Título: Descaso dissemina uso de crack
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Fonte: Correio Braziliense, 12/07/2011, Opinião, p. 14

Visão do Correio ::

Ninguém duvida de que o crack constitui uma das maiores tragédias urbanas do Brasil moderno. Barato, o subproduto da cocaína democratizou o uso de drogas, antes restrito às classes mais privilegiadas. Adultos, jovens e crianças o consomem à luz do dia como mostra a foto da capa do Correio Braziliense de ontem. Cracolândias espalham-se país afora. Andrajos humanos que lá vivem se tornaram personagens frequentes de reportagens de rádios, jornais e tevês.

Levantamento da Organização das Nações Unidas chegou a 900 mil dependentes químicos de crack e cocaína espalhados pelo território nacional. Nada menos de 98% dos municípios convivem com os psicotrópicos. A disseminação por quase todo o país autoriza especialistas a classificar o vício de epidemia. Mesmo diante de números tão assustadores, porém, a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas não apresentou, sequer, estudo técnico para definir as ações governamentais a serem seguidas.

A falta de iniciativa talvez explique, mas não justifica, o fato de recursos destinados a enfrentar o mal se manterem quase intactos. Dos quase R$ 500 milhões postos à disposição da pasta, só tímidos 20% foram aplicados. O Plano Nacional de Combate ao Crack e Outras Drogas, lançado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva com pompa e circunstância, não avançou muito além dos discursos e das promessas. Previsto para contemplar urbes com população acima de 20 mil habitantes, contempla somente 1.633 municípios ¿ 29,5% dos mais de 5 mil existentes.

O descaso expõe face cada vez mais sombria da realidade nacional. Faltam ao país informações básicas para traçar políticas públicas eficazes. A última pesquisa oficial sobre uso de drogas data de 2005. Em março deste ano seriam divulgados novos dados. Não foram. Levantamento da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) feito em dezembro de 2011 traz à luz cifras reveladoras do atraso no enfrentamento do problema: apenas 14,7% dos municípios brasileiros têm centros de atendimento psicossocial (Caps) e 8,4% dispõem de programas locais de combate ao crack.

Durante a campanha eleitoral, a então candidata Dilma Rousseff reuniu-se com mães de dependentes químicos. Prometeu medidas capazes de atacar a tragédia nas duas pontas. A primeira, de tratamento dos viciados. Inclui não só socorro médico mas também assistência social e psicológica. A segunda, de prevenção. Impõem-se afastar os jovens do contato com psicotrópicos, o que pressupõe combate implacável ao tráfico. Sem providências imediatas, a tendência é o aumento da população viciada. Vale lembrar a chegada do óxi. Mais barata e devastadora que o crack, a nova droga germinará em terreno fértil se não encontrar oposição. Passou da hora de agir.