Desde 2010 o Mercado Comum do Sul (Mercosul) foi o principal fornecedor externo de bens de capital para a Argentina. No ano passado, com uma queda de 34% na exportação desse tipo de bem aos argentinos, na comparação com 2013, o bloco perdeu o lugar para a China. No mesmo período, a exportação chinesa de máquinas e equipamentos aos argentinos cresceu 13%.

A perda de espaço do Mercosul não se limitou às máquinas. Nos bens intermediários, principal categoria de uso que o bloco exporta para a Argentina, os embarques do Mercosul caíram 9% enquanto a China avançou 9%. Os bens intermediários e os bens de capital são responsáveis por cerca de 50% do que o Mercosul exporta para a Argentina.

Os dados são do Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec), ligado ao Ministério de Economia argentino. A perda de espaço para os chineses significa o recuo do Brasil, responsável por mais de 90% da exportação dos integrantes do Mercosul aos argentinos.

Analistas acreditam que os embarques da China aos argentinos devem aumentar com a aproximação entre Pequim e a presidente Cristina Kirchner, que busca por novas formas de financiamento. Na semana passada, Cristina assinou com o governo chinês 15 acordos em diversas áreas, que vão desde agricultura até infraestrutura, telecomunicações e tecnologia aeroespacial.

Segundo José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), não está claro se os contratos assinados entre Argentina e China incluem a exigência de compra de produtos fabricados no país asiático. De qualquer forma, diz, esses acordos criam uma aproximação política e tecnológica que pode estimular as exportações dos chineses à Argentina naturalmente.

"Os investimentos e financiamentos previstos nesses acordos podem servir como facilitador para a liberação de divisas para as compras de bens de origem China", diz o presidente da AEB. "Enquanto isso a liberação de dólares para compras do Brasil deve continuar mais dura."

Castro alerta que a perda de espaço do Mercosul na Argentina é bem maior e não acontece somente em relação à China, embora os chineses sejam os maiores concorrentes, levando em conta os países isoladamente.

Segundo dados do Indec, não foram só os chineses que aumentaram as exportações de bens de capital aos argentinos. As vendas desses itens elos integrantes do Nafta, bloco formado por Estados Unidos, Canadá e México, cresceram 83% no ano passado em relação a 2013. O valor, de US$ 2,95 bilhões, perde somente para os chineses, que venderam no ano passado US$ 3,32 bilhões em máquinas e equipamentos para a Argentina.

Os países da União Europeia embarcaram US$ 2,93 bilhões em bens de capital aos argentinos, com alta de 1% em relação a 2013. O Mercosul, líder desde 2010 nessa categoria de uso, ficou em quarto lugar, com US$ 2,09 bilhões.

Levando em conta a exportação total para a Argentina, tantos os embarques do Mercosul como os dos chineses caíram. A exportação dos integrantes do Mercosul, porém, sofreu mais, com queda de 24%, enquanto a da China recuou 5%. Os dados gerais relacionados a Mercosul e Brasil condizem com os divulgados pelo governo brasileiro.

Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior brasileiro, as exportações do Mercosul para os argentinos até outubro do ano passado, último dado disponível, caíram 25% contra iguais meses de 2013. A exportação brasileira para o país vizinho caiu 27,2%.

Lia Valls, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV, acredita que o novo cenário econômico da Argentina pode acentuar algo que vem acontecendo ao longo dos últimos anos, com o deslocamento das exportações brasileiras em benefício da China em vários destinos da América do Sul.

Silvio Campos Neto, economista da Tendências Consultoria, lembra que além da aproximação entre China e os argentinos, há a competitividade do país asiático, que também consegue oferecer preços mais convidativos e costuma ser agressivo na conquista de mercados.

Os números da balança argentina, diz Castro, indicam que o Brasil perde espaço em um importante destino de produtos manufaturados. Para ele, é possível que o Brasil rompa a série de sucessivos superávits com a Argentina desde 2004 e chegue a ter déficit este ano. Em 2014, lembra, o saldo positivo a favor do Brasil foi de US$ 138 milhões apenas, depois de superávit de US$ 3,15 bilhões em 2013.

A contribuição do comércio com a Argentina para a balança comercial total do Brasil este ano, afirma Castro, pode ser negativa em 2015. E não há grandes possibilidades de compensação, devido à desaceleração da economia chinesa e a recuperação lenta dos embarques aos Estados Unidos. Em 2014 o Brasil embarcou para a Argentina US$ 14,3 bilhões, valor que representou 6,3% da exportação total brasileira. Os manufaturados representam praticamente 90% do que o Brasil vende aos argentinos.

Campos Neto diz que o quadro de deterioração no comércio com os argentinos dificilmente pode ser revertido este ano por conta da situação econômica do país vizinho. A estimativa, diz ele, é que a Argentina sofreu retração da economia de 2,5% em 2014 e a estimativa para este ano é de nova contração, de 1,5%.

Para o economista da Tendências, o quadro atual traz novos argumentos para se discutir o Mercosul. "A ideia não é discutir a continuidade do bloco, mas a flexibilização das regras atuais." Isso, diz ele, possibilitaria ao Brasil buscar novos acordos comerciais. Castro, da AEB, tem opinião semelhante. "O Brasil não tomou iniciativas quando os demais países fizeram acordos para ampliar mercados."

 

Montadoras querem renovação rápida do acordo automotivo

 

Talvez um dia de conversas com o governo argentino seja pouco para discutir a lista de preocupações que o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, carrega hoje em sua primeira visita à Argentina desde que assumiu o cargo.

Além das queixas generalizadas entre os exportadores brasileiros em relação às restrições e falta de dólares no país vizinho, os fabricantes de veículos já estão à espera de uma solução para o acordo automotivo, que vence em junho.

Na indústria, surgiu a proposta de renovar o que foi acordado há oito meses, em 11 junho de 2014, sem muita discussão ou mudanças. Para fontes do setor, essa espécie de acordo¬ponte ajudaria a esperar o fim do mandato de Cristina Kirchner sem sobressaltos. Ficaria para o próximo governo argentino a negociação com o Brasil para tentar um acordo automotivo mais longo, de cinco anos, como se propôs no ano passado.

Com forte queda nas vendas de automóveis e problemas econômicos nos dois lados da fronteira, não há clima para debates. E nem a necessidade deles. A retração da demanda derrubou o principal motivo dos impasses nas últimas renovações do entendimento: o tamanho da exportação de cada lado.

O último acordo automotivo definiu um coeficiente de 1,5, favorável para os argentinos. Ou seja, eles poderiam este ano exportar o equivalente a US$ 1,5 para cada dólar importado do Brasil. Mas não foi preciso nenhum esforço do lado brasileiro para segurar essas vendas externas.

Em 2014, as exportações de veículos do Brasil para o mercado vizinho diminuíram 46% em volume (255,4 mil unidades) e 45% em faturamento (US$ 3,6 bilhões). Já as importações de veículos argentinos recuaram 20% em volume (302,9 mil) e 17% em receita (US$ 5,8 bilhões). O lado brasileiro saiu de um superávit de 95 mil veículos em 2013 para déficit de 47 mil no ano passado.

Nesse cenário, não há sequer motivo para queixar-se das restrições do governo argentino à entrada de importados. A quantidade de peças que o Brasil envia para abastecer as fábricas do outro lado da fronteira diminuiu à medida que o ritmo das linhas de montagem também caiu. Em 2014, o mercado de veículos argentino encolheu 36,9%.

Apesar disso, os dois países precisam do acordo automotivo. A Argentina continua a ser o destino de mais de 70% das exportações das montadoras no Brasil, que, por sua vez, absorve metade da produção do parceiro. "Isso prova que Mercosul é um acordo entre dois países que não têm competitividade para entrar em outros mercados", afirma um executivo da indústria.

Nesse contexto, surge outra ameaça. Quando o acordo automotivo surgiu, em 1994, para estabelecer o intercâmbio de veículos e peças livre do Imposto de Importação, as montadoras com fábricas nos dois países passaram a dominar o mercado da região. Nunca imaginaram, no entanto, que duas décadas depois se sentiriam ameaçadas por um país tão distante como a China.

Os carros chineses ainda não entraram na Argentina, mas os acordos que Cristina firmou com o presidente Xi Jinping na semana passada chamaram a atenção também dos exportadores do setor automotivo. O receio não é por eventual acordo de intercâmbio, porque "os chineses não estão interessados nos carros que a Argentina produz", diz alta fonte da indústria. "Mas nada impede que a China comece a mandar carros para o mercado argentino em troca do dinheiro que emprestou", afirma.

O cenário é ruim. Mas, além de tudo, o Brasil precisará se esforçar para preservar um parceiro que não tem oferecido qualidade nem na demanda nem tampouco no relacionamento comercial.