O confronto retórico entre a Grécia e seus parceiros da zona do euro cresceu mais ontem, com o premiê Alexis Tsipras insistindo que seu governo não vai buscar a extensão do programa de auxílio econômico vinculado a reformas e à austeridade, e a premiê alemã, Angela Merkel, dizendo que o atual acordo "é a base de quaisquer discussões que teremos". Com isso, cresce a percepção de uma saída da Grécia do euro.
 
Ao mesmo tempo em que pressiona para que a "troica" de credores - FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia - recue das exigências de medidas de austeridade, a Grécia tem de lidar com a perspectiva de ficar sem dinheiro antes do fim de março para pagar seus compromissos, o que implicaria num default e na saída do país do bloco da moeda única.
 
"O que conta é o que a Grécia vai colocar à mesa na reunião [de amanhã] ou talvez alguns dias depois", disse Merkel, referindo-se à reunião emergencial de ministros das Finanças, em Bruxelas, para debater a situação grega. "Sempre disse que iria esperar até a Grécia vir com uma proposta sustentável e, então, falaremos a respeito."
 
O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, também se manifestou contra os planos de Tsipras. "A Grécia não deveria assumir que o sentimento geral na Europa mudou tanto a ponto de a zona do euro aceitar o programa do governo Tsipras sem quaisquer limitações", disse.
 
Em visita à Áustria, Tsipras usou um tom mais conciliador, após o discurso enfático de domingo no Parlamento grego, no qual reafirmou a sua intenção de não prorrogar o acordo com a troica que vence no dia 28. "Não creio que exista uma razão séria para não haver um acordo", disse ontem.
 
Já o ministro das Finanças da Grécia, Yanis Varoufakis, alertou contra um desfecho em que a zona do euro ruiria "como um castelo de cartas". Um assessor de Varoufakis disse que as "linhas vermelhas", inegociáveis, da Grécia são a reestruturação da dívida (o que Berlim não aceita) e a redução da meta de superávit primário, antes de o país voltar a pagar o serviço da dívida.
 
O ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schaeuble, disse que, se a Grécia deseja um acordo "ponte", temporário, precisaria de um programa de reformas com supervisão internacional. "Sem um programa, as coisas vão ser duras para a Grécia. Não sei como os mercados financeiros vão lidar com isso sem um programa. Mas talvez ele [Tsipras] saiba mais", disse Schaeuble durante um intervalo da reunião do G-20 em Istambul.
 
A possibilidade de uma saída da Grécia da zona do euro dominou as conversas dos ministros das Finanças das 20 principais economias do mundo. "A situação é bastante séria", disse o canadense Joe Oliver. O representante chinês, o vice-ministro Zhu Guangyao, ressaltou que "o que acontecer na Grécia terá um impacto verdadeiramente grande na zona do euro e na economia global".
 
Em Londres, o premiê David Cameron fez ontem uma reunião com sua equipe econômica para discutir as consequências para o Reino Unido de um saída da Grécia da zona do euro. "[É importante] assegurar que o governo esteja preparado para todas as eventualidades", tuitou Cameron depois.
 
Segundo a empresa de informações e serviços financeiros Markit, o risco de a Grécia dar um calote na sua dívida atingiu o ponto mais alto desde 2012.
 
 
 
Superávit recorde alemão reacende debate sobre desequilíbrio econômico
 
 
A Alemanha registrou um superávit recorde em conta corrente em 2014. O resultado prepara o caminho para novos apelos internacionais para que o país faça frente a seus desequilíbrios econômicos.
 
O superávit subiu para € 215,3 bilhões (US$ 244 bilhões) no ano passado em relação aos € 189,2 bilhões de 2013, informou ontem o Departamento Federal de Estatísticas alemão. O valor equivale a 7,4% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, e ultrapassa os € 176,7 bilhões registrados pela China.
 
Os dados deverão reacender as críticas à política econômica alemã por parte de instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Comissão Europeia. Ao mesmo tempo, os exportadores do país estão às vésperas de receber um novo impulso, uma vez que as compras de ativos de grande escala do Banco Central Europeu (BCE) vão enfraquecer o euro, aumentando a competitividade do país nos mercados externos.
 
"Esta não é uma política consciente de [impulsionar sua economia] à custa dos vizinhos", disse Carsten Brzeski, economista-chefe do ING-DiBa de Frankfurt. "A Alemanha tem a cesta de produtos certa no tempo certo, e, além disso, está sendo ajudada pela depreciação do euro."
 
A moeda única perdeu 12% de seu valor no câmbio com o dólar em 2014 e caiu para menos de US$ 1,11 no mês passado pela primeira vez desde setembro de 2003.
 
O superávit comercial da Alemanha foi de € 217 bilhões em 2014, com alta de 3,7% das exportações, no comparativo com 2013, e de 2% das importações. Em dezembro, as vendas externas deram um salto de 3,4% em relação ao mês anterior, enquanto as compras no exterior recuaram 0,8%.
 
O modelo econômico da Alemanha, puxado pelas exportações, entrou em evidência em várias ocasiões nos últimos anos. O Departamento do Tesouro dos Estados Unidos e o FMI censuraram reiteradamente o país por sua dependência do comércio exterior, enquanto a Comissão Europeia iniciou uma investigação em 2013 para apurar se a Alemanha infringe ou não as diretrizes da União Europeia.
 
No passado, parlamentares e a primeira-ministra Angela Merkel reagiram a essas críticas ao destacar que o superávit reflete a competitividade das empresas alemãs - desde colossos como a Daimler e a Siemens até a multiplicidade de pequenas e médias empresas conhecidas como o Mittelstand -, que não podem ser administradas pelo governo.
 
A Alemanha superou a China como o país dotado do maior superávit em conta corrente do mundo em 2011, e vem mantendo o primeiro lugar desde então, segundo dados do FMI. Embora uma grande parcela dos produtos exportados pela Alemanha tenha ido para seus pares da zona do euro no passado, essa fatia diminuiu depois da crise, na medida em que os mercados emergentes passaram a abocanhar cada vez mais produtos do país.
 
Os salários reais pagos na Alemanha subiram 1,6% no ano passado, sua maior alta desde o início da coleta desses dados, em 2008, informou também o departamento de estatística alemão ontem. A aceleração do crescimento dos salários nos últimos anos e a expansão da demanda interna apontam para um reequilíbrio da economia no futuro. Uma população em processo de envelhecimento, gerações mais jovens menos concentradas em poupar e os resultados dos esforços por reformas em países da zona do euro também deverão ter impacto sobre as exportações alemãs, segundo o Bundesbank.
 
"A Alemanha terá um saldo positivo em conta corrente no futuro previsível", escreveu o banco central do país, sediado em Frankfurt, em seu relatório mensal de janeiro de 2015. "No entanto, a magnitude do superávit deverá cair no médio prazo."