O governo vai colocar um "freio" na liberação de garantias de empréstimo, principalmente externos, para Estados e municípios. O objetivo é reduzir a margem de endividamento dos governos regionais para que eles coloquem suas contas em ordem e façam uma contribuição maior para o cumprimento da meta de superávit primário do setor público consolidado.

 

Para este ano, a meta do setor público consolidado é de R$ 66,3 bilhões ou 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB), sendo que os governos regionais precisam economizar R$ 10 bilhões.

 

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, em uma reunião de apresentação do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), deixou claro aos secretários estaduais de Fazenda, segundo relato de fonte presente no encontro, que limitará os créditos com aval da União. Mas a desaceleração na liberação de garantias deve ser verificada apenas no relatório de gestão fiscal do Tesouro Nacional do primeiro quadrimestre.

 

Segundo o mais recente documento do Tesouro, o total de garantias concedidas pelo governo registrou aumento de 28,37% de 2013 até o fim de 2014, passando de R$ 174,172 bilhões para R$ 223,594 bilhões. No período, as garantias para operações externas saltaram de R$ 56,093 bilhões para R$ 70,176 bilhões e as internas de R$ 118,079 bilhões para R$ 153,418 bilhões.

 

O aval ou fiança dado pela União para operações de crédito foi concentrado em transações dos Estados e municípios, que totalizaram R$ 146,897 bilhões, ou seja, 65,7% do total de garantias autorizadas. As transações externas com organismos multinacionais passaram de R$ 51,448 bilhões para R$ 66,019 bilhões, alta de 24,53% no período. Já as garantias para empréstimos com bancos públicos saltaram 52,5% de R$ 53,011 bilhões para R$ 80,878 bilhões.

 

Fonte da área econômica explicou que, mesmo em um patamar elevado, o valor ainda está dentro dos limites estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que permite que seja comprometida com essa finalidade 60% da receita corrente líquida. Por enquanto, o percentual está em 34,85%. Em 2013, correspondia a 26,55%. Além disso, conforme disse uma fonte, não há histórico de a União ter que acionar um Estado ou município para conseguir recuperar um ativo.

 

Segundo essa mesma fonte, o governo federal acelerou a liberação de garantias até 2014 porque queria dar capacidade de investimento para Estados e municípios e, dessa forma, estimular o crescimento econômico.

 

O momento atual, no entanto é diferente, como vem sendo ressaltado pelo ministro da Fazenda, e exige um ajuste para que, em vez de se endividarem, os governos regionais possam contribuir ainda mais para a meta de primário deste ano.

 

Seguindo a mesma trilha do governo federal, Estados e municípios fizeram uma forte redução de despesas como, por exemplo, demissão de funcionários comissionados, revisão de contratos de gastos e diminuição do número de secretarias.

 

Esse esforço fez com que o superávit primário dos governos regionais em janeiro atingisse R$ 10,994 bilhões, um recorde histórico para o mês.

 

Nos últimos anos, sem espaço para investimentos, muitos Estados e municípios recorreram aos empréstimos externos para conseguir pagar dívidas com a União e fugir da elevada taxa de correção, ganhando mais espaço no caixa para conseguir atender às demandas da sociedade por melhoria, por exemplo, nas áreas de saúde, educação e mobilidade urbana.

 

Atualmente, a dívida dos Estados e municípios com a União é corrigida pelo IGP-DI mais uma taxa que varia de 6% a 9% ao ano. No passado, a taxa de câmbio era mais favorável para trocar dívidas mais caras por mais baratas.

 

Segundo Raul Velloso, especialista em finanças públicas, nesse cenário de ajuste é inevitável que a União reduza o patamar de garantia para operações de crédito para Estados e municípios para impedir redução do superávit primário ao abrir margem para novas despesas.

 

O diretor de estudos e políticas macroeconômicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Cláudio Hamilton, lembrou que os Estados, por exemplo, elevaram consideravelmente seu endividamento nos últimos anos. Dar aval a novas operações de crédito, diz, só vai piorar essa situação.

 

"Os Estados se endividaram, mas não foi com aumento grande do investimento", afirmou, acrescentando que boa parte do recurso que entra no caixa dos governos regionais acabou sendo direcionado ao pagamento de outras despesas. Ele ressaltou que é natural uma redução no aval da União para operações de crédito para impedir novos gastos dos Estados e municípios para que façam superávit maior.

 

Alagoas cobra de Levy regulamentação da lei que muda indexador das dívidas

 

Com dificuldades financeiras, o governador de Alagoas, Renan Filho (PMDB), cobrou do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, a regulamentação da lei que muda o indexador das dívidas dos Estados e municípios com a União. A legislação que permite a mudança do índice de correção foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff em novembro do ano passado, mas até o momento, não há sinalização da equipe econômica de quando entrara em vigor.

No encontro com Levy, Renan Filho não conseguiu uma definição sobre o prazo da regulamentação, mas o ministro teria dito que o assunto será tratado no primeiro quadrimestre. "Em um ano de crise, nem tudo pode ter um prazo", afirmou Renan, destacando que a mudança no indexador da dívida daria um alívio ao Estado.

Segundo o governador, a dívida do Estado de Alagoas atingiu a marca dos R$ 10 bilhões e são feitos pagamentos mensais de R$ 50 milhões. Além disso, o Estado está descumprindo a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) em relação a gastos com pessoal. A LRF estabelece que os Estados não podem comprometer mais de 49% da receita corrente líquida (RCL) com folha de pagamento. No caso do governo alagoano, o comprometimento com pessoal atingiu 49,71%.

O líder do governo na Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT-CE), afirmou que o Palácio do Planalto vai trabalhar para manter o veto ao dispositivo que impediu a retroatividade da mudança do indexador da dívida de Estados e municípios com a União e que os entes federados que respeitaram o acordo não podem pagar pelos erros dos outros.

"Estaremos cometendo injustiça com todos os outros entes federados se autorizarmos a retroatividade da dívida. Como 25 Estados fizeram sua parte, não aceitaremos abrir exceção para a cidade de São Paulo, para o [prefeito Fernando] Haddad [do PT], para Alagoas e Rio Grande do Sul", afirmou Guimarães, em referência aos três principais beneficiados pela mudança.

O Estado de Alagoas é governado pelo filho do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), e o Rio Grande do Sul por José Sartori (PMDB). Os dois Estados e a Prefeitura de São Paulo, administrada pelo PT, não pagaram a dívida com a União em dia e por isso foram punidos com juros mais altos, que se tornaram impagáveis ao longo dos anos.

Para Renan Filho, a discussão da regulamentação da lei vem acompanhada pelo debate de outros temas como a unificação do ICMS. "Não dá para se tratar [assuntos como esses] de forma independente", afirmou. "Os Estados estão aguardando [a regulamentação do novo indexador da dívida]. Tudo é integrado. Por isso é preciso dialogo", afirmou o governador.

 

Minas quer captar recursos no exterior para saldar débito com governo federal

 

O governo de Minas Gerais estuda uma forma de saldar a dívida bilionária que tem com a União usando recursos que poderão ser tomados no exterior. A opção que está sendo considerada é um empréstimo junto ao Banco Mundial ou ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O Valor ouviu de uma fonte do governo mineiro que a ideia é que até meados do ano esteja definida a forma de reestruturar a dívida. Segundo a fonte, o governador Fernando Pimentel (PT) poderá ir a Washington negociar esses empréstimos. Até dezembro, o estoque da dívida pública de Minas com a União era de R$ 70,72 bilhões, o que representa a maior parte do endividamento do Estado. Pelo cronograma em vigor, o valor a ser pago este ano é de R$ 5,6 bilhões. O objetivo de Pimentel é trocar essa dívida por outra, mais barata. A dívida de Minas com a União, assim como de outros Estados, teve início em 1998, durante o governo do presidente era Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Em Minas era também um tucano que estava no governo, Eduardo Azeredo. Com os anos, IGP-DI, usado para corrigir a dívida, passou a representar um peso maior do que no início, o que pôs governos em alerta. No caso de Minas, a correção era feita pelo índice mais 7,5% de juros. Durante parte de seu mandato, o governador Antonio Anastasia (PSDB), que governou Minas de 2011 a 2014, insistiu que a troca do indexador era condição número um para melhorar as condições de Minas e outros devedores. No fim de 2014, o Senado aprovou a troca do indexador pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA) ou pela taxa Selic, a que for menor. A mudança serviu de alívio parcial para Minas, porque reduziu um pouco o estoque, mas não o serviço da dívida. Minas continua a pagar 13% da receita líquida real enquanto houver resíduo acumulado. Durante a campanha eleitoral, Pimentel chegou a mencionar o interesse em avaliar uma forma de buscar uma alternativa menos onerosa para Minas e uma troca de dívida apareceu como um caminho. A equipe petista diz que a exemplo do que fizeram outros Estados, Minas também já poderia ter tomado a iniciativa de buscar uma reestruturação da dívida com a União em vez de dar peso quase exclusivo à troca do indexador. O governo Anastasia fez uma operação, como a pretendida por Pimentel, só que numa escala muito menor. Em 2013, o tucano quitou, antecipadamente, R$ 4,21 bilhões referentes a um débito que o governo tinha com a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), estatal mineira e uma das principais empresas de energia elétrica do país. Os recursos para a quitação vieram de empréstimos do Credit Suisse s da Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD).