Falhas na gestão da água podem resultar numa chuva de ações judiciais com potencial para inundarem de processos órgãos das administrações municipais, estaduais e federal. Esse prognóstico ganha volume à medida que se consiga comprovar que a falta de chuvas é apenas um dos motivos a impedir o funcionamento normal do sistema.

A Aliança pela Água, grupo de mais de 50 organizações da sociedade civil, aponta pelo menos outras quatro razões: “Ênfase dos governos na retirada de mais água e não no uso racional desse recurso; desmatamento nas áreas de mananciais e poluição das fontes; pouco espaço de participação e transparência quanto à gestão; e resistência dos governos em tomar medidas mais firmes em ano eleitoral”.

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), já foi alvo de representação do Ministério Público estadual e esse tipo de iniciativa pode se espraiar pelos outros estados da Região Sudeste: Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo, onde a crise também deixa exposto algo mais que o fundo dos reservatórios. Alckmin tem contra si uma série de declarações otimistas dadas ao longo de 2014 e, especialmente, durante a campanha eleitoral. Nelas, o governador candidato à reeleição nega a crise e descarta a necessidade de racionamento.

Em debate na TV Globo em 30 de setembro de 2014, o candidato repetiu o mantra aos eleitores: “Não falta água em São Paulo, não vai faltar água em São Paulo. Nós estamos trabalhando com planejamento, obras, investimento. As mudanças climáticas atingiram a Califórnia, atingiram a Austrália. Vinte por cento dos municípios brasileiros estão em estado de emergência ou de calamidade pública e nós aqui, com 22 milhões de pessoas a 700 metros de altitude, estamos garantindo o abastecimento, com uma grande reserva para a frente e investimentos.”

O governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), distribuiu uma espécie de vacina antirresponsabilização assim que assumiu o governo, em 1º de janeiro deste ano, tomando a iniciativa de alardear a crise em que o estado estorricava. Três semanas depois de tomar posse, veio a Brasília e, após encontro com a presidente Dilma Rousseff, avisou que, se não chovesse, o estado precisaria “racionar severamente”. “A meta é reduzir em 30% o consumo de água nos próximos meses e, se essa campanha não for suficiente, nós vamos fazer o rodízio e, se não for suficiente, vamos para o racionamento. Infelizmente, essa é a realidade, e isso já vem desde o ano passado”, disse o governador, em referência ao governo do antecessor, o hoje senador Antonio Anastasia (PSDB). Cerca de 100 municípios mineiros decretaram situação de emergência por causa da seca. Mais de 40 já operam com racionamento e pelo menos 14 em sistema de rodízio.

Serviços essenciais

O advogado Alessandro Azzoni, especialista em direito ambiental, lembra que o Estado tem “responsabilidade objetiva” (quando não é preciso comprovar a culpa, apenas a casualidade) no fornecimento de água, com base no Código de Defesa do Consumidor. O artigo 22 da lei estabelece que os órgãos públicos, “por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos”. Entre os serviços essenciais, estão tratamento e abastecimento de água.

Ainda segundo o código, nos casos de descumprimento total ou parcial no fornecimento, o governo será obrigado a cumprir a obrigação e a “reparar os danos causados”. A lei abre, portanto, a possibilidade de indenizações por prejuízos causados por cortes no abastecimento. “Fica clara a proteção ao consumidor quanto ao fornecimento de serviços essenciais e contínuos, que é o caso da água”, diz Azzoni. A situação muda, segundo o advogado, quando a concessionária avisa que fará corte no abastecimento. “Nesse caso, o consumidor teria tempo de prevenir-se da falta do serviço.”