O que eu mais quero é trabalhar, mexer com os papéis e cuidar da vida profissional dos meus chefes. As pessoas sempre gostaram do meu desempenho, e eu tenho orgulho de todos os momentos em que trabalhei%u201DLiane Martins Collares, 51 anos
A última segunda-feira se revelou muito especial para Liane Martins Collares, 51 anos, com a concretização de um sonho. A comissionada tomou posse na Secretaria da Mulher, Igualdade Racial e Direitos Humanos (SMIDH) como a primeira pessoa com algum tipo de deficiência intelectual a assumir um posto no órgão. O caso da assessora técnica é também raro no serviço público em geral. É uma emoção muito grande estar aqui, poder trabalhar e ser como eu sou, diz.
Liane tem síndrome de Down e faz parte da equipe da Coordenação de Promoção de Direitos das Pessoas com Deficiência, um dos braços da Subsecretaria de Direitos Humanos. A indicação veio de Paulo Beck, coordenador da pasta. Ele a acompanha há 20 anos, quando ela fez o primeiro estágio. A funcionária fazia atividades simples de escritório. Aquele tornou-se o primeiro contato dela com o mercado de trabalho e com a vida adulta. Em seguida, ficou 9 anos na creche da Fundação Cruz de Malta. Com orgulho, afirma que cuidava de recém-nascidos e de crianças.
Depois disso, Liane continuou a desenvolver habilidades e expressava a vontade de trabalhar novamente em atividades mais voltadas para o mundo burocrático. Ela deixou a creche e conseguiu uma vaga de secretária no Superior Tribunal de Justiça (STJ), saindo em dezembro para se preparar para a nova empreitada, a posse como funcionária do GDF.
A mãe, a dona de casa Marilei Martins Collares, 73 anos, conta que a filha sempre se mostrou obstinada. Quando ela terminou a 8ª série, decidiu que não queria mais estudar e sim trabalhar. Ela vivia dizendo que queria ser dona de si, ganhar o próprio sustento, e nós sempre a incentivamos a crescer, explica. À época, não existiam tantos médicos e terapias como hoje. A gente a colocava para imitar a boneca (que falava 14 frases), e eu ficava repetindo as palavras com ela. Liane brinca que a técnica da mãe a fez falar até demais da conta.
A dona de casa colocou a filha em cursos de música e teatro e optou por colégios regulares ou aulas particulares, para que a menina aprendesse a se socializar. Preparei-me para cuidar dela desde o começo. Arregacei as mangas no meio de uma sociedade conservadora e nunca fiquei infeliz por ter a filha que tenho, completa.
Emocionada com as palavras da mãe, Liane afirma que só chegou aonde está por causa do apoio e do auxílio dos pais e de Paulo Beck, que é cadeirante e sempre lutou pelos direitos das pessoas com deficiência. Preparada e confiante para o novo desafio, ela diz: O que eu mais quero é trabalhar, mexer com os papéis e cuidar da vida profissional dos meus chefes. As pessoas sempre gostaram do meu desempenho, e eu tenho orgulho de todos os momentos em que trabalhei.
Além de alcançar o sucesso profissional, Liane se destacou em outros aspectos. Na década de 1990, ela ganhou duas medalhas de ouro em nado livre e costas, em uma disputa para competidores com algum grau de deficiência, na Holanda. Também é escritora. Debutou na literatura nacional com a autobiografia Liane mulher como todas.
Capacidade
Com cerca de 20 funcionários públicos, entre comissionados e concursados, a Coordenação de Promoção de Direitos das Pessoas com Deficiência surge como algo diferente na gestão do DF: nove pessoas da equipe apresentam algum tipo de deficiência (auditiva, visual, de locomoção, entre outras) e foram escolhidas para ajudar nas políticas públicas de inclusão. Beck acredita que esse tipo de representação é importante para que as políticas sejam criadas com mais propriedade.
A secretária da Mulher, Igualdade Racial e Direitos Humanos, Marise Nogueira, avalia a importância da coordenação e da contratação de Liane como avanços na área. Essas pessoas, na nossa equipe, são exemplos. Assim, podemos mostrar que elas têm capacidade a serem desenvolvidas, olhamos para a pessoa e não somente para a deficiência.