A despeito da redução do déficit habitacional conquistado pelo Minha Casa, Minha Vida, a gestão dos créditos concedidos no programa está longe de ser eficiente. Na faixa 1 do programa, que reúne famílias com renda de até R$ 1.600, a taxa de inadimplência chegava a 20% ao fim de outubro de 2014, segundo estudo feito por pesquisadores da Fundação Getulio Vargas (FGV). O percentual é alto, especialmente porque essa faixa representa 40% das contratações do programa como um todo.

 Para realizar o estudo, o coordenador do Centro de Estudos em Microfinanças da FGV, Lauro Gonzalez, e o pesquisador Lucas Ambrozio coletaram grande parte das informações junto à Caixa, principal intermediadora financeira do programa, e, em alguns casos, recorreram a outros órgãos como o Ministério das Cidades, gestor do programa.

 Na análise, concluem que, ao cenário de calotes, soma-se ainda o fato de que grande parte das famílias tende a pagar valores abaixo da sua capacidade. Na faixa 1 do programa, as prestações ficam entre R$ 25 e R$ 80, mas há uma grande parte dos beneficiários inseridos na menor faixa.

 Para Gonzalez, seria preciso ajustar as prestações nessa faixa do programa levando-se em consideração que a capacidade de pagamento das famílias não é uniforme. "Hoje existe uma espécie de tabelamento na análise de crédito", diz. Essa característica do programa acaba por trazer uma necessidade de maior subsídio por parte do governo. Nessa faixa, com os valores de prestação reduzidos, o subsídio ultrapassa, em muitos casos, 95% do valor do imóvel, ou seja, as famílias custeiam apenas 5% da residência.

 Esse nível de subsídios é, na avaliação dos pesquisadores, excessivo dentro da atual situação fiscal da União, especialmente quando o emblema da nova equipe econômica é exatamente o ajuste das contas públicas. Fosse mais eficiente a gestão das concessões e financiamentos, o governo precisaria, segundo os pesquisadores, direcionar menos recursos para o programa ou poderia redirecionar a soma para a manutenção da política social no longo prazo.

 Com o propósito de simular uma maior eficiência, os pesquisadores estudaram a aplicação de modelos do microcrédito na gestão do programa. Uma sugestão, por exemplo, seria utilizar o papel do agente de crédito para melhorar o processo de concessão e gestão dos crédito. Essa figura, muito usada no microcrédito, é responsável pelo levantamento de dados sobre tomadores, acompanhamento e auxílio a clientes, emissão e análise de relatórios técnicos e recuperação de crédito de inadimplentes.

 Um agente cuida de cerca de 300 clientes e fica, portanto mais próximo dos tomadores. Dessa maneira, é mais fácil medir o quanto cada família pode pagar e acompanhar de perto a evolução das prestações, acompanhando o processo do início ao fim.

 Caso incorporasse o papel do agente de crédito no programa e supondo que as prestações fossem ajustadas à capacidade das famílias, seria possível o governo reduzir o nível de subsídio. Se um percentual maior das famílias pagasse uma mensalidade mais próxima ao teto de R$ 80, os pesquisadores calculam que o subsídio dado pelo governo poderia ser reduzido entre R$ 7 bilhões e R$ 15 bilhões, considerando as moradias já contratadas.

 Além disso, com a proximidade do agente de crédito e uma possível redução da inadimplência para cerca de 3% - média do sistema financeiro nacional e das outras faixas do programa - os pesquisadores avaliam que haveria uma economia potencial com os calotes, que poderia atingir cerca de R$ 1,5 bilhão. O cálculo foi feito considerando que na faixa 1 há cerca de 2 milhões de moradias já contratadas com prazo de pagamento de dez anos e prestações mensais entre R$ 25 e R$ 80.

 Questionado sobre as medidas tomadas para reduzir a inadimplência, o Ministério da Cidades destacou, em nota, que desenvolve um conjunto de ações por meio dos agentes financeiros que operam o programa, o que inclui "notificações, cobrança via telesserviços e renegociação da dívida".

 Na percepção dos pesquisadores, um dos entraves em torno da inadimplência na faixa 1 se dá porque o governo sempre viu os recursos alocados nesse extrato do programa como um subsídio e não como um empréstimo. Durante a realização do estudo, os pesquisadores entrevistaram representantes da Caixa e o controle da inadimplência apareceu como fator secundário na gestão.

 Um dos entrevistados destacou que "a inadimplência da faixa 1 do ponto de vista financeiro não tem relevância nenhuma". Segundo esse executivo, a decisão de cobrar uma prestação é muito mais política, para que haja um afastamento da ideia da doação por parte do governo. Procurada, a Caixa não concedeu entrevista.

 O Ministério da Cidades destacou que o governo tem investido em ações educativas para reforçar aos beneficiários que, mesmo que as prestações tenham um valor simbólico, é importante que se mantenha a pontualidade para que outras famílias possam continuar a receber o benefício. Mesmo assim, o governo confirma que na faixa 1 os recursos não são considerados empréstimo.

 "As contratações na faixa 1, destinada às famílias com renda de até R$ 1,6 mil, dado o seu caráter eminentemente social, não se constituem em operações de crédito e não expõem as instituições financeiras a risco desta natureza", afirma a nota.

 Essa ideia fazia sentido quando o programa foi lançado, segundo os pesquisadores. Na época, o governo tinha maior facilidade de alocação de recursos. Além disso, o Minha Casa, Minha Vida chegava para preencher uma lacuna histórica de inclusão da população de baixa renda. "Sabemos que a motivação era corrigir as falhas dos programas anteriores que nunca chegaram nos mais pobres, mas talvez o pêndulo tenha ido demais para o outro lado", diz Gonzales.

 Hoje, o cenário é diferente e é preciso reduzir gastos, avalia. Paralelamente a isso, a procura pelo programa aumentou e o governo tem dificuldade para manter o ritmo de expansão. "Hoje, a demanda é crescente e a capacidade do governo tem se mostrado mais restritiva", diz Ambrozio, lembrando da mobilização da nova equipe econômica em direção a um ajuste das contas.

 Para se ter uma ideia do peso do programa, os gastos com subsídios repassados pelo governo federal passaram de 0,25% para 1,05% do PIB entre 2010 e 2014. Desse universo, o Minha Casa, Minha vida representa um dos maiores pesos - o percentual saiu de 0,04% para 0,35% no período.

 Com esse percentual do programa pesando sobre as contas públicas, havia uma expectativa de que o governo fizesse algum ajuste. Segundo o pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), Gabriel Leal de Barros, o peso dos gastos com o Minha Casa, Minha Vida é semelhante a todo o investimento dos ministérios da Saúde e da Educação, 68% de todo o gasto com o programa Bolsa Família e equivalente a toda a remessa de dividendos das estatais ao Tesouro. O custo também pode ser comparado a toda a compensação do Tesouro ao INSS pela desoneração da folha de pagamentos.

 "Eu não sou contra o programa. Penso que ele seja importante para redução do déficit habitacional, entretanto, diante da restrição fiscal e mesmo para preservar as conquistas sociais das últimas décadas, é imperativo reeleger prioridades e cortar gastos", diz Barros.

 Questionado, porém, o governo voltou a afirmar que nenhuma mudança será feita no programa neste ano. "O Ministério das Cidades reafirma que o programa Minha Casa, Minha Vida não sofrerá cortes. Os recursos do MCMV-Empresas, provenientes do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), não serão afetados pelo decreto de contingenciamento. Além disso, o ministério conta com recursos oriundos do exercício anterior, que servirão para lastrear as operações do MCMV no início deste ano", afirmou o órgão em nota.

 Para Barros, do Ibre, o ideal seria que os programas sociais coubessem dentro do Orçamento, para que as políticas públicas pudessem se sustentar no médio prazo. "Estamos em outra conjuntura. A nova orientação seria focar em uma política que não fosse de transferência de renda diretamente, mas que conseguisse melhorar a qualidade de vida através de transferências não monetárias."

 

 

Governo prepara pacote para concessão de hidrovias

 

Após determinação do Palácio do Planalto, o Ministério dos Transportes começou a trabalhar no projeto de inclusão das hidrovias no Plano de Investimentos em Logística (PIL), programa pelo qual o governo federal faz concessões de projetos de infraestrutura à iniciativa privada. A expectativa é de que as primeiras licitações possam ocorrer ainda em 2015, provavelmente das hidrovias dos rios Madeira e Tocantins.

 



 

 



O PIL se concentrou originalmente em concessões de rodovias, aeroportos, ferrovias e portos, além do malfadado projeto do trem-bala. Enquanto rodovias e aeroportos tiveram êxito nas primeiras concessões, nas ferrovias e portos o plano não saiu do papel. As licitações das estradas de ferro ainda esbarram na insegurança dos potenciais investidores. Já o projeto de arrendamento dos portos está parado há mais de um ano no Tribunal de Contas da União (TCU).

 



Na reunião ministerial da semana passada, a presidente Dilma Rousseff disse que o governo estava definindo uma "nova carteira" de investimentos em infraestrutura e que as hidrovias foram incluídas no pacote. Atualmente, técnicos do Ministério dos Transportes trabalham no detalhamento dos riscos e na definição do que deve ser incluído nos estudos de viabilidade técnica e econômica.

 



De acordo com um dos participantes das discussões, estão sendo avaliadas, em um primeiro momento, as concessões das hidrovias dos chamados corredores Oeste-Norte (Rio Tocantins) e Centro-Norte (Rio Madeira), dois importantes eixos de escoamento da produção agrícola e mineral da região Centro-Oeste.

 



O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) disponibilizou para o Ministério dos Transportes - que conduz as discussões - o estudo de viabilidade técnica, econômica e ambiental da hidrovia do rio Madeira. O órgão informou ao Valor que este estudo será a base para o processo de concessão.

 



Com pouco mais de 1 mil km de extensão, a Hidrovia do Madeira tem entre as principais cargas soja, milho, contêineres e fertilizantes. Seu principal porto organizado fica na capital de Rondônia, Porto Velho.

 



Para viabilizar a concessão da Hidrovia do Tocantins, o governo ainda terá que licitar as obras de derrocamento do Pedral do Lourenço, barreira de rochas com 43 km de extensão que complica a passagem das embarcações no período da seca. A última tentativa de licitação desta obra, orçada em quase R$ 500 milhões, foi realizada em novembro de 2014, mas o único interessado acabou desclassificado por irregularidades na documentação. O ministro dos Transportes, Antonio Carlos Rodrigues, pretende lançar o edital em março.

 



O barateamento do frete da produção agrícola do Centro-Oeste é considerado a grande vantagem das hidrovias. Estimativas do mercado apontam que o escoamento pelos portos do Norte do país podem representar uma economia de até 70% quando comparado aos custos do desembaraço feito por meio de rodovias até o Porto de Santos.

 



O modelo econômico da concessão das hidrovias também é objeto das discussões em curso. Uma das possibilidades defendidas no Ministério dos Transportes é a cobrança de uma espécie de pedágio nos terminais de transbordo instalados ao longo das hidrovias, sistema que já foi defendido, mas também rejeitado no governo da presidente Dilma.

 



Em maio de 2013, o então presidente da Empresa de Planejamento e Logística (EPL), Bernardo Figueiredo, disse que a modelagem avaliada naquela ocasião era de "concessão administrativa", pela qual a empresa concessionária seria remunerada mensalmente pelo governo. Um ano antes, entretanto, o então diretor da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), Pedro Brito, admitia a cobrança do pedágio como uma das possibilidade a serem consideradas.

 



A atual diretoria da Antaq já tomou conhecimento do início das discussões sobre o programa de concessões de hidrovias, mas ainda não está participando, o que deve acontecer nas próximas etapas do plano.

 

Cai confiança no país entre empresários da indústria de óleo e gás

 

A queda do preço do petróleo e os desdobramentos da Operação Lava-Jato sobre a Petrobras e seus fornecedores deterioraram a confiança do investidor na indústria brasileira de óleo e gás nos últimos meses. Essa é a conclusão de um estudo divulgado pela consultoria norueguesa DNV GL, que aponta para queda da confiança nas perspectivas para o setor no Brasil de 65% para 29% desde outubro.

De acordp com o relatório publicado pela DNV GL, o mercado brasileiro de óleo e gás deixou de ser o segundo destino preferido para investimentos globais e caiu para a quarta posição de 2014 para 2015, aparecendo atrás de Estados Unidos, China e Noruega.

Para o gerente regional da divisão de óleo e gás da DNV GL na América do Sul, Alex Imperial, a queda dos indicadores de confiança do país segue uma tendência global de redução da confiança no mercado de óleo e gás, em função da redução do preço do barril.

“Dentro de um cenário global, o Brasil não ocupa uma posição ruim. Segundo os entrevistados, a maior barreira para o crescimento no país em 2015 é o baixo preço do petróleo, seguido

do enfraquecimento da economia local e da economia global. Isso envolve uma série de fatores, como as incertezas provocadas pela Operação Lava-Jato. A Petrobras já deu sinais de redução do investimento, as empresas estão com mais dificuldades de acesso ao crédito. São todos assuntos muito correlatos”, disse Imperial ao Valor.

A baixa confiança no Brasil, segundo o relatório, também se reflete nas intenções de investimento de capital. De acordo com a pesquisa, 44% dos entrevistados planejam diminuir o volume de investimentos neste ano no país. Há três meses, apenas 11% dos entrevistados pre

viam reduzir seus investimentos no mercado brasileiro.

Quase metade, ou 49% dos entrevistados, espera diminuir o número de funcionários, enquanto o número de empresários que acredita no aumento do número de pessoal caiu 30 pontos percentuais em três meses, para apenas 7%.

“No Brasil, a confiança do investidor em atingir as metas de receitas caiu de 57% para 23% e a confiança nas metas operacionais despencou de 71% para 23%. Isso ajuda a puxar para baixo os índices de confiabilidade da indústria brasileira”, explica o gerente da DNV GL.

Os dados da pesquisa da consultoria norueguesa também mostram o impacto da redução dos preços do barril e das denúncias de corrupção envolvendo a Petrobras e seus fornecedores sobre o controle de custos das empresas do setor de óleo e gás. No Brasil, 79% dos entrevistados pela pesquisa planejam aumentar o rigor no controle de custos e 37% afirmam que a gestão de custos será a sua principal prioridade em 2015.

“O controle de custos já estava na ordem do dia de muitas empresas no Brasil, mas aumentou o interesse por ações de sustentabilidade que visam oferecer redução de custos e pela redução da exposição ao risco”, afirma Imperial.

O relatório “Um Ato de Equilíbrio: Perspectivas para a Indústria de Óleo e Gás em 2015″ é baseado em uma pesquisa global feita pela DNV GL ,com 367 executivos e profissionais do setor, em janeiro. A maioria dos entrevistados, ou 54% deles, vem de empresas fornecedoras, enquanto 37% deles trabalham em empresas operadoras e 9% são de órgãos reguladores e associações comerciais.

Os resultados foram comparados com um estudo anterior realizado em outubro de 2014 para traçar o impacto da queda do preço do barril com o último levantamento anual.