Apontada como vítima de um suposto cartel das empreiteiras, a Petrobras pode ser condenada por ter auxiliado na sua formação e, com isso, está sujeita a multas que vão de 0,1% a 20% de seu faturamento. Esses percentuais equivalem a R$ 304 milhões e R$ 60,9 bilhões, considerado o último faturamento divulgado pela estatal - R$ 304,89 bilhões, em 2013.

A participação da Petrobras no cartel estaria comprovada através de atas de reuniões com a Associação Brasileira de Engenharia Industrial (Abemi) para negociar textos de editais e contratos. Várias das associadas da Abemi, como a UTC Engenharia, a Toyo Setal, a Camargo Corrêa, a Odebrecht e a Mendes Júnior, estão entre as suspeitas de participar de desvio de recursos da estatal. Ao discutir previamente com a entidade, a Petrobras atuou para uniformizar procedimentos de contratação de empreiteiras acusadas na Operação Lava-Jato. Isso reduziu a competição entre as empresas e aumentou os custos da estatal.

O Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor, obteve cópias de atas dessas reuniões mostrando que a Petrobras encaminhou para a análise da Abemi minutas de contratos-padrão e textos de editais, antes mesmo de serem lançados. Nas atas, funcionários da Petrobras mostram a representantes das empreiteiras como eles deveriam fazer pleitos para a realização de aditivos contratuais de modo a não haver recusa. Os aditivos foram responsáveis pela escalada de preços que levou a um salto de US$ 2,3 bilhões para US$ 18,5 bilhões nos cus- tos da Refinaria Abreu e Lima.

As reuniões eram na sede da Petrobras, no Rio de Janeiro, mais especificamente no 13º andar do Edifício Edita.

O Valor PRO ouviu um ex-presidente do Cade sobre uma dessas atas e ele disse que o documento "é um indício de que a associação negociava em conjunto". Segundo esse especialista em cartel, a ata pode levar à condenação das empreiteiras e da estatal. O documento mostra que as empreiteiras não competiam na redação dos contratos, que eram previamente padronizados nas reuniões. Já a estatal colaborou com essa prática, reduzindo a concorrência nas licitações que ela mesma promoveu.

Numa ata, de 26 de fevereiro de 2007, representantes da Petrobras e da Abemi trataram dos seguintes itens: desenvolvimento de minutas de contratação, cláusulas de responsabilidade para um "edital da carteira de gasolina" na Refinaria de Presidente Bernardes, em Cubatão, definição de procedimentos tributários para os contratos e venda de materiais e equipamentos em contratos de serviços.

O edital da carteira de gasolina foi lançado para a contratação de obras de montagem de uma unidade industrial para produzir gasolina na refinaria, em Cubatão. Num dos trechos da ata consta que a Abemi pediu que "os avanços obtidos com a redação negociada no edital da Refinaria Presidente Bernardes, que decorreu de amplo debate no grupo de trabalho, norteiem a redação final". Ou seja, a estatal discutiu previamente o edital que pretendia lançar justamente com as empreiteiras que viria a contratar para os serviços. Essa ata prova que a redação de editais era "negociada".

No debate sobre outro item da reunião - "definição dos procedimentos a serem adotados em função de eventuais mudanças na legislação" -, a Petrobras alertou as empreiteiras associadas da Abemi sobre a forma como os aditivos contratuais vinham sendo feitos, alegando que "muitas vezes os pleitos são mal fundamentados" e, por isso, são recusados. Para evitar novas recusas, a estatal pediu que a Abemi orientasse as empreiteiras a mudar os seus contratos. "Para evitar uma pronta recusa dos pleitos, sem prejuízo da necessidade de sua adequada elaboração e fundamentação, o contrato poderia trazer uma previsão geral a respeito", diz a ata, referindo-se a pedidos fundamentados em modificações na legislação trabalhista, previdenciária ou ambiental.

Outra prova de que o cartel uniu a Abemi e a Petrobras seria um comunicado conjunto assinado por ambas, em 14 de maio de 2009. Nele, a Petrobras informou que não iria mais estipular nos editais de licitação os prazos para o detalhamento de projetos. Essa prática foi adotada justamente na época em que houve atraso no detalhamento das obras de Abreu e Lima. A área de Engenharia foi cobrada pela Diretoria de Abastecimento e respondeu que não poderia exigir prazos das empreiteiras porque tinha um acordo com a Abemi. O acordo estava nesse comunicado que eximiu as empreiteiras de detalhar os seus projetos.

Aliada a essa isenção havia outra que foi definida na reunião entre a Abemi e a Petrobras, em 26 de fevereiro de 2007, e tratou dos aditivos às obras. A ata daquela reunião informou que, no entendimento da Petrobras, "não há necessidade de alteração da redação atual do contrato para o reconhecimento da possibilidade de que as contratadas façam pleitos de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos". Na prática, esse trecho isentou as empreiteiras da necessidade de mudar os contratos para fazer os aditivos.

As reuniões, atas e comunicados conjuntos entre a Petrobras e a Abemi abriram caminho para a ampliação de gastos bilionários com aditivos em Abreu e Lima e em outros projetos da estatal. Apesar de esses documentos indicando conluio entre a estatal e a associação existirem desde 2007, a atuação da Petrobras como participante ativa do chamado "cartel das empreiteiras" foi denunciada apenas neste ano aos integrantes da força-tarefa da Lava-Jato. Em 7 de janeiro passado, Fernando de Castro Sá, advogado que atuou durante anos na área jurídica da Diretoria de Abastecimento, depôs perante a força-tarefa, em Curitiba, e revelou que as minutas de contratos da Petrobras, que eram elaboradas pela área jurídica e submetidas à aprovação da Diretoria, passaram, a partir de 2007, a serem encaminhadas ao crivo dos advogados da Abemi. Ou seja, os modelos de contratação da estatal tinham que passar, antes, por representantes das empresas que ela mesma contrataria.

Questionada sobre os vínculos com a Abemi, a Petrobras informou que constituiu um grupo de trabalho com a entidade "a fim de compartilhar conhecimentos e buscar soluções para os problemas enfrentados no processo de implementação dos grandes projetos". Segundo a estatal, o grupo "busca soluções que possam ser compartilhadas por todas as empresas que prestam serviços para Petrobras". "São discutidos temas como procedimentos técnicos, processos de fiscalização de obras, produtividade e outros temas importante para o relacionamento entre a Petrobras e as construtoras." A Petrobras disse ainda que as deliberações do grupo "não têm caráter vinculante, ou seja, são apenas sugestivas e não existe a obrigatoriedade de implementação pelas empresas".

Já a Abemi informou que possui um cronograma de reuniões mensais com a Petrobras e com a Associação Brasileira de Consultoras de Engenharia (ABCE). "Trata-se de um grupo de trabalho com programação pré-definida, pauta discutida previamente entre os associados e participantes identificados". A entidade disse que o grupo "aborda temática técnica e normativa, que visa a melhoria de processos e práticas na engenharia industrial brasileira". "Essas reuniões resultaram no aprimoramento de procedimentos de segurança e de meio ambiente, ajudando a promover a competitividade, o avanço tecnológico e a redução de custos e de acidentes nos canteiros de obras", afirmou.

A Abemi enfatizou ainda que não foram feitas reuniões em sua sede. De fato, esses encontros ocorreram no edifício da Petrobras. Procurado, o atual presidente da Abemi, Antonio Müller, disse que o objetivo das reuniões com a estatal é chegar a contratos equilibrados com menos riscos e maior economia para ambos os lados. Müller ressaltou que não fez parte das reuniões, em 2007, e admitiu que a ata de fevereiro daquele ano é "estranha". "Mas as reuniões que temos com a Petrobras são puramente técnicas", insistiu.

A multa por cartel varia entre 0,1% e 20% do faturamento das empresas e a aplicação pelo Cade varia de acordo com a gravidade da conduta de cada uma das empresas envolvidas.

 

Prejuízo com ações nos EUA pode ultrapassar US$ 1 bi

 

Os acionistas brasileiros da Petrobras poderão arcar com dois prejuízos bilionários da companhia, por conta do esquema de corrupção investigado pela Operação Lava-Jato da Polícia Federal e do Ministério Público. 

O primeiro é composto pelas perdas com a corrupção propriamente e seus reflexos, mais a desvalorização das ações. O segundo são os gastos com as diversas ações de classe movidas por investidores a partir dos Estados Unidos - acionistas americanos e de países como Noruega, Dinamarca, Suécia e Alemanha - que devem vir. 

O maior prejuízo alegado entre os 15 escritórios que abriram ações contra a Petrobras nos Estados Unidos é de US$ 270 milhões. 

Contudo, Erica Gorga, professora da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, pesquisadora associada e diretora do Centro de Direito Empresarial da Yale Law School, explica que o prejuízo da Petrobras nos Estados Unidos pode chegar à casa do bilhão. 

Além da investigação criminal por corrupção, conduzida pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos e que pode resultar em multas salgadas, a ação de classe dos investidores tem potencial para ser muito significativa. 

O principal motivo, explica Erica, é o tamanho da classe de investidores - determinada pelo intervalo de tempo em que podem estar os acionistas potencialmente prejudicados. Os escritórios que foram à justiça alegam que a situação afetou acionistas entre janeiro de 2010 e novembro de 2014. 

"A quantidade de investidores que comprou e vendeu neste período é muito grande", explica a professora. "Ainda mais porque a Petrobras é uma ação com muita liquidez." A janela em questão é de, pelo menos, 4,5 anos. "É grande", diz ela. "Será um prejuízo duplo aos brasileiros, que não podem fazer o mesmo movimento", afirma. 

O prazo ainda precisa ser aceito e definido pelo juiz do caso - Jed Rakoff, que tem fama de "durão". 

Segundo Erica, a maioria dessas ações termina em acordo. A própria companhia não quer deixar para o juiz definir o valor. Entretanto, para que o juiz aceite a negociação privada entre as partes para encerrar o caso, o montante precisa ter a capacidade de ressarcir o prejuízo dos acionistas. Quanto maior a classe, tanto maior o volume para reembolsa-la. 

A Petrobras encerrou 2009 avaliada em R$ 347,1 bilhões - e antes da mega-capitalização de R$ 120 bilhões realizada em 2010. Em novembro de 2014, valia R$ 162 bilhões, na bolsa brasileira. E o valor seguiu em queda: terminou ontem em R$ 115,7 bilhões. 

Erica explica que quando há uma investigação no Departamento de Justiça nos Estados Unidos, a tendência é que as ações sejam maiores. "Estudos acadêmicos mostram que nessas situações os acordos são mais elevados." É justamente o tamanho potencial do acordo que atraiu tantos escritórios, que brigam agora pela liderança do caso - o que será definido pelo juiz. Em geral, os escritórios ficam com 30% do acordo. Em compensação, investem, além do trabalho, recursos em pesquisa e documentação. 

 

Bendine afirma que balanço da estatal trará reavaliação de ativos

 

O novo presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, disse ontem, em entrevista ao "Jornal Nacional", da TV Globo, que a Petrobras deve ter nova baixa de ativos e afirmou que o próximo balanço deve refletir a real situação da companhia. Em meio às denúncias de corrupção que atingem a empresa, Bendine afirmou que recebeu do Conselho de Administração "total liberdade e autonomia" para tomar decisões. "Com certeza teremos uma baixa de ativos, até porque nós também estamos fazendo uma correção do passado", disse o presidente da Petrobras. "Queremos em 2014 um valor justo, que mostre com muita clareza e transparência qual é o número da companhia no momento". No fim de janeiro, cálculo apresentado durante a reunião do Conselho de Administração da Petrobras indicava a necessidade de uma baixa contábil de R$ 88,6 bilhões nos ativos da companhia referentes às perdas com corrupção ligadas à Operação Lava-Jato. Os dados foram mostrados durante a divulgação do balanço 3º trimestre da empresa. O presidente da Petrobras disse que o endividamento da companhia "não é tão elevado" quanto parece, mas afirmou que "terá que fazer um esforço em relação a essa captação" e disse que o balanço da companhia "pode estar sendo influenciado, sim" pela corrupção. Segundo o executivo, o valor da empresa está sendo analisado por empresas, cuja avaliação terá de ser certificada ainda por auditoria externa. Na entrevista, o executivo disse que a Petrobras "nunca vai se sujeitar à volatilidade do mercado internacional" para determinar o preço do combustível, nem se deixará influenciar pela política inflacionária do governo federal. Bendine disse que a Petrobras está colaborando com as investigações na Operação Lava-Jato e que está aprimorando os mecanismos de governança. Ao defender a companhia, o executivo disse que o quadro técnico da empresa é o "melhor do mundo nesse setor" e afirmou que a "Petrobras não vai parar". Ex-presidente do Banco do Brasil, Bendine negou irregularidades envolvendo sua gestão no banco, como a concessão de empréstimos, e disse que "quem conhece o processo de decisão" no banco sabe "que seria impossível" qualquer tipo de concessão "que não estivesse dentro das normas". Em recado aos pequenos acionistas da Petrobras, Bendine disse que é preciso "continuar a acreditar" na empresa. O executivo afirmou ainda que a petrolífera "passa por momento de dificuldade", mas que depois de "passada a limpo essa situação, não tenho dúvida de que a companhia vai olhar para o futuro". Por fim, Bendine afirmou que a empresa "tem capacidade enorme de geração de valores".