A desvalorização do real frente ao dólar - que ontem atingiu R$ 2,7433, maior cotação desde 23 de março de 2005 - já começou a permitir a nacionalização de insumos e processos pela indústria doméstica. O movimento não é generalizado, mas a mudança gera redução de custos considerada preciosa para o cálculo do preço ou recomposição de margem.

Edgard Dutra, diretor da Metalplan, fabricante de bens de capital, conta que o dólar mais forte permitiu à empresa voltar a produzir componentes que havia passado a importar há três anos, quando a moeda nacional estava mais valorizada. No segundo semestre do ano passado a empresa reativou a linha de produção desses componentes, que reduzem, em alguns produtos, de 20% a 25% do custo de industrialização. Na média, a redução de custo de produção é mais baixa, de 5%. "É pouco ainda, mas é importante para nós", afirma Dutra.

Com o dólar em torno de R$ 2,70, a Engrecon, fabricante de engrenagens, deixou de comprar algumas peças forjadas já acabadas e voltou a fazer a usinagem na fábrica, em Santana de Parnaíba, município da grande São Paulo. José Carlos Nadalini, sócio e fundador da empresa, conta que a usinagem de peças menores é feita tradicionalmente dentro da empresa, mas no período em que o dólar esteve mais caro a importação de peças menores e mais simples já acabadas era mais barata.

Com a desvalorização da moeda nacional, o forjado bruto é ainda importado, mas a usinagem voltou a ser feita pela empresa. Com isso, a vantagem por enquanto fica por conta do custo logístico da importação, que equivale a cerca de 5% a 10% do valor do forjado bruto, e a eliminação do risco do fornecedor externo. "Na importação, às vezes a usinagem vinha com defeito e a negociação para refazer era difícil", destacou.

Para ele, a depreciação da moeda nacional também pode viabilizar a volta da empresa à fabricação de peças de reposição. O empresário explica que são mais simples e a expectativa é de que a produção nacional fique mais competitiva.

O movimento de substituição de importação começa a aparecer em alguns indicadores, como no aumento no nível de demanda interna medido pela Fundação Getulio Vargas (FGV) dentro da sondagem da indústria de transformação. Embora ainda em nível baixo, em janeiro esse índice subiu 12% contra dezembro de 2014, na série com ajuste sazonal.

Para Aloisio Campelo, superintendente-adjunto para ciclos econômicos da FGV, a alta indica percepção de que a indústria tem atendido a demanda menos com estoque e mais com produção. Além do ajuste no estoque, ele avalia que a depreciação do real pode já propiciar um ganho de competitividade e a substituição de importação em alguns setores. "A grande questão é como se comporta essa curva daqui para a frente."

"À medida que a taxa de câmbio se desvaloriza, melhora a competição do exportador e também do fornecedor doméstico", diz Flavio Castelo Branco, gerente-executivo de política econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI). A internacionalização de suprimentos, diz ele, foi acelerada pela desvalorização da moeda nacional. Uma depreciação do câmbio, avalia Branco, tende a reverter o processo de aumento de insumos importados. Isso começa, diz, pelo "trivial", por insumos que cumprem mais facilmente os requisitos tecnológicos e as exigências das normas técnicas.

Dados da CNI até setembro mostram que a depreciação do real frente ao dólar elevou em 1,4% o preço dos importados no terceiro trimestre de 2014, na comparação com o trimestre anterior. Essa alta, aliada à redução de 1,2% no custo industrial brasileiro, no mesmo período, elevou a competitividade do manufaturado nacional.

Para que o processo de nacionalização continue e evolua para insumos mais sofisticados, porém, Branco diz que há um longo caminho. Entre os fatores que "jogam contra" estão os contratos geralmente longos do comércio exterior, que somente serão alterados se houver confiança da indústria doméstica em relação à evolução do câmbio. Um fornecimento nacional que cumpra os requisitos técnicos e detenha a tecnologia necessária é outro desafio.

José Ricardo Roriz Coelho, presidente da Abiplast, que reúne as indústrias de plásticos, diz que no setor a vantagem do real desvalorizado chega mais rápido nos segmentos de maior valor agregado, nos quais o peso da resina é menor no custo do produto final. Ele explica que os principais insumos do setor, como as resinas, seguem preços internacionais em dólar, mesmo quando são comprados no mercado nacional.

No setor, afirma Coelho, esses insumos representam de 45% a 80% do preço, dependendo do produto ou do segmento. "Nos casos em que essa participação é menos representativa, o real desvalorizado possibilita redução significativa do custo."

A expectativa das empresas, diz Nadalini, é que o real siga tendência de desvalorização e torne a produção nacional mais competitiva. O empresário ressalta que, ao mesmo tempo, ainda resta preocupação do impacto da alta da moeda americana sobre alguns custos.

"Nós temos dívida em dólar, de compra de máquinas que fizemos nos últimos anos", conta ele. Também há impacto sobre itens de uso e consumo que não podem ser substituídos, como pastilhas e ferramentas para as máquinas, que a empresa adquire de fornecedores domésticos, mas que são fabricados fora do Brasil.

"Há momentos que não sabemos para o que torcer, mas a expectativa maior é que a desvalorização cambial anime mais a produção interna", diz Nadalini. Ele não se arrisca ainda, porém, a fazer projeções para 2015. Seus principais mercados, salienta, que são de motocicletas, equipamentos agrícolas e caminhões, ainda não mostram recuperação.

Para driblar a menor demanda dos seus principais mercados, diz o empresário, a empresa estuda diversificação. Além do retorno ao mercado de peças de reposição, avalia também a possibilidade de fornecer para o setor de energia eólica. A Engrecon terminou o ano passado com receita nominal perto da obtida em 2013, com perda real de faturamento.

Dutra, da Metalplan, tem expectativa semelhante em relação ao câmbio. Ele espera que a alta do dólar permita a ampliação maior da nacionalização. Por enquanto as projeções dele são para um 2015 com início de recuperação em relação a 2014.

No ano passado, o faturamento da Metalplan caiu 20% em relação a 2013 e o plano de Dutra para este ano é de crescimento de 10% a 15% sobre 2014. "Sendo mais otimista" a estimativa é de 20%. A queda de receitas no ano passado, porém, exigiu um quadro de trabalhadores mais enxuto. Ele conta que reduziu em cerca de 5% o número de funcionários, mas o corte na despesa com a folha de pagamentos foi "um pouco maior", porque a dispensa concentrou-se em salários mais altos.

A esperada continuidade na alta do dólar, diz ele, pode viabilizar algumas operações externas. "Outro dia recebi um e-mail de um país da África de alguém interessado em ser um distribuidor. Respondi mostrando interesse em conversar. Com outro dólar seria inviável."

A recuperação econômica americana também está no radar. "No ano passado, já recebemos consultas de quatro distribuidores, o que não acontecia há alguns anos", relata. Novos mercados, somados a esforços já feitos em destinos como Chile e Bolívia, podem compensar a queda de demanda argentina. A expectativa de Dutra é elevar em 15% a receita com exportação. "Sendo pessimista, espero 12%. Sendo otimista, 20%."

Nem todos os setores, porém, começaram a contabilizar vantagens com a depreciação da moeda nacional. Humberto Barbato, presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), diz que para o setor há um desafio maior, porque não houve apenas queda de produção, mas também quebra de elos de cadeia industrial. Para Barbato, o setor elétrico poderá se beneficiar com a desvalorização do real, mas isso dependerá de uma estabilização maior do câmbio e não deve se generalizar. De início, diz, pode acontecer em produtos específicos, no setor elétrico, como cabos e equipamentos de alta tensão.