A gastança sem fim dos parlamentares

Correio Braziliense - 15/02/2015

Custo anual dos mandatos dos 513 deputados federais aumenta R$ 265 milhões em cinco anos. No mesmo período, o salário pago a cada um deles mais que dobrou

JOÃO VALADARES EDUARDO MILITÃO ANDRÉ SHALDERS NAIRA TRINDADE

O discurso de austeridade em tempos de crise financeira não encontra ressonância nas cifras das regalias acumuladas na Câmara dos Deputados. Levantamento feito pelo Correio mostra que o custo de um parlamentar, somando o vencimento e todos os benefícios a que tem direito, aumentou 37% nos últimos cinco anos. Pulou de R$ 1,4 milhão por ano para R$ 1,9 milhão. São 6% acima da inflação calculada no período. Considerando os 513 deputados, o salto foi de R$ 720 milhões para R$ 985 milhões. Um impacto nominal de R$ 265 milhões. 

O item que mais contribuiu para o estouro foi o salário; no entanto, também houve reajuste em regalias históricas, a exemplo do cotão (passagens aéreas, alimentação e outros), da verba de gabinete e das despesas médicas. O salário das excelências mais que dobrou de 2010 para cá. Passou de R$ 16,5 mil para R$ 33,7 mil. São impressionantes 104% de aumento. Com a inflação acumulada nos últimos cinco anos, o reajuste fica em 54%. 

O chamado cotão cobre passagens aéreas, fretamento de aeronaves, alimentação, cota postal e telefônica, combustíveis e lubrificantes, consultorias, divulgação do mandato, aluguel e demais despesas de escritório políticos, assinatura e publicações e serviços de TV e internet e ainda contratação de segurança. O valor do recurso é variável. O Correio utilizou como base a média dos 513 deputados, levando em consideração as diferenças entre as unidades da Federação. 

No fim de 2010, cada parlamentar tinha direito, em média, a R$ 353,62 mil por ano. Agora, são R$ 429 mil, o que representa 21% a mais. O valor, no entanto, ficou 6% abaixo da inflação no período considerado. O ressarcimento ilimitado de despesas médicas teve um aumento de 46%. As verbas de gabinete saltaram de R$ 780 mil por ano, em 2010, para R$ 1 milhão neste ano, o que significa um impacto nominal de 30%. 

Ao analisar os números, verifica-se que a Câmara, a contragosto, economizou 61% no que se referia ao pagamento do 14º e do 15º salários. O benefício dos salários extras, chamados internamente de ajuda de custo, era pago aos parlamentares desde 1938. A mordomia caiu em fevereiro de 2013, após o Correio mostrar, em uma série de reportagens, que, além de receberem dois salários a mais, não havia o desconto do imposto de renda. Com a derrubada da regalia histórica, deputados e senadores passaram a receber os extras apenas ao assumir e ao deixar seu mandato no Congresso, o que acontece, em regra, a cada quatro anos. 

Em alguns períodos, ocorria o pagamento em convocações extraordinárias para trabalho em julho e janeiro, o que levou ao pagamento de até 19 salários em um mesmo ano. O valor remanescente se refere à média anual do valor dessa ajuda de custo, que é paga apenas duas vezes em quatro anos. 

Farra das passagens 

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, prometeu às esposas dos deputados a volta do benefício das passagens aéreas para que elas possam acompanhar os maridos durante a semana em Brasília. Em 31 de dezembro, um dia antes da disputa pela presidência na Câmara, em chá com algumas esposas na casa da então deputada Nilda Gondim (PMDB-PB), Cunha alegou que, se eleito, alteraria um ato da Mesa Diretora autorizando a Câmara a pagar os bilhetes das mulheres. Acabou ovacionado pela maioria presente. A promessa impacta os cofres públicos. Conforme dados do Portal da Transparência da Câmara, em 2014, os deputados gastaram R$ 33,98 milhões com despesas aéreas deles e de assessores. 

O benefício de pagar os custos com viagens das esposas de parlamentares foi suspenso após revelada a farra das passagens, com parlamentares cedendo bilhetes a terceiros. Entre os casos relatado à época, até a mulher do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes teve uma passagem para os Estados Unidos incluída na cota do então deputado Paulo Roberto Pereira (PTB-RS). À época, Gilmar comprovou ter pago o bilhete com seu próprio cartão de crédito e cobrou explicações da Câmara sobre o caso. 

O deputado Fabio Faria (PSD-RN) também usou parte da cota de passagens aéreas da Câmara para viajar com a apresentadora Adriane Galisteu, sua namorada à época, e a mãe dela, Emma Galisteu, além de um amigo da apresentadora, Claudio Torelli, no período de 2007 a 2008. Somadas, as passagens custaram à Câmara cerca de R$ 11 mil. Faria também cedeu passagens aos atores Kayky Brito, Sthefany Brito e Samara Felippo, que participaram do carnaval fora de época em Natal, em dezembro de 2007. Eles foram convidados para o camarote que o deputado organizou para o evento. Após a reportagem, o parlamentar ressarciu à Câmara o valor das passagens usadas pelos atores. 

R$ 33,7 mil 

Salário reajustado dos parlamentares para 2015. Em 2010, o valor era R$ 16,5 mil