O bilionário esquema de corrupção na Petrobras desembarcou no Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek, em Brasília, o segundo maior do país em movimentação de passageiros. A Corporación América, integrante do consórcio que administra o terminal da capital federal desde 2013, está à procura de um novo sócio brasileiro. Os executivos do grupo argentino decidiram não mais tocar o negócio com a construtora Engevix, acusada de participação no escândalo da estatal petrolífera revelado pela Operação Lava-Jato, da Polícia Federal. 

Em meio à crise na relação entre os sócios do Consórcio Inframérica, dono de 51% da concessão de 25 anos do aeroporto - os outros 49% são da estatal Infraero -, a diretora de relações internacionais da Corporación América, Carolina Barrosa, confirmou ao Correio conversas em andamento com um fundo de investimento, um banco e um empresário do ramo logístico. "Diante da conhecida situação da Engevix, estamos buscando novo parceiro", disse ela, por telefone, de Buenos Aires. 

A construtora e o grupo argentino têm participação igual no terminal brasiliense, arrematado por R$ 4,501 bilhões, com ágio de 673,89%, o maior entre as concessões de aeroportos. Na época, a Corporación reforçou o desejo de se expandir pela América Latina, a partir de grandes projetos no setor. "Vamos seguir operando e investindo no Brasil, sempre com um sócio local e respeitando as regras do país", comentou Carolina, que considera "complicada" a situação da Engevix. 

A decisão de romper a parceria afetaria ainda o controle do aeroporto de São Gonçalo do Amarante (RN), na Grande Natal - adquirido por R$ 170 milhões, com ágio de 228% -, cuja participação no negócio é dividida igualmente pelo grupo argentino e pela empresa brasileira. A executiva da Corporación afirmou que as operações, em ambos os terminais, em nada seriam prejudicadas com eventuais mudanças societárias. A administração da Inframérica em Brasília não quis comentar a briga. 

As declarações da diretoria da Corporación foram recebidas com surpresa pelo sócio da Engevix José Antunes Sobrinho. "Quem os convidou para vir ao Brasil fomos nós. Quando chegaram aqui, havia dúvidas em relação à reputação e à credibilidade da companhia", ataca o engenheiro, lembrando que chegou a se discutir a permanência dos argentinos na operação após suspeitas de descumprimentos de contratos em terminais de Buenos Aires administrados pelo grupo. 

O aeroporto de Brasília consolidou-se como o principal centro de distribuição de voos do país. Encerrou 2014 com 18,1 milhões de passageiros, passando a ser um dos quatro maiores da América Latina. "Quem fez esse aeroporto fomos nós, que sabemos fazer. Jamais um grupo estrangeiro conseguiria colocar um terminal desse porte em pé em tão pouco tempo", alfinetou Sobrinho. "Não tenho para quê ter papas na língua", emendou. Apesar da reação agressiva, o executivo admite que pode estudar a venda da participação nos dois terminais. "Já fomos procurados por quatro empresas estrangeiras e três nacionais. Podemos estudar vender, mas não é um assunto prioritário." 

Alternativas 

Representantes das duas companhias trocaram telefonemas ontem, mas o clima não melhorou. "São muito estranhas essas declarações. Sou controlador do negócio. Ninguém tem direito de dizer que vai me substituir", afirmou o sócio da Engevix. O vice-presidente da empresa, Gerson de Mello Almada, foi preso no fim do ano passado, na sétima fase dos trabalhos. 

Para melhorar a saúde financeira do Engevix, o grupo concluiu na tarde de ontem a venda da Desenvix, braço voltado para a área de energia renováveis, para a norueguesa Statkraft. "Com essa operação, queremos abater o nível da dívida e garantir razoável nível de liquidez", ressaltou Sobrinho. A negociação, ressaltou, começou antes de a Lava-Jato ser deflagrada. Enquanto isso, projetos do grupo estão parados, sem previsão de retomada. "Se alguém da empresa errou, que pague pelo erro. Mas o grupo tem uma história que não pode ser desconsiderada", pontuou Antunes. (Colaboraram Sílvio Ribas e Rodolfo Costa) 

União dará a palavra final

Advogados brasileiros envolvidos na disputa pela concessão ao aeroporto da capital federal explicam que, a depender das regras contidas no acordo de acionistas do consórcio vencedor, a briga entre os sócios da Inframérica poderá se arrastar muito tempo nos tribunais. De toda forma, qualquer alteração na composição acionária, resultado de negociação ou de processo judicial, requer a anuência da União. 

A legislação deixa claro que a transferência do controle societário da concessionária sem prévia autorização do governo implicaria na perda da concessão. Isso porque o poder concedente tem de verificar se a alteração obedeceu a parâmetros da Lei das Concessões e Permissões (nº 8987/1995), como cumprimento das metas estabelecidas pelo contrato de concessão e das obrigações com o Fisco. 

Se o acerto for apresentado às autoridades, o novo grupo controlador da concessionária precisa, segundo a lei, "atender às exigências de capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica e fiscal" necessárias para tocar o empreendimento. Para complicar, um advogado consultado pelo Correio ressaltou que a parceria entre os dois sócios se deu meio a meio. O ideal, na opinião dele, seria os acionistas preverem uma solução de conflitos via arbitragem. 

A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) informou que a transferência de controle dos aeroportos brasileiros só pode ser feita com autorização prévia do órgão. Após a instauração de um processo específico, acrescentou a Anac, o caso passa a ser analisado pela diretoria colegiada. "Não recebemos solicitação referente ao caso citado", ponderou a agência. A Secretaria de Aviação Civil (SAC), ligada à Presidência da República, não quis fazer qualquer comentário. (DA)

Terceirizados apreensivos

A possibilidade de uma mudança na administração da Inframérica preocupa os prestadores de serviços dos terminais de Brasília e de Natal. No fim do ano passado, os mais de 200 terceirizados envolvidos nas obras cobravam do consórcio uma dívida de R$ 134,4 milhões dos gestores. Após longas e tensas negociações, os pagamentos começaram a ser feitos em parcelas. A eventual saída da Engevix reascende a preocupação. "Espero que um provável rompimento nessa sociedade não influencie nos depósitos. Temos dívidas com fornecedores e bancos a pagar", alertou um dos empresários, que pede para não ser identificado por ter sido proibido pelo Inframérica de dar entrevistas.