertada.

Arrefecimento - Para este ano, entretanto, além da expectativa de volta de muitos dos inativos ao mercado, avalia o professor, o cenário de restrição fiscal, juros e inflação altos deve arrefecer a demanda do setor produtivo por contratações.

Negociações - Levantamento feito por Zylberstajn com base nos dados acumulados nos 12 meses encerrados em outubro mostra que, das 33,9 mil negociações cadastradas no ministério, apenas 16,8 mil tratavam de reajustes salariais. Os demais dispunham sobre temas como condições e jornada de trabalho. "O Brasil é um país em que se negocia muito", diz o professor.

Rio Grande do Norte - O Rio Grande do Norte foi o que registrou maior ganho real no período, com reajuste médio de 2,6%, acima da média de 1,9%. Amazonas, Tocantins e Acre tiveram os piores resultados: altas de 1,2%, 1,1% e de 1%. Houve ganho real em todos os Estados.

Serviços - Os serviços lideram entre os setores. Os segmentos de limpeza urbana e vigilância, que dependem em grande medida de contratos públicos, apuraram reajustes reais médios de 3,2% e de 3% entre novembro de 2013 e outubro de 2014. O ramo de condomínios e edifícios, pouco sindicalizado, conseguiu alta real de 2,5%.

Dados de renda - Os dados de renda da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE reiteram a tendência. Nas seis regiões metropolitanas, a renda média real crescia 2,8% acima da inflação no acumulado entre janeiro e novembro. Em 2013, a alta foi de 1,8%. O patamar alto, de acordo com especialistas, é em parte inflado pelo perfil das contratações e demissões - especialmente devido à desaceleração dos serviços, que vinham gerando volume elevado de vagas de baixa remuneração -, mas reflete também o maior poder de barganha de diversas categorias em 2014. 

 

Indústria aprofunda ajuste, mas retomada ainda é incerta

 
O péssimo desempenho da produção industrial em novembro - queda de 0,7% sobre outubro, quando os analistas ouvidos pelo Valor Data previam alta de 0,4% - "cria" a esperança de que 2015 comece sem quedas drásticas na indústria. Esse resultado, associado à Sondagem da Fundação Getulio Vargas (FGV), que mostrou ajuste de estoques em dezembro, sugere que o setor não virou o ano com excesso de mercadoria armazenada nas suas fábricas. Entre novembro e dezembro, segundo a Sondagem da FGV, a diferença entre estoques excessivos e suficientes caiu de 13% para 10%, e em nove setores houve queda no indicador de mercadoria parada. Por outro lado, os dados do varejo sugerem que as vendas de Natal foram fracas e não provocaram encomendas de reposição. Diante desse sinal de demanda em queda, esse duplo movimento do fim do ano (menos produção e controle de estoque) parece insuficiente para incentivar uma retomada (ainda que fraca) da indústria em janeiro. Nesse sentido, seria uma notícia extremamente positiva se na passagem de 2014 para 2015 a produção repetisse o comportamento da virada de 2013 para 2014, quando se manteve estável, na comparação trimestral. Isso porque o setor tem diante de si um aumento de incertezas, juro mais alto, queda do preço do petróleo, fim dos incentivos ao consumo (como a volta do IPI cheio para automóveis), aumento de preços que vão comprometer o orçamento (energia, IPVA, IPTU, transporte público). A antecipação do ajuste de produção para novembro torna essa tarefa um pouco menos impossível. "Em novembro já estava claro que haveria ajustes na economia e a indústria parece que acelerou um pouco esse processo na produção", explica Aloísio Campelo, superintendente-adjunto de ciclos econômicos da FGV e coordenador das sondagens. "Os estoques chegaram em dezembro melhores e também concentrados em menos setores. O problema é que, quando se olha a percepção dos empresários para os próximos meses, ainda há pessimismo, e a indicação é de continuidade desse ajuste. Pela percepção simples de que a demanda interna continua muito fraca." Thaís Zara, economista-chefe da Rosenberg & Associados, que a própria produção é um termômetro da atividade meses à frente - "a produção para o Natal se dá geralmente entre setembro e outubro, e novembro e dezembro já são a preparação para o primeiro trimestre do ano. E o sinal que temos é de ajuste de estoques pela frente e que já existe expectativa de consumo mais contido no início deste ano." "O resultado de novembro foi fraco e decepcionante, mas não é muito diferente do quadro geral que vimos ao longo de 2014", disse ao Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor, Rodrigo Nishida, da LCA Consultores, ao analisar o resultado da produção industrial em novembro. "A indústria já está fragilizada há anos e não mais há meses. Desde 2011 vem registrando quedas", disse Fernanda Consorte, do Santander. "Isso em um cenário já desfavorável. Há aumento de juros, aperto monetário, agora teremos também contração fiscal. Ao longo de 2015 inteiro teremos resultados ruins." Para dezembro, as projeções dos especialistas indicam crescimento da produção industrial pouco acima de zero. No ano fechado, haverá queda da ordem de 3%. Em 2015, com sorte ficará estável em relação a 2014. "Pode haver um cenário mais favorável, conforme a melhora da confiança, mas 2015 deve ser um ano ainda bem ruim, para a indústria e para a economia como um todo", diz Campelo. Para a indústria, na prática, ajustar a produção em novembro, ou em janeiro, é quase a mesma coisa. Para um novo governo, com desafios difíceis e recessivos pela frente, o tempo faz diferença. Se a produção começar o ano sem grandes quedas, a psicologia entra em campo jogando a favor da recuperação da confiança.