Depoimento de ex-integrante de comissões de licitações para ampliação da Refinaria de Paulínia (Replan) indica que suspeitas de sobrepreço em obras da estatal remontam ao fim da década de 80 e que a influência da Associação Brasileira de Empresas de Montagem Industrial (Abemi) sobre diretorias da petrolífera se intensificou a partir de 2006. A Abemi seria o nascedouro do "Clube" de empreiteiras que escolhia os vencedores de licitações com a estatal, segundo acusação do Ministério Público Federal (MPF). O engenheiro Ronaldo Ramos Borges depôs na condição de testemunha, convocado pela Polícia Federal, em função das informações trazidas pela ex-executiva de abastecimento Venina Velosa da Fonseca. "Eu comecei a trabalhar mais com licitações a partir de 1988. E isso de sobrepreço já era conhecido. Isso é mais velho que o vento sul", afirmou ao Valor PRO, serviço em tempo real do Valor. Borges, que foi admitido na Replan em 1974, aposentou-se em 2002 e trabalhou em empresas que prestavam serviços terceirizados para a Petrobras até junho de 2013. Ele foi ouvido como testemunha por carta precatória no dia 11 de fevereiro em Campinas, a pedido do delegado da Polícia Federal (PF) Eduardo Mauat, um dos responsáveis pelas investigações da Operação Lava-Jato. Segundo o engenheiro, desde o fim da década de 80 a Petrobras utilizava parâmetros do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER) para avaliar preços propostos pelas empresas candidatas aos contratos. O DNER foi extinto por decreto em 2001 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, em meio a escândalo de corrupção envolvendo precatórios. No mesmo ano foi criado o Dnit. Segundo Borges, quando tinha algum questionamento com relação às propostas, em geral feitos pelo TCU, a referência era sempre a tabela da autarquia vinculada ao Ministério dos Transportes. "Isso poderia indicar se o preço estava ou não acima do preço de mercado", disse Borges. "O setor jurídico da Petrobras sempre defendia que se utilizasse um critério específico de preços para contratar, contrariando a orientação do TCU. E a Petrobras tinha um setor específico de estimativas de custo. As empresas sempre foram selecionadas pelo critério do cadastro da Petrobras. As grandes no grupo A; médias no B e as pequenas no grupo C", explicou Borges. Segundo ele, entre o fim da década de 80 e o começo dos anos 1990 eram comuns embates de preços entre a Petrobras e o TCU: "Nos embates do jurídico com o TCU eu tive oportunidade de ver críticas de que os valores [dos contratos] estavam muita acima da média de mercado". Intimado a depor, o engenheiro afirmou ao delegado Carlos Fagundes Vieira que "órgãos fiscalizadores como a CGU [Controladoria Geral da União] e o TCU costumavam indicar sobrepreço nas tabelas da Petrobras, na comparação com referenciais utilizados pelo Dnit, entre outros; que isto na época em que o depoente trabalhou nas licitações da Petrobras, entre 1988 e 2002". E que "percebeu de fato que a partir dos anos 2006 e 2007, a Abemi passou a exercer uma maior influência sobre as diretorias da Petrobras; que na percepção do depoente, as empreiteiras associadas à Abemi, boa parte delas posicionada no Grupo A da estatal na área de licitações, passaram a ter muitos dos seus pleitos atendidos, no sentido de favorecer o seu fluxo de caixa para a execução das obras para as quais haviam sido contratadas". Como exemplo da tal "influência" das empreiteiras na Petrobras, Borges citou indenizações às empresas nos "cronogramas seco e molhado por paralisação de obras em dias de chuva: "que aparentemente as empreiteiras passaram a obter duplamente essas indenizações, uma vez que embutiam tais perdas nos preços e, posteriormente, recebiam abonos no orçamento por conta destes fatores". "O clube se aproveitou porque passou a ter indicações políticas para cargos na Petrobras e isso ampliou a influência da Abemi", afirmou Borges ao Valor. Em nota, a Abemi diz repudiar "veementemente o envolvimento de seu nome com quaisquer práticas para dirigir ou fraudar contratos. É de domínio público que a entidade, juntamente com a Associação Brasileira de Consultores de Engenharia (ABCE), realiza reuniões com a Petrobras desde 2002. Trata-se de grupo de trabalho com uma temática técnica e normativa, sem autonomia ou autorização para ir além de sugestões. Muito menos, aprovar mudanças. Durante os últimos 12 anos, como resultado desse trabalho, foram produzidos 53 comunicados e 108 procedimentos de execução de obras". E que "desde sua fundação, há 50 anos, a Abemi preza pela transparência, ética e integridade e protege a livre concorrência.

 

MPF denuncia Cerveró, Soares e empresário uruguaio

 

O Ministério Público Federal (MPF) denunciou o empresário uruguaio Oscar Algorta, o ex-diretor Internacional da Petrobras Nestor Cerveró e o acusado de ser operador financeiro do PMDB Fernando Soares, o "Fernando Baiano", por crimes de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, apurados na Operação Lava-Jato. Segundo o MPF, Oscar Algorta lavou dinheiro ao adquirir com valores ilícitos uma cobertura de luxo no Rio de Janeiro, em nome da offshore uruguaia Jolmey, "para ocultar a real propriedade atribuída a Cerveró". Para a Lava-Jato ele atuou como "laranja" de Cerveró. A investigação também descobriu que valores recebidos a título de propina por Cerveró foram remetidos ao exterior para empresas offshores situadas no Uruguai e na Suíça. Parte dos recursos retornou ao Brasil por meio da simulação de investimentos diretos na empresa brasileira Jolmey do Brasil Administradora de Bens Ltda, a qual, na realidade, tratava-se de uma filial da offshore uruguaia Jolmey S/A, afirma a acusação. A denúncia diz que as duas empresas eram de propriedade de Cerveró, mas estavam registradas e eram administradas formalmente por terceiros. No pedido de abertura de ação criminal, Oscar Algorta é descrito como presidente do Conselho de Administração da Jolmey S/A no Uruguai e o idealizador da operação de lavagem de capitais que beneficiou Cerveró, segundo o MPF. De acordo com o registro de imóveis no Rio, um apartamento de cobertura no bairro de Ipanema foi adquirido pela Jolmey do Brasil pelo valor de R$ 1.532.000,00, depois reformado por R$ 700.000,00. Atualmente tem valor de mercado estimado em R$ 7,5 milhões. Os investigadores afirmam que o imóvel foi adquirido por Cerveró e pertencia a ele, que também seria o real controlador da Jolmey do Brasil. Depois da venda, o apartamento foi "alugado" a Cerveró pelo valor de R$ 3.650,00, considerado abaixo do mercado pelo MPF. "O objetivo de Cerveró e Algorta era simular uma locação do imóvel como forma de ocultar a real propriedade do bem e evitar que Cerveró pudesse ser alvo de investigação por enriquecimento sem causa - e claro, de corrupção", relata a denúncia. Cerveró e Baiano já respondem a processo por corrupção e lavagem de dinheiro com recursos da Petrobras e estão em prisão preventiva na Polícia Federal em Curitiba.