Alemanha, França, Rússia e Ucrânia firmaram ontem um acordo que cria um “vislumbre de esperança” para o fim do conflito no leste da Ucrânia, mas os Estados Unidos disseram que a continuação de intensos combates vai contra o espírito do acordo.

O acordo foi anunciado após mais de 16 horas de discussões durante a noite na capital bielorrussa de Minsk, porém Kiev imediatamente protestou contra um renovado afluxo em massa de blindados russos a território controlado pelos rebeldes no leste da Ucrânia.

O acordo prevê para a partir de domingo um cessar-fogo entre as forças ucranianas e separatistas apoiados pelos russos, a retirada de armas pesadas do front e uma reforma constitucional para dar maior autonomia ao leste da Ucrânia.

Os combates foram intensificados, nos últimos dias, depois que os rebeldes passaram a tentar assumir o controle de Debaltseve, um polo logístico estratégico que permitiria interligar as duas áreas controladas pelos separatistas no leste da Ucrânia, onde, nos termos do acordo, serão realizadas eleições.

A Casa Branca, sob pressão do Congresso para que forneça armas para as necessitadas Forças Armadas ucranianas, disse que o acordo é “potencialmente significativo”, mas exortou a Rússia a retirar soldados e equipamentos e devolver à Ucrânia o controle sobre sua fronteira.

As conversações foram o ápice de uma dramática iniciativa da França e da Alemanha após um recrudescimento dos combates em que os separatistas romperam uma linha de cessar-fogo anterior.

O presidente russo, Vladimir Putin, acusou Kiev de prolongar as negociações, que pareceram perto de um colapso em vários momentos, durante a noite.

A primeira-ministra alemã, Angela Merkel, disse que o [presidente] ucraniano Petro Poroshenko “fez tudo para viabilizar a possibilidade de um fim ao derramamento de sangue” e que [o presidente] Putin pressionou os rebeldes a concordarem com a trégua “perto do final” das negociações.

“Isso é um vislumbre de esperança, nem mais nem menos”, disse Merkel a jornalistas assim que chegou de Minsk para uma cúpula da União Europeia em Bruxelas. “É muito importante que as palavras venham acompanhadas de ações.”

A agência noticiosa russa RIA citou Dmitry Peskov, porta-voz do Kremlin, como tendo dito que as conversas foram “difíceis e muito emotivas”.

O acordo poderá retardar a imposição de novas sanções a Moscou, embora o Departamento de Estado dos EUA tenha dito não ter descartado nenhuma opção. O secretário de Estado, John Kerry, disse que as sanções poderão ser abrandadas se o acordo for implementado.

Mais de 5.000 pessoas foram mortas no conflito, que se intensificou nas últimas semanas. Neste mês, 70 militares ucranianos e pelo menos 24 civis foram mortos até agora, de acordo com cálculos da Reuters com base em números oficiais ucranianos.

Um porta-voz militar ucraniano disse que cerca de 50 tanques, 40 sistemas de mísseis e 40 veículos blindados entraram durante a noite no leste da Ucrânia, provenientes da Rússia. Não foi possível de imediato confirmar os números, mais elevados do que os citados em declarações anteriores. Moscou declarou infundadas essas informações.

A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) disse haver provas contundentes de que blindados russos entraram Ucrânia, mas recusou-se a comentar sobre o mais recente relatório.

O acordo abordou alguns dos principais pontos de impasse, entre eles uma “linha de demarcação” entre os separatistas e as forças ucranianas, que os rebeldes desejavam que refletisse os ganhos conquistados em recente ofensiva que rompeu um acordo anterior de cessar-fogo. Os rebeldes ficaram de retirar armamentos de uma linha definida pelo acordo anterior de Minsk, firmado em setembro, ao passo que os ucranianos devem recuar da linha de frente atual, criando uma “zona intermediária” com 50 km de largura.

A Ucrânia deverá ainda assumir o controle de sua fronteira com a Rússia – mas condicionado a consultas com os rebeldes e somente depois que as regiões obtiverem maior autonomia nos termos de uma reforma constitucional a ser implementada até o fim de 2015.

 

 

Sucesso depende do interesse de Putin de abrandar tensão

 

O acordo firmado em Minsk pelos presidentes russo, Vladimir Putin, e ucraniano, Petro Poroshenko, criou um raio de esperança de que o conflito no leste da Ucrânia possa estar rumando para uma solução. Mas seria tolice encarar o pacto com otimismo exagerado.

Após duras negociações, que se estenderam por 16 horas, os dois presidentes pelo menos concordaram com termos visando pôr fim a combates que já custaram mais de 5 mil vidas.

Entretanto, um acordo similar, assinado na mesma capital bielorrussa em setembro, foi desrespeitado em pouco tempo. E qualquer otimismo sobre Minsk II é uma aposta de que Putin de repente começou a falar sério sobre reparar as suas relações com a Ucrânia e com o Ocidente.

Um aspecto central, no acordo, é um cessar-fogo que entrará em vigor em 15 de fevereiro. O acordo criará um corredor desmilitarizado de até 140 km separando as forças ucranianas dos rebeldes separatistas apoiados pela Rússia. Como sempre, há muitos pontos indefinidos que poderão se constituir em pretextos para uma retomada do conflito, caso Putin decida intensificar de novo o confronto. Por exemplo, o texto admite mais dois dias de combates e prevê duas semanas para a retirada de armamento pesado. O status das tropas ucranianas cercadas na cidade estratégica de Debaltseve é preocupantemente incerto.

Mesmo que ambos os lados ponham fim às hostilidades, ainda resta o problema de encontrar uma solução mais duradoura. O acordo firmado ontem esboça os contornos de um negociação política abrangente, pela qual Kiev cederia poder às regiões pró-russas de Donetsk e Lugansk. E nisso, também, há muito que Putin poderia explorar em seu próprio benefício, se assim o desejar.

O acordo parece oferecer algumas concessões aos ucranianos. Seu texto fala sobre Kiev "descentralizar" poder às regiões controladas pelos rebeldes, uma palavra que é mais fraca do que a plena "federalização" que Moscou até agora vinha exigindo. Donetsk e Lugansk teriam sua própria polícia e sistemas jurídicos. Mas não teriam poder de veto sobre as políticas externa e de defesa da Ucrânia, significando que não poderiam constituir-se num baluarte pró-Kremlin contra uma eventual adesão da Ucrânia à UE ou mesmo à Otan.

Mas essas vitórias empalidecem diante das significativas concessões que Poroshenko foi forçado a fazer. A Rússia nunca admitiu que tem tropas em solo ucraniano, e o acordo não estabelece nenhum prazo para a retirada delas.

Os termos do acordo também não permitem que Kiev recupere imediatamente o controle de sua fronteira com a Rússia, por onde Moscou tem enviado impunemente armamento pesado e militares. O acordo autoriza a Ucrânia a restabelecer esse controle no fim de 2015 - ainda assim, somente depois da assinatura de um acordo constitucional. Isso é um grande retrocesso em relação ao acordo de Minsk I, quando o controle de Kiev sobre as suas próprias fronteiras não estava sujeito a precondições substanciais.

O acordo de Minsk II só será bem sucedido se Putin decidir abrandar o seu confronto com a Ucrânia e com o Ocidente. Mas não há nenhum sinal de que ele esteja disposto a fazê-lo. Muitos fatores, entre eles a crise econômica russa e a feroz campanha antiocidental em andamento atualmente na mídia Rússia, sugerem que as ambições do líder no Kremlin vão além da Ucrânia e que ele está empenhado em reafirmar a esfera de influência russa na Europa Oriental.

Ao longo dessa crise, Putin tem frequentemente alternado entre o uso de forças militares e diplomacia de última hora, a fim de alcançar seus objetivos. Seria prudente assumir que o acordo de Minsk II é pouco mais que uma pausa tática. Mesmo agora, o Ocidente deveria estar já contemplando uma gama de respostas - inclusive uma ampliação das sanções contra Moscou e o fornecimento de assistência militar defensiva a Kiev - em antecipação ao próximo ato de agressão de Putin.

 

FMI terá novo pacote de ajuda a Kiev

 

O Fundo Monetário Internacional anunciou que dará à Ucrânia nova ajuda financeira, de US$ 17,5 bilhões. O empréstimo pode chegar a US$ 40 bilhões nos próximos quatro anos com ajuda extra dos EUA e de países europeus. A Ucrânia já recebeu US$ 4,6 bilhões, como parte de um pacote anterior de US$ 17 bilhões do FMI, negociado no ano passado. Mas o agravamento da guerra civil no leste do país prejudicou as perspectivas para a economia e fez com o programa ser abandonado. O governo da Ucrânia tem de saldar US$ 11 bilhões em dívidas neste ano e já anunciou que tentará obter termos mais flexíveis dos credores. Sob o risco de quebrar, o país pediu em janeiro ao FMI um novo programa de ajuda. Analistas ouvidos pelo "Financial Times" no final do ano passado que o país deve precisar de US$ 42 bilhões. Para a diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, o novo pacote "dará apoio imediato à estabilização econômica na Ucrânia, bem como a um arrojado conjunto de reformas com o objetivo de restaurar o crescimento robusto a médio prazo". Mas admitiu que é "um programa duro, não sem risco". As reservas internacionais do país atingiram este mês o nível mínimo de US$ 5,4 bilhões. O FMI calcula que o PIB ucraniano encolheu de 7% a 7,5% em 2014. Em janeiro, a inflação anual chegou a 28,5%.