Não há nada de errado, em princípio, no fato de o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, receber a visita de advogados de empreiteiras envolvidas no escândalo da Petrobrás. O que deixou no ar - e em grande parte da opinião pública - a impressão de que alguma coisa pecaminosa ocorrera naquele gabinete foi a opacidade com que o ministro Cardozo tratou o assunto.

 

 

Parecia estar escondendo algo, quando, em um país cansado da impunidade, geralmente obtida por meio de arranjos subterrâneos entre os poderosos, o que mais se espera de um ministro da Justiça é que tenha grandes cuidados para que não pairem dúvidas sobre sua isenção e seus propósitos. Cuidados que, em respeito à ação, deveriam ser redobrados diante da enorme pressão que o escândalo da Petrobrás vem exercendo sobre o governo e sobre o partido de Cardozo, o PT.

 

No dia 5 de fevereiro, o ministro da Justiça recebeu os advogados da Odebrecht em audiência que constava de sua agenda, que não detalhou os motivos da reunião - dizia apenas que se tratava de uma "visita institucional".

 

Questionado dias depois sobre o caso, o ministro Cardozo argumentou que o encontro não foi irregular e que estava devidamente anunciado, mas recusou-se a revelar o assunto tratado, alegando sigilo. Disse apenas que os advogados vieram se queixar de alguns procedimentos da Operação Lava Jato.

 

Nesse caso é estranho o sigilo, uma vez que Cardozo não é juiz ou promotor e não faz parte do processo. Já que se dispôs a receber os advogados, o ministro da Justiça deveria ter ao menos informado aos brasileiros, sem omissões, do que trataram naquela "visita institucional". Ao não fazê-lo, o ministro deu vida às especulações.

 

Em outro episódio difícil de explicar, Cardozo encontrou-se em seu gabinete com o advogado Sérgio Renault, que defende o presidente da UTC Engenharia, Ricardo Pessoa, acusado de ser o chefe do cartel de empreiteiras que ajudaram a sangrar a Petrobrás. A versão do ministro para esse encontro, que não constava de sua agenda, requer uma boa dose de credulidade.

 

Cardozo disse que estava em seu gabinete com o advogado e ex-deputado petista Sigmaringa Seixas e, quando o levou à porta, lá estava o advogado do presidente da UTC. Segundo a versão oficial, Seixas e Renault tinham um almoço e combinaram de se encontrar na antessala do gabinete do ministro. Naquele instante, disse Cardozo, ele trocou apenas "cumprimentos" com Renault.

 

É preciso um grande esforço para acreditar que o advogado Sérgio Renault tenha combinado de se encontrar com seu amigo Sigmaringa Seixas na antessala do gabinete do ministro da Justiça sem que a intenção não fosse a de abordar Cardozo. Considerando-se que, no ano passado, foram apreendidos papéis na UTC que indicavam a articulação de uma defesa conjunta dos empreiteiros envolvidos no escândalo, numa estratégia proposta pelo escritório de Renault, toda essa movimentação na antessala do gabinete do ministro da Justiça suscita óbvias questões que precisam ser respondidas francamente.

 

Fosse minimamente prudente, o ministro teria dito ao advogado que não poderia falar com ele naquelas circunstâncias, pois daria margem a interpretações equivocadas, e que solicitasse uma audiência formal. Isso não aconteceu. Segundo versões divulgadas pela Folhade S.Paulo e pela Veja, Cardozo disse a Renault que a Lava Jato sofreria uma guinada radical nos próximos dias, em favor dos empreiteiros.

 

A defesa das empreiteiras vem reclamando há tempos da condução do processo e do vazamento do conteúdo de depoimentos tomados em sigilo, e teria sido esse o motivo que levou esses advogados ao gabinete do ministro Cardozo. No entanto, se queriam mesmo encaminhar suas reclamações, o caminho natural teria sido a Justiça, uma vez que depoimentos e delações fazem parte do processo em poder da Justiça Federal no Paraná. Do modo como tudo se deu, e diante da dimensão dos interesses envolvidos no caso, é justo esperar que o ministro da Justiça se empenhe não apenas em ser correto, mas em parecer correto.