A presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva irão se reencontrar hoje , em Belo Horizonte, em uma festa partidária que não poderia ocorrer em circunstâncias mais adversas: não bastasse o naufrágio da Petrobras, a crise energética, a crise hídrica, e o ajuste fiscal que atinge direitos trabalhistas, a Polícia Federal deflagrou nova etapa da Operação Lava-Jato, tendo como alvo o tesoureiro do PT, João Vaccari. Foi um tiro de canhão na véspera da comemoração dos 35 anos do partido, tendo como convidados ilustres o presidente do Uruguai, José Mujica. 

O Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor, apurou, com interlocutores de ambos os lados, que Lula e Dilma passaram mais de um mês sem se falar, desde o dia 1o de janeiro, quando ele interrompeu as férias em Angra dos Reis, no litoral fluminense, para prestigiar a posse da afilhada política em Brasília. 

O ex-presidente voltou a despachar no Instituto Lula no dia 19 de janeiro, mas não procurou Dilma. Nem ela se inteirou de sua volta, embora ele tenha cumprido agendas públicas, como a participação, com o prefeito Fernando Haddad, em uma feira de bolivianos em São Paulo. 

Lula não esconde dos amigos próximos o desconforto com a situação, que considera gravíssima, porque avalia que Dilma deveria ter afastado Graça Foster da presidência da Petrobras há pelo menos seis meses. Ele chegou a comentar com amigos próximos que Nildemar Secches, ex-executivo da Perdigão, era um nome capaz de suportar a empreitada. 

O desenho final da reforma ministerial também aborreceu o ex-presidente, que queria ver o Ministério do Trabalho novamente comandado pelo PT, bem como o ex-governador da Bahia Jaques Wagner num posto de mais prestígio que o Ministério da Defesa, como a Casa Civil - no lugar de Aloizio Mercadante - ou o Ministério da Justiça, no lugar de José Eduardo Cardozo. 

Dilma ainda ouve Lula nos momentos de crise aguda. Por isso, os interlocutores ouvidos pelo Valor PRO acreditam que eles tenham se falado por telefone nesta quarta-feira para analisar a saída abrupta de Graça e os nomes aptos a sucedê-la. Apesar das turbulências, ambos se respeitam e têm carinho um pelo outro, afirmam os amigos próximos. 

Lula chama a afilhada de "Dilminha" ou "minha querida". 

Ela devolve com "Lula" ou "presidente", e não abdica do "senhor". 

O ato petista hoje, em meio a todos os revezes, marcará este reencontro público . Quando chegar, Dilma já terá anunciado o nome a ser indicado para a presidência da Petrobras, cujo perfil, informado ontem, buscaria equilibrar a capacidade de resolver o problema e manejar instrumentos do mercado com critérios para agradar e não ferir suscetibilidades do PT. 

Dilma e Lula serão escoltados pelo governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel , considerado um trunfo da legenda, depois de desbancar 12 anos de administração tucana no Estado , e pelo presidente do PT, Rui Falcão. 

Em Belo Horizonte, contudo, terão pouco tempo a sós: Lula chega à tarde e deve participar da reunião do diretório nacional. 

Depois, fica para o ato político com a militância, agendado para 18 horas. Já Dilma chega à capital mineira por volta das 18h30. A previsão inicial de Lula era retornar a São Paulo às 21 horas. Pimentel, contudo, tenta articular um jantar para reunir ambos e o presidente Mujica. 

Além das relações pessoais, Dilma e Lula terão de se ocupar, sobretudo, com o partido. Eles encontrarão os petistas pintados para a guerra. Há um caminhão de motivos: a sucessão de denúncias de corrupção sobre o partido, a recente derrota para o PMDB na Câmara dos Deputados, as crises na Petrobras, de energia e hídrica, a demora na definição dos cargos no segundo escalão, e o ajuste fiscal que atingiu os direitos trabalhistas, uma bandeira sagrada do PT. 

Mais de uma vez, Rui Falcão declarou que o PT não atuará como "linha auxiliar da oposição", mas não será "beija-mão da situação". 

É imbuída desse desafio que a direção nacional do partido se reúne durante a tarde, antes do evento com Dilma - convocado para 18 horas -, para afinar um discurso que não condene nem avalize as medidas anunciadas pela equipe do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Uma retórica que não atinja o governo mas atenda à militância. 

Uma tese já esboçada é de que o PT deve declarar um "apoio relativo" às medidas do governo Dilma, no sentido de que sejam necessárias ao ajuste fiscal, mas sem chegar ao ponto de revogar direitos trabalhistas. Paralelamente, a ideia é reforçar o discurso de que o governo precisa buscar novas fontes de receita para contrabalançar o endurecimento das regras trabalhistas. 

As saídas apontadas são o imposto sobre grandes fortunas e a taxação das heranças, pilares do discurso petista, mas que nunca foram encampados pelas gestões Lula ou Dilma.