Antes de pegar um avião para Miami, onde passa férias desde que encerrou o mandato como governador do Distrito Federal, o petista Agnelo Queiroz deixou como legado um calote inédito em contratos de parceria público-privada (PPP) no país. No dia 1º de janeiro, ao transmitir o cargo para Rodrigo Rollemberg (PSB), ele entregou não só hospitais públicos à beira do colapso e atrasos na folha salarial dos servidores. Também ficou nas mãos dos gestores recém-empossados da capital uma dívida, que já chega a R$ 19 milhões, com a concessionária responsável pela construção e operação do novo centro administrativo do DF. Para piorar: a conta bancária onde deveriam ter sido depositadas as garantias da PPP estava zerada.

 

A situação provocou um impasse entre o consórcio, formado pela Odebrecht e pela Via Engenharia, e o atual governo. As duas empresas, que tomaram empréstimos do Santander e da Caixa Econômica Federal (CEF) para financiar as obras, alegam estar sem dinheiro para honrar seus compromissos com os bancos.

 

Enquanto isso, Rollemberg se agarra a duas decisões - uma do Tribunal de Justiça e outra do Tribunal de Contas do Distrito Federal - para blindar-se das pressões da concessionária. As decisões suspendem, em caráter liminar, tanto os pagamentos mensais da PPP como o depósito das garantias. Um dos argumentos é que o Distrito Federal vive uma crise orçamentária sem precedentes e deve priorizar a normalização dos serviços essenciais. O Ministério Público também denuncia várias irregularidades no contrato.

 

O contrato do novo centro administrativo, localizado na cidade-satélite de Taguatinga, envolve 182 mil metros quadrados de área construída e capacidade para receber 15 mil servidores. Um megacomplexo com dez prédios de quatro andares, quatro torres de 15 pavimentos e centro de convenções foi erguido por R$ 900 milhões. A concessionária entregou a primeira fase das obras em julho de 2014, o que deflagrou o início das contraprestações mensais, pagas pelo governo. Ela se responsabilizará pela operação e manutenção do centro durante 21 anos. Para isso, receberá R$ 3,2 milhões por mês. Esse valor sobe para R$ 17 milhões, a partir de julho de 2015, quando a segunda fase das obras estiver concluída.

 

Os primeiros pagamentos, que deveriam ter sido feitos em julho, foram diferidos para o fim do ano passado. Desde o dia 24 de dezembro, data-limite para a quitação dos débitos, a situação é de inadimplência. Hoje já existem seis parcelas em atraso.

 

A BRL Trust Investimentos, que atua como "trustee" no contrato, foi acionada para buscar a execução das garantias. Todas as PPPs, conforme a lei de criação das parcerias público-privadas em 2004, têm um fundo ou uma conta vinculada com recursos que - pelo menos em tese - devem garantir o pagamento em caso de calote.

 

Pois a conta vinculada do Banco de Brasília, onde deveria haver recebíveis da estatal Terracap lastreados na venda de terrenos públicos no Distrito Federal, estavam sem fundos. O contrato previa depósitos de R$ 508 milhões.

 

Trata-se de uma situação provavelmente inédita. Há 75 contratos de parcerias público-privadas assinados, segundo a empresa Radar PPP, e especialistas no assunto garantem não ter conhecimento de um caso semelhante.

 

O advogado Fernando Villela de Andrade Vianna, sócio do escritório Siqueira Castro e especialista no setor, diz que nunca soube de calote em contratos do gênero. Para ele, no entanto, a situação deve ser visto como resultado das dificuldades fiscais do Distrito Federal e não como um sinal de alerta sobre os riscos envolvidos em PPPs estaduais ou municipais. "Poderia ter acontecido com qualquer outro contrato e não significa uma nuvem negra sobre o modelo de PPPs. Nada indica que outros governos vão seguir o mesmo exemplo."

 

O presidente da Concessionária do Centro Administrativo do DF (Centrad), Roberto Braga, afirma que entende as dificuldades orçamentárias e que está disposto a negociar com o governo local, mas se diz pressionado pelos bancos. "O contrato é muito claro com relação às obrigações da parte privada. E nós cumprimos fielmente a nossa parte."

 

O calote suscita a discussão da segurança de contratos que envolvem duas ou mais administrações diferentes. A PPP foi assinada em 2009, pelo então governador José Roberto Arruda (à época no DEM), que renunciou depois de ter sido flagrado em vídeo recebendo propinas. "Essa situação pode disseminar um risco sistêmico para as PPPs e afugentar investidores no DF", completou Roberto Braga.

 

Indicado pelo governo do DF para tratar do imbróglio, o secretário de Gestão Administrativa e Desburocratização, Antônio Paulo Vogel, disse que há disposição para negociar, mas não enquanto estiverem válidas as decisões do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Contas. "Por enquanto, estamos paralisados e optamos por não discutir o mérito, para não prejudicar o andamento das ações", afirmou Vogel. O ex-governador Agnelo Queiroz não foi localizado pela reportagem.

 

No dia 31 de dezembro, horas antes de entregar o cargo, Agnelo cortou a fita de inauguração do centro administrativo. Mas não passou de uma cena para gravar seu nome na placa que está hoje na entrada do edifício principal: a absoluta ausência de móveis e equipamentos, como computadores, impede a migração dos servidores para o novo complexo. Pelo contrato, a responsabilidade por isso é do governo, não da concessionária. O secretário Antônio Vogel diz que não há previsão de mudança para o centro administrativo.

 

Além disso, o centro ainda está longe de superar a polêmica entre os próprios brasilienses: há quem não se conforme com os gastos envolvidos na nova estrutura e com o destino incerto do Palácio do Buriti, atual sede do governo.

 

Estádio da Copa vai abrigar servidores

 

Se ainda não encontrou uma solução para tornar economicamente sustentável o Estádio Mané Garrincha, reformado a um custo bilionário para a Copa do Mundo do ano passado, o governo do Distrito Federal já tem uma saída temporária para extrair algum ganho financeiro da arena mais cara da Copa. Nas próximas semanas, servidores de quatro secretarias passarão a despachar diariamente nas salas construídas para receber a equipe da Fifa durante o evento. O objetivo da medida é reduzir as despesas com o aluguel dos imóveis que abrigam esses servidores. De acordo com o secretário de Gestão Administrativa e Desburocratização do DF, Antonio Paulo Vogel, está projetada uma economia mensal de R$ 2 milhões com a transferência de cerca de 400 servidores para o estádio. Serão atingidas as secretarias de Desenvolvimento Econômico, Desenvolvimento Social, Criança e Esporte. "Fizemos uma visita às instalações e identificamos várias salas com estrutura pronta para receber esses servidores. São salas com ar-condicionado central, mobiliário e toda a parte de telecomunicações", explicou o secretário. Se a experiência der certo, disse Vogel, outros servidores poderão ser transferidos no futuro, mas ele não soube dimensionar a capacidade máxima do "escritório" Mané Garrincha. Diante das dificuldades financeiras e do cenário incerto para sua normalização, o governo do Distrito Federal não tem previsão para iniciar a ocupação do centro administrativo de Taguatinga. Não está definido, por exemplo, quem ficará responsável pelas instalações de móveis e equipamentos no novo endereço.