O cronograma de viagens do novo ministro das Finanças da Grécia diz muito sobre a situação da zona do euro e sobre as mudanças políticas geradas por sete anos de turbulência econômica. Nos últimos dias, Yanis Varoufakis teve reuniões em Paris, Londres e Roma, onde conclamou os dirigentes a abrandar as pressões sobre a Grécia e a reduzir sua elevada dívida. Na quinta-feira ele é esperado em Berlim. Madri, por seu lado, ainda não figura no itinerário. A omissão da Espanha ilustra como a crise da zona do euro subverteu a geografia política da Europa: quando se trata de ajudar a Grécia, não há solidariedade sulina nem apoio da periferia. A Itália e a França podem ver algum mérito em se comprometer com o novo governo grego, nem que seja só para pressionar a Alemanha no contexto da disputa em torno da política econômica europeia como um todo. Mas a Espanha tem mais motivos do que a maioria para defender uma linha dura contra Atenas, ao lado de países como Irlanda e Portugal. Do ponto de vista de Madri, a linha demarcatória da zona do euro não passa entre um norte próspero e um sul em crise, e sim entre países que fizeram a lição de casa econômica e os que não fizeram. O governo do premiê espanhol Mariano Rajoy acredita que seu país pertence solidamente ao primeiro grupo, enquanto a Grécia - e, em menor grau, a Itália e a França, enquadram-se no segundo. Nos últimos dois anos, a Espanha se autointitulou como a prova de que a resposta ortodoxa europeia à crise funciona. O país teve seis trimestres de crescimento econômico, o desemprego está caindo mais rapidamente do que o previsto e a confiança e os investimentos começaram a afluir de novo. Antes um fiasco econômico à beira de um pacote de socorro financeiro, a Espanha atualmente se vê como a Prússia do sul: austera, disciplinada e disposta a absorver privações de curto prazo em troca de ganhos de mais longo prazo. Após suportar muitos sermões sobre gestão da economia, os líderes da Espanha parecem saborear a oportunidade de eles mesmos apontarem o dedo. "Não é possível mudarmos as regras só porque houve uma mudança política em um país", disse Cristóbal Montoro, o ministro do Orçamento, nesta semana, sobre a Grécia. "Isso significará o colapso da Europa." Autoridades insistem que a resposta inicial da Espanha à crise - reformas estruturais, cortes no orçamento e aumentos de impostos - teve como base decisões genuínas e independentes tomadas em Madri. Mas, ao tentar convencer os eleitores disso, o governo Rajoy recorreu ao argumento de que não havia alternativa. O remédio teria de ser tomado, por mais amargo que fosse. Essa história, entretanto, agora está ameaçada; se a Grécia puder reduzir o seu endividamento enquanto aumenta os gastos sociais e contrata mais funcionários públicos, por que a Espanha não conseguiu o mesmo? Com as eleições gerais se aproximando na Espanha, essa é uma questão que o governo preferiria não ver em pauta. Também há o fator Podemos. Diferentemente de outros países europeus, o sistema político espanhol foi transformado pela ascensão de um novo grupo antiestablishment muito parecido ao Syriza, o partido que venceu as eleições e agora governa a Grécia. Qualquer conquista fácil do novo governo grego deverá fortalecer o Podemos e sinalizar aos eleitores espanhóis que apoiar a extrema esquerda poderia produzir os resultados que os partidos dominantes fracassaram tão distintamente em conquistar. Contra tudo isso, Rajoy precisará pesar dois argumentos que se contrabalançam. O primeiro é o de que pressionar a Grécia a sair da zona do euro poderia ter efeitos calamitosos na recuperação econômica da Espanha. O segundo é que a ascensão do Podemos até agora veio em grande medida à custa dos socialistas. De fato, alguns estrategistas no governante Partido Popular, de Rajoy, esfregam as mãos de contentamento com a perspectiva de um adversário fragmentado e com a chance de atacar o principal partido de oposição como a ajuda involuntária da esquerda radical. Embora esses fatores possam parecer muito diferentes, há um ponto em comum: a Espanha e outros países com mentalidade parecida na periferia da Europa não se sentem mais no mesmo bote que a Grécia. Em Madri, isso claramente pode ser visto como um progresso. Em Atenas, deve ser motivo de profunda preocupação.