Ao devolver ontem a medida provisória que onera a folha de pagamento das empresas, parte do pacote fiscal do ministro Joaquim Levy (Fazenda), o presidente do Senado agravou ainda mais a crise política que envolve o governo e a base aliada no Congresso, especialmente o PMDB. O senador por Alagoas alegou que a MP é inconstitucional, que o governo de Dilma desrespeita o Legislativo e causa instabilidade ao recuar de medidas, como a desoneração da folha, aprovadas há pouco tempo.

 

Para o Palácio do Planalto e o PT, foi uma reação de Renan à inclusão de seu nome e o do deputado Eduardo Cunha, presidente Câmara, na lista encaminhada ontem pelo procurador Rodrigo Janot ao Supremo Tribunal Federal (STF) com os nomes de parlamentares envolvidos na Operação LavaJato.

 

A decisão de Renan surpreendeu o governo, muito embora, na véspera, o presidente do Senado já houvesse se recusado a participar de um jantar oferecido pela presidente Dilma Rousseff, no Palácio da Alvorada, à cúpula do PMDB. Renan alega que a crise política e econômica é grave e não se resolve com reuniões sem consequência com PMDB. Ele já havia dito que a coalizão PT e PMDB é “capenga”. No momento em que Renan devolvia a MP, o ministros Pepe Vargas (Relações Institucionais) e Carlos Gabas (Previdência) estavam na Câmara para tratar da aprovação das medidas do ajuste fiscal e de uma reunião da presidente com os líderes aliados.

 

Os dois, que desconheciam inteiramente a movimentação de Renan, em outra manifestação da fragilidade da coordenação política do Planalto, foram chamados com urgência à sede do governo. Vargas e Gabas abandonaram às pressas uma reunião com a bancada do PP. No Congresso, a oposição classificava de “histórico” o gesto de Renan Calheiros. O presidente do PSDB e candidato derrotado nas últimas eleições presidenciais, Aécio Neves, também saudou a decisão de Renan, com o qual trocou farpas recentemente, durante a eleição para a Mesa Diretora do Senado.

 

As crises da LavaJato e de relação da presidente com sua base aliada se cruzaram na decisão de Renan de devolver a MP. Desde cedo circulava a informação de que ele Eduardo Cunha haviam sido informados pelo vicepresidente da República, Michel Temer, de que estariam na relação que o procurador Janot enviaria à tarde para o STF pedindo a abertura de inquéritos para apurar a participação de políticos na corrupção da Petrobras. Uma fonte com acesso à presidente disse ao Valor, pela manhã, que Renan provavelmente estava nervoso porque ficara sabendo que não nomearia o substituto de Sérgio Machado na presidência da Transpetro. Mas que a presidente iria recebe-lo institucionalmente como presidente do Congresso, apesar da desfeita do senador que não compareceu ao jantar da presidente com a cúpula e os ministros do PMDB.

 

Temer negou que tenha informado Renan e Cunha sobre a decisão de Janot em relação à LavaJato. Cunha também desmentiu ter ouvido de Temer alguma coisa relacionada ao assunto. “Estou absolutamente tranquilo. Já fui vítima de uma alopragem há dois meses atrás, e se essa alopragem não foi suficientemente esclarecida, eu vou esclarecer”, afirmou Cunha, em referência a uma gravação, divulgada quando ele fazia campanha para a presidência da Câmara dos Deputados, em que um suposto interlocutor dele negociava pagamento a um policial para evitar que fossem divulgadas denúncias contra o pemedebista. Renan não se manifestou.

 

Segundo apurou o Valor, há de fato, entre dirigentes partidários, inclusive de Calheiros, a percepção de que o Palácio do Planalto agiu no sentido de desviar para o Congresso “a bomba” da LavaJato. Só isso explicaria a movimentação do procurador Janot entre os gabinetes do Executivo, na última semana. Com a decisão de devolver a medida provisória, Calheiros teria devolvido a “bomba” para o Palácio do Planalto. No governo circula ainda a informação de que o presidente do Senado estaria insatisfeito com o tratamento dado a um pedido de empréstimo feito pelo governador de Alagoas, seu filho Renan. O senador, que já há algum tempo trava uma queda de braço com o Palácio do Planalto em torno da edição de MPs, apresentou no entanto motivos técnicos para a recusa.

 

“Aumentar impostos por meio de medida provisória, poucos meses após ter concedido uma vantagem fiscal que se dizia definitiva, sem a mínima discussão com o Congresso, é um péssimo sinal para quem deseja vender a imagem de normalidade institucional e econômica do Brasil”, disse. Renan afirmou também que, se pudesse, teria também rejeitado as MPs 664 e 665, publicadas durante o recesso parlamentar e que restringem o acesso a direitos trabalhistas. A declaração soou como um sinal de que as comissões técnicas também recusem as MPs.

 

Na reunião de Dilma com o PMDB, ficou acertado que a presidente fará reuniões semanais com Temer e líderes aliados e ministros. O vicepresidente teria insistido na reclamação de que o governo está restrito a um núcleo duro só com a participação de ministros do PT e que os outros são apenas comunicados das decisões. Por isso há um sentimento de “exclusão” no Congresso. Dilma defendeu a coalizão, afirmou que em breve anunciará o “Pátria Educadora”, que definiu como um novo conceito em educação, e disse que as medidas amargas já foram todas tomadas. A presidente também se mostrou otimista com a retomada do crescimento já no segundo semestre. E não é só Renan, no PMDB, que acha essa é uma avaliação equivocada e que a presidente está isolada e mal assessorada politicamente no Planalto. Na eleição para a presidência da Câmara, o Planalto também foi surpreendido com a eleição de Cunha já no primeiro turno.

 

Medida compromete ajuste fiscal, dizem analistas

 

A devolução da Medida Provisória (MP) que elevava as alíquotas da contribuição previdenciária de setores beneficiados pela desoneração de folha de pagamentos revela que medidas que restrinjam benefícios terão resistência e deverão passar por maior debate ou flexibilização, dizem analistas. Para alguns, a devolução da MP acende um sinal amarelo para o cumprimento das metas fiscais e eleva o risco de rebaixamento da nota soberana pelas agências de rating. "Esse é o jogo político e ninguém é ingênuo em achar que não vai acontecer", afirma Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos, em relação à decisão do presidente do Senado, Renan Calheiros, sobre devolver a MP 669. Segundo Zeina, o Congresso deve olhar medida por medida, avaliando tanto a importância de cada uma delas quanto a influência dos setores sobre as bancadas. Para a economista, é "óbvio" que a devolução da MP não é bem-vinda não só pelo fato político, mas também porque a meta fiscal é tão ambiciosa que não é possível abrir mão de nada. Mas ela avalia que as mudanças anunciadas estão na direção correta, pois as medidas parecem não ter funcionado. Ela diz ainda que o dólar ao redor de R$ 2,90 deixa de justificar a existência de mais subsídios à indústria. Eduardo Velho, economista-chefe da INVX Global Partners, diz que a devolução da MP compromete o cumprimento da meta de resultado primário e eleva o risco de rebaixamento do país pelas agências de rating. "Esse ato mostra que a resistência do Congresso às medidas fiscais será muito dura", diz Velho. Uma reação mais imediata, diz ele, será sentida hoje na cotações em Bolsa e no câmbio. "A expectativa já era de elevação de meio ponto percentual da Selic. Com essa notícia que reflete a resistência ao pacote fiscal, a interpretação será de que todo o ajuste de combate à inflação se concentrará na política monetária", diz. "Isso significa que o aperto monetário poderá se prolongar, mesmo que de forma gradual." Fabio Silveira, diretor de pesquisas econômicas da GO Associados, diz que a devolução da MP é uma "catástrofe" ao processo de recuperação da credibilidade das contas públicas. "O ajuste fiscal não é condição suficiente, mas necessária para evitar uma piora do risco-país e o encarecimento do crédito", diz. "Quando o mercado financeiro começa a ver que lideranças importantes estão rejeitando o ajuste fiscal justamente quando parecia que estávamos no caminho da recuperação, isso acaba sendo um entrave sério", emenda. Amir Khair, especialista em contas públicas, sugere que o governo tente caminhos alternativos e faça elevações de alíquotas que não dependam do Congresso, em tributos como Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto de Importação (II) e Imposto sobre Operações de Crédito (IOF). "Ao mesmo tempo o governo precisaria reduzir despesas." O caminho do ajuste fiscal com as propostas enviadas até agora, diz Khair, "é complicado". "O Congresso irá reagir fortemente a projetos que reduzam direitos, seja de pessoas físicas ou de empresas." Khair também defende a redução da taxa de juros, para diminuir a pressão sobre a dívida. "A conta de juros está ficando muito alta, caminhando para 7% do PIB." Após a devolução da MP que alterava as alíquotas da desoneração da folha, a presidente Dilma Rousseff assinou um projeto de lei com urgência constitucional que retoma as mudanças na contribuição previdenciária. Para o tributarista Fernando Zilveti, professor de tributação e finanças da FGV, a discussão da elevação de alíquotas da contribuição previdenciária sobre faturamento por meio de projeto de lei permitirá maior participação das empresas. "O projeto de lei permite que a elevação seja debatida e que o contribuinte se arme." Enquanto uma medida provisória tem validade imediata e precisa ser confirmada pelo Congresso no prazo de até 120 dias para não perder a validez, um projeto de lei só pode entrar em vigor depois de aprovado na Câmara e no Senado, além de ter de ser sancionado pela Presidência da República.