Título: Governo fatia o trem-bala
Autor: Ribas, Sílvio
Fonte: Correio Braziliense, 12/07/2011, Economia, p. 12

Após empreiteiras brasileiras e grupos estrangeiros terem boicotado o leilão do trem de alta velocidade (TAV) ¿ que ligará o Rio de Janeiro a São Paulo e a Campinas (SP) ¿, o governo decidiu fatiar a licitação em duas partes. A primeira servirá para escolher o operador, detentor da tecnologia estrangeira, e a segunda, para selecionar o construtor da infraestrutura requerida pelo projeto vencedor da fase inicial. Como esperado, no começo da tarde de ontem, após dois adiamentos ¿ em novembro de 2010 e abril deste ano ¿, o processo foi anulado porque nenhum candidato entregou envelopes lacrados com propostas na sede da BM&FBovespa, em São Paulo. Elas seriam abertas em 29 de julho e venceria o leilão quem oferecesse a menor tarifa, a partir do teto de R$ 199,73, pela viagem.

Novo edital deverá ser publicado até outubro para se conhecer o operador até o começo de 2012. "Ao contrário do que esperávamos, em dois anos de discussões com o mercado não existe no país investidor com perfil para se associar a grupos do exterior nesse projeto", declarou o diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Bernardo Figueiredo.

Em outras palavras, o governo lamentou que empresas nacionais não aceitaram o risco proposto, apesar de pesados incentivos oferecidos e do grande interesse manifestado por concorrentes de seis nacionalidades. "Propusemos algo atraente. Ficou claro o fechamento de grupos brasileiros à articulação com os de fora", sublinhou.

Concorrência Figueiredo ressaltou que espera haver ainda mais competição e preços finais mais baixos com duas etapas de concessões para o TAV, mediante licitações internacionais. "O governo não mudou seus estudos sobre traçado e valores envolvidos e decidiu que não vai desfigurar o projeto para satisfazer qualquer interesse em particular", anunciou.

No leilão de infraestrutura, o trajeto de 511 quilômetros ¿ estimado em R$ 25 bilhões ¿ deverá ser fatiado por trechos para permitir um número maior de concorrentes, nacionais e estrangeiros.

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) continua como o principal financiador do projeto, com participação de R$ 22 bilhões. O governo federal gastará R$ 4 bilhões, com adequações ambientais e desapropriações.

Os detalhes sobre a atuação das empreiteiras serão definidos no intervalo entre o primeiro e o segundo leilão. A remuneração do construtor virá da soma de financiamento do BNDES mais "aluguel da infraestrutura" a ser pago pelo operador do TAV e embutido na tarifa, além de outras formas de ganho imobiliário. "Temos tempo e duvido que alguém não queira disputar uma obra desse porte", desafiou Figueiredo. Ele acredita que o cronograma atual não sofrerá atraso significativo, considerando que estudos do governo e de investidores já estão prontos e que a licitação ambiental também já foi iniciada. Além disso, o projeto do futuro operador deixará claro detalhes técnicos, o que reduzirá as chances de revisões. A expectativa é que as obras comecem no primeiro semestre de 2015.

Avaliado em R$ 34 bilhões pelo governo e em R$ 55 bilhões pelo setor privado, o primeiro trem-bala brasileiro tem uma trajetória marcada por polêmicas. Na semana passada, os principais interessados avisaram que não participariam do leilão. Entidades que representam o setor ¿ Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer) e Agência de Desenvolvimento do Trem Rápido entre Municípios (Adtrem) ¿ pediram oficialmente o adiamento. Para completar, o Tribunal de Contas da União (TCU) exigiu ajustes no edital.

Chinês barrado Apesar de não entregarem propostas, empresários estrangeiros ainda nutrem grande interesse pelo trem-bala brasileiro. Eles já circulam há meses pelo Ministério dos Transportes, pelo Palácio do Planalto e pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Ontem, um executivo chinês tentou até mesmo se passar por jornalista a fim de ouvir a entrevista de Bernardo Figueiredo, o diretor-geral do órgão regulador, sobre o leilão. Mas ele teve o acesso à coletiva negado.