Moradores de imóveis do programa Minha Casa, Minha Vida vêm enfrentando sérios problemas com tráfico, atuação de milícias, invasões, venda ilegal de apartamentos, prostituição e homicídios, conforme apurou o Estado. O sonho da casa própria tem se transformado, não poucas vezes, num pesadelo. Um caso é o do Conjunto Residencial Guapurá, na periferia de Itanhaém, no litoral paulista, que recebeu o apelido de "Cidade de Deus", em referência ao bairro da zona oeste do Rio de Janeiro conhecido pelo alto índice de criminalidade. Um dos seus moradores expressa a sua indignação: "De noite, isso aqui parece um inferno".

 

 

Em abril de 2014, os Ministérios da Justiça e das Cidades criaram um grupo executivo para "desenvolver ações integradas com órgãos de segurança sobre condutas ilícitas no âmbito de programas habitacionais instituídos pela União". Até o momento, foram recebidas 108 denúncias, em 16 Estados. A Bahia lidera o ranking de reclamações, com 24 denúncias. Depois vêm Minas Gerais e Rio de Janeiro, com 18 denúncias cada um. Em quarto lugar, está o Estado de São Paulo, com 10 denúncias.

 

A conduta ilícita mais frequente é a venda de drogas, relatada em 70% das denúncias. Há casos em que os traficantes expulsam, agridem e até assassinam moradores. O segundo crime mais frequente é a invasão de apartamentos, que em boa parte das vezes está relacionada ao tráfico. Em Rolândia (PR), por exemplo, há uma denúncia relatando o caso de uma moradora que foi expulsa da sua casa por traficantes, que depois passaram a utilizar o local como boca de fumo. Em Rio Branco, no Acre, um morador do Residencial Rosa Linda, inaugurado em 2011, teria sido ameaçado e espancado, além de ter o imóvel invadido.

 

Em alguns casos, a Polícia Civil já vem atuando. Em agosto, foram presos 21 suspeitos de integrarem uma quadrilha que faturava R$ 1 milhão por mês com a cobrança de taxas, venda e aluguel de imóveis em seis condomínios do Minha Casa, Minha Vida no Rio de Janeiro. Quem não cumpria as ordens era expulso. Caso voltasse, era espancado ou morto.

 

O alto índice de criminalidade causa decepção. Em Peruíbe (SP), um morador do Conjunto Residencial Serra do Mar, mecânico por profissão e pai de duas crianças, relatou ao Estado: "Eu saí de uma favela para ter de deixar os meus filhos escondidos dentro de casa. Não sinto segurança nem dentro do prédio".

 

Segundo o sociólogo Paulo Magalhães, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade, algumas circunstâncias dos condomínios do programa Minha Casa, Minha Vida facilitam a invasão de traficantes e milicianos. "Sem experiência nenhuma em gerenciamento de crise ou administração, um morador é escolhido síndico. Com a falta de renda e o aumento do custo da moradia, o síndico acaba perdendo a autoridade. Ele não consegue responder às necessidades dos moradores, o que cria um elemento essencial para a entrada da milícia ou do tráfico", diz o sociólogo contratado pela Caixa Econômica Federal para coordenar uma pesquisa a respeito dos problemas no condomínio Valdariosa, em Queimados, na Baixada Fluminense. O Ministério das Cidades afirma que entre 1,5% e 2% do investimento feito na construção de um condomínio é repassado às prefeituras para programas de desenvolvimento e acompanhamento das famílias, nos quais está inclusa a capacitação de síndicos. Os moradores, reclamam, no entanto, que muitas vezes falta o básico: o policiamento da região.

 

As denúncias no âmbito dos programas habitacionais exigem pronta apuração - e um sério esforço por impedir novos casos. Que sirva de alerta a experiência do bairro Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, que por sinal se originou de um conjunto habitacional.

 

A criminalidade torna precário o sonho da casa própria, que vai muito além do imóvel. Trata-se do sonho de uma vida digna - que não é apenas um sonho, mas um direito. Afinal, é disso que se fala quando se fala em programa social. O resto é propaganda enganosa.