Largados nas ruas e vivendo como zumbis, os usuários de drogas espalhados pelo Distrito Federal ocupam locais como um hotel abandonado no Setor Hoteleiro Norte. O Correio mostrou esse flagrante na edição de ontem. Algumas clínicas no DF e no Entorno oferecem o atendimento gratuito aos pacientes. Em contrapartida, o Governo do DF faz repasses mensais para custear os gastos. Apesar de a ajuda fazer parte do plano de enfrentamento às drogas, algumas clínicas de reabilitação têm convivido com atrasos nos pagamentos. O GDFinformou que o problema começou na gestão anterior, está em processo de reconhecimento de dívidas e fará o pagamento. Não estabeleceu, porém, prazos. Atualmente, sete clínicas de reabilitação conveniadas ao Conselho de Políticas Sobre Drogas (Conen), da Secretaria de Justiça (Sejus), mantêm convênio com o GDF. São R$ 227 mil de repasses mensais para o tratamento de 124 pacientes, segundo informações do governo. Representantes do GDF encaminham os usuários para os Centros de Atenção Psicossocial ou para as comunidades terapêuticas. O problema é que, com a falta de pagamentos, representantes das unidades não têm como manter as casas. Sem receber repasses do GDF há três meses, a clínica de recuperação Salve a si teme precisar fechar as portas. Instalada na Cidade Ocidental, a cerca de 50 quilômetros de Brasília, a unidade tem 120 vagas e, atualmente, trata 95 dependentes químicos — 90% deles são do Distrito Federal, e a maioria deCeilândia. Sem o auxílio, a instituição acumula mais de R$ 70 mil em dívidas nos últimos meses, sendo grande parte com alimentação. “Estamos em colapso financeiro. A única enfermeira teve que ser mandada embora por falta de dinheiro. Os funcionários não estão recebendo e, se eu perder os responsáveis técnicos e não tiver chances de contratar outros, vou ter que fechar as portas”, disse Henrique França, fundador da unidade, que recebeu o ex-viciado em crack Adeílson Carvalho, responsável por localizar, perto da antiga Rodoferroviária, um jovem universitário que havia desaparecido (veja Memória). Diariamente, os pacientes da clínica consomem 25kg de arroz, 15kg feijão e 10kg de macarrão, além das outras refeições. O estoque atual só dura até a próxima semana. “Hoje (ontem), estou indo buscar algumas doações e vamos ver para quanto tempo teremos comida. O tratamento é totalmente gratuito e não podemos pedir ajuda aos atuais pacientes, porque fere o código”, explica Henrique. “Sabemos que a Secretaria de Justiça está querendo melhorar o que a gente faz. Mas a situação está complicada, os funcionários estão me cobrando, não temos dinheiro nem para a gasolina.” A assistência da clínica recebida pelo GDF é de R$ 1 mil por paciente, de acordo com Henrique. A quantia ajuda nos gastos com alimentação, psicólogos, psiquiatras, terapias, esporte e cursos profissionalizantes. “Uma vez por semana, ainda oferecemos apoio às famílias dos pacientes em um grupo de autoajuda de duas horas e meia. A gente vem fazendo o que o Estado não faz. Só não mudo de ramo porque é a minha paixão, foi o que me tirou do crack e me ensinou a viver”, conclui Henrique.

Esperança

A situação na Renovando a vida, em Ceilândia Norte, é semelhante. Há dois meses, a unidade não recebe a verba do GDF. A capacidade total da casa é para 12 dependentes químicos. Cada um com tratamento de pelo menos seis meses. Dois deles receberam alta, mas as vagas não foram preenchidas novamente. “Não podemos receber essas outras duas pessoas porque estamos com dificuldade em manter a qualidade no atendimento. Os profissionais estão com salários atrasados, as contas vão atrasando. Tivemos que mudar a alimentação dos pacientes e estamos colocando dinheiro do nosso próprio bolso, porque acreditamos que a situação será regularizada”, explica Marcello Loureiro Rodrigues, diretor-presidente da clínica. Se a situação não for regularizada, a Renovando a vida também não terá condições de manter as portas abertas. “Hoje, conseguimos um pouco de respeito com as comunidades terapêuticas. Temos medo de perder o que conquistamos com muito trabalho e até humilhação. Se as casas fecharem, quem vai sair prejudicado é o povo”, lamenta Marcello. O diretor da clínica explicou que procurou a Sejus várias vezes, mas ainda não teve resposta de quando deve receber os R$ 1 mil de cada paciente.