Na proposta de reforma do PIS/Cofins, em discussão no governo, admite-se a criação de uma alíquota específica para o setor de serviços, inferior aos 9,25% sobre o valor adicionado que é a base do projeto. Na reformulação e simplificação desses tributos, tudo que a empresa comprar vai gerar crédito e as companhias que hoje optam pelo lucro presumido e pagam alíquota de 3,65% sobre o faturamento vão ter que migrar para a alíquota de 9,25% sobre valor adicionado.

Como o setor de serviços usa poucos insumos, a migração do regime cumulativo para o não cumulativo com a alíquota de 9,25% representaria uma elevação de mais de 100% na carga tributária do setor, segundo cálculos do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), feitos a pedido da Federação Nacional de Empresas de Serviços Contáveis e Empresas de Assessoramento, Perícia, Informações e Pesquisas (Fenacon). Razão pela qual se admite, na área econômica, um tratamento diferente para essa área.

Tanto a do PIS/Cofins quanto a do ICMS são reformas que fazem parte do leque de medidas do governo para diminuir o custo de produção e incentivar o investimento no país. A previsão é que a medida possa ser enviada ao Congresso em meados do ano para ser implementada em 2016.

O PIS e a Cofins são impostos complexos e respondem por 90% das demandas tanto legislativas quanto judiciais. Atualmente só os insumos usados diretamente na produção geram crédito. Esse, porém, não é um conceito cristalino e está sujeito a inúmeras interpretações. As empresas têm que remeter à Receita Federal a declaração de todas as compras efetuadas e apontar o que considera que gerou crédito. Cabe ao Fisco analisar o pedido e decidir se a lista da empresa procede.

Pela proposta, tudo gera crédito e vai na nota fiscal. Se a empresa comprou um lápis e pagou R$ 0,10 de PIS/Cofins, ela terá o crédito financeiro de R$ 0,10 de forma automática.

Um aspecto a ser superado nas negociações é o da desconfiança que se criou quando da última mudança. Em 2003, sob a garantia de que as alterações feitas no PIS/Cofins seriam "neutras" para a carga tributária, a Fazenda patrocinou um espetacular aumento da receita. A arrecadação da contribuição, que era de 3,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2003, com as tais medidas, saltou para 4,1% do PIB em 2004. Hoje o PIS arrecada o equivalente a 1% do PIB e a Cofins, 3,8% do PIB.

Nessa mesma ocasião, um conjunto de empresas responsáveis por 21% da arrecadação optou pelo regime cumulativo. São as companhias de construção civil e pequenas e médias empresas comerciais e prestadoras de serviços, com faturamento anual de até R$ 48 milhões. São essas que passariam a pagar muito mais após migrar para o sistema não cumulativo e deverão ter, portanto, incidência de uma alíquota menor do que os 9,25%.

Embora tenha anunciado ontem que a reforma do PIS/Cofins passa pelo ajuste de alíquotas com adoção do crédito financeiro, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, não disse se pretende que a proposta em discussão seja neutra para a arrecadação.

 

Levy diz que reforma do tributo passa por adoção do crédito financeiro

Denise Neumann, Juliana Elias e Arícia Martins 

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, deu um duplo recado tributário a empresários e executivos do mercado financeiro, ontem, em São Paulo. No curto prazo, sinalizou que alguns incentivos fiscais adotados nos últimos anos não estão funcionando para ajudar o emprego e o crescimento e terão que ser revistos. E informou ainda que o governo estuda uma reforma do PIS/Cofins que passa pela adoção do crédito financeiro no lugar do sistema de crédito "físico" hoje em vigor. Essa mudança, disse, pode valer a partir de 2016, mas precisa passar pelo Congresso. 

De acordo com Levy, o governo está formulando uma "proposta de lei para envio ao Congresso que institua o chamado crédito financeiro do PIS/Cofins". Segundo ele, essa mudança "tem uma série de vantagens, mas obviamente vai gerar um ajuste de alíquota porque aumenta significativamente a possibilidade de créditos" que o empresário terá para receber. Esse aumento de créditos, explicou, decorreria da simplificação do modelo e do cálculo do que o empresário deve. Hoje, é descontado o valor das taxas embutido na compra de insumos e só entra na conta o que é usado na produção. No conceito financeiro, com o objetivo de facilitar a conta, tudo entra, mesmo despesas administrativas. 

Levy não deu detalhes, mas para os presentes ficou a impressão de que "ajuste de alíquota" significa um aumento, que seria compensado pela maior devolução de créditos. Sem dar detalhes, Levy disse que no crédito financeiro, "você recebe a fatura e automaticamente se credita daquilo que pagou antes, ao contrário de hoje, onde tem a questão de encargo, insumo, etc e tal". Ele ponderou que essa é uma reforma "extremamente ambiciosa", e que tem que ser "bem conversada no Congresso", mas que "pode ter impacto muito significativo na simplificação dos negócios." 

O ministro também defendeu mudança na legislação do ICMS, deixando claro que essa tarefa compete aos Estados, ao Confaz e ao Senado. Ele sugeriu um cronograma que reduza as alíquotas cobradas na origem e aumente as alíquotas no destino, com convalidação de benefícios fiscais concedidos no passado. Esse modelo, disse, reduziria de imediato a pressão sobre os exportadores porque provocaria menor acúmulo de créditos (pela redução na tributação no destino). 

No evento, promovido pela Câmara de Comércio França-Brasil, Levy também mostrou que já entrou na campanha pela aprovação das medidas fiscais no Congresso Nacional. Após desenhar o conjunto de medidas e ponderar que elas visam à recuperação da competitividade das empresas brasileiras, o ministro lembrou que "essa agenda é suprapartidária, não é de indivíduos, é do país". E mostrou que sabe o tamanho da dificuldade que tem pela frente. "Depois disso [das reformas do PIS/Cofins e do ICMS] acho que todos nós adotaríamos a posição de lótus pois é quase um nirvana se essas duas coisas acontecerem", disse, com bom humor. 

Em diferentes momentos, Levy insistiu no ponto de que as políticas fiscais contracíclicas esgotaram seus benefícios. Ele também lembrou que o cenário hoje é diferente, pois o câmbio não está mais em R$ 1,60. "Nós reparamos que o desempenho fiscal do Brasil teve uma inflexão em 2014, e essa inflexão mostrou o esgotamento das políticas anticíclicas", disse durante sua palestra. Depois, insistiu que "não podemos querer simplificação e ao mesmo tempo ter quinhentos programas disso, daquilo, daquilo outro. A estratégia é simplificar e eventualmente reduzir alguns programas pontuais, que dão conforto, mas não estão resolvendo nada", ponderou. 

Ele lembrou que os incentivos e renúncias fiscais em vigor no ano passado somaram R$ 100 bilhões, equivalente a 2% do PIB. "Houve um grande aumento dos incentivos fiscais, que acabaram afetando a economia, e mais recentemente tendo uma produtividade, um resultado em termos de emprego e crescimento não tão significativos. Então, a estratégia de rever alguns destes benefícios fiscais é bastante importante" dado o custo alto para o Tesouro. 

Ao responder perguntas de empresários sobre medidas do governo como desonerações tributárias e programas voltados à exportação, Levy afirmou que o governo não pode prometer soluções rápidas e fáceis e "dizer que está tudo bem". "Mas em termos de estratégias, estamos procurando atacar com muito cuidado algumas coisas que são cruciais. Para isso, será necessário ter apoio do setor privado no Congresso. É muito importante termos uma agenda suprapartidária", insistiu. 

Segundo o ministro, a política monetária já está mudando na China e, daqui a pouco, vai mudar nos Estados Unidos também. Por isso, disse, o Brasil precisa mudar, e o governo está tentando fazer parte dessa mudança mundial com estabilização fiscal. "Não podemos ter a dívida crescendo e acúmulo de déficit. Esse é o ponto número um". Segundo ele, o déficit fiscal de quase 7% do ano passado "não é sustentável" e por isso os aportes ao BNDES fazem parte do passado. "Aportes adicionais do Tesouro não são mais instrumento de política econômica", disse. 

Ao responder uma pergunta de empresários da plateia sobre câmbio, o ministro da Fazenda foi muito cuidadoso para evitar ruídos semelhantes aos provocados no fim de janeiro, quando em outro evento disse que não havia a "intenção de manter o câmbio artificialmente valorizado". Os presentes entenderam a declaração como um aviso de que o governo não usaria mais artifícios para controlar a depreciação do real em relação ao dólar. Logo após o fim da palestra do ministro, porém, sua assessoria de imprensa esclareceu que, neste comentário, o ministro se referia ao câmbio "no mundo". 

Hoje, ele reiterou que o Banco Central tem procurado trazer estabilidade para a moeda brasileira, mas, no mundo, o câmbio tem sido muito volátil. "Estive em Davos e digo que o país [Suíça] passou por uma comoção. O franco está mais alto que os Alpes", disse. "O programa de swaps tem o objetivo de diminuir a volatilidade, não de guiar a taxa de câmbio. Ele [BC] tem tido sucesso e tem sido extremamente responsável nesse papel", afirmou Levy. 

Para ele, tanto a política fiscal como o BC estão agindo para impedir que o processo de realinhamento tarifário em vigor se transforme em um processo inflacionário: "Há uma mudança de preço, mas pontual. O importante é o ente monetário estar vigilante para que esse ajuste não se transforme numa fonte de inflação".

 

Empresário coloca corte de imposto em dúvida

Denise Neumann 

Empresários que ouviram o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, defender a simplificação de tributos como PIS/Cofins e ICMS em evento organizado pela Câmara de Comércio Brasil-França, gostaram do recado, elogiaram a franqueza do ministro, mas preferem ver para crer. "Já estou há 25 anos no Brasil, e a primeira vez que ouvi falar de reforma tributária foi com o Collor [ex-presidente Fernando Collor de Mello", disse Roland de Bonadona, presidente do grupo Accor, de hotéis. 

Bonadona disse que "confia" em Joaquim Levy, mas lembrou que além das medidas de ajuste fiscal de curto prazo, o que o país precisa mesmo são de reformas mais profundas, e aí o Congresso "tem uma enorme responsabilidade." 

O diretor de Relações Institucionais da L´ Oreal Brasil, Patrick Sabatier, ponderou que o ajuste por enquanto trouxe aumento de custos (mais carga tributária, mais custo de energia, mais custo de financiamento). "A simplificação tributária é o caminho, não há dúvida, mas o grande desafio é ver essas medidas realmente se transformarem em alívio de carga tributária, em mais competitividade", ponderou. 

O ajuste de Levy, dizem Bonadona e Sabatier, é forte e deve trazer, primeiro, mais dificuldades e aumento de custos para o setor empresarial, mas a expectativa é otimista. "É como você estar em dieta. Primeiro, você precisa fazer sacrifícios para perder peso. Isso leva tempo. Depois, sua saúde melhora", comparou Bonadona.

 

Fiesp teme alta de carga e CNS quer manter cálculo atual das contribuições

Marta Watanabe

A declaração do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, de que está em estudo a adoção do crédito financeiro para o PIS/Cofins deixaram entidades representativas das indústrias e do setor de serviços preocupados com possível elevação de carga tributária. 

A forma não cumulativa com ampliação de créditos é considerada bem-vinda pela indústria, mas o ajuste de alíquotas, atualmente de 9,25%, pode tornar as duas contribuições mais pesadas. O setor de serviços prefere manter a forma atual de cálculo do PIS/Cofins, que é cumulativa, sem créditos, e a uma alíquota de 3,65%. 

"A preocupação é que o governo dê com uma mão e tire com a outra", diz José Ricardo Roriz Coelho, diretor de competitividade da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). O receio é que uma elevação de alíquotas resulte em um débito maior de PIS/Cofins, mesmo com a utilização de mais créditos. "Da última vez em que houve uma mudança importante no PIS/Cofins houve elevação de carga", diz ele referindo-se à instituição do cálculo não cumulativo para as duas contribuições, que aconteceu em 2003, para o PIS, e em 2004, para a Cofins. 

O setor de serviços prefere não quer mudança na forma de recolhimento do PIS/Cofins, diz Luigi Nese, presidente da Confederação Nacional de Serviços (CNS). Ele defende a manutenção para o setor do cálculo cumulativo de PIS/Cofins a 3,65%, na regra geral. Nese argumenta que a as atividades de serviços geram poucos créditos de PIS e Cofins. O maior gasto das empresas do setor, diz ele, é com a folha de salários, que não dá direito a créditos. Em lugar dessa mudança, diz ele, a CNS defende a substituição da contribuição previdenciária (seja a de 20% calculada sobre folha ou a calculada sobre o faturamento) por contribuição sobre movimentação financeira, da mesma forma que a extinta CPMF, a uma alíquota de 0,85%. 

Valdir Pietrobon, diretor político parlamentar da Fenacon, que reúne os contabilistas, também defende a manutenção do atual sistema de PIS/Cofins para os serviços. Caso haja unificação no sistema não cumulativo, diz ele, a alíquota para o setor de serviços teria de ser menor do que os 9,25% atualmente cobrados para quem usa os créditos. No sistema não cumulativo, diz ele, a alíquota média de equilíbrio para os serviços seria de 3,92%. "Não somos contra a simplificação das duas contribuições, mas não podemos ter elevação de carga tributária."