Após confrontar, durante a campanha eleitoral, dados que apontavam para o aprofundamento do quadro de estagnação da economia, o governo Dilma Rousseff deu o braço a torcer. Em meio ao colapso da produção da indústria, à escalada da inflação e à disparada do dólar, que caminha a passos largos para a casa dos R$ 3, caiu a ficha de que, só com palavras, será impossível convencer investidores e empresários a apostarem numa rápida retomada do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).

Muito pelo contrário. As ameaças que se avizinham — entre as quais o risco de apagão, o racionamento de água  e a possibilidade de perda do grau de investimento ainda no primeiro semestre de 2015 — impõem ao governo a necessidade de clareza no diagnóstico e pragmatismo nas ações para vencer a crise. Exigem também uma mudança clara de postura da equipe econômica. Se, sob o comando de Guido Mantega, o Ministério da Fazenda era sinônimo de descrédito entre investidores, com o atual titular da pasta, Joaquim Levy, a história é outra. Em vez de previsões econômicas superestimadas, ele não esconde a predileção por análises mais realistas, mesmo que isso signifique trazer más notícias para  os brasileiros.

Nas declarações mais recentes, em Nova York, Levy selou a perspectiva de dois anos seguidos de recessão: em 2014 e 2015, uma situação inédita no Brasil. A última vez em que isso ocorreu foi durante a Grande Depressão dos anos 1930, após a grande crise de 1929, quando o estouro das bolsas de valores nos EUA levou o mundo para o atoleiro. Em 1930, a economia brasileira encolheu 2,1%, e, em 1931, declinou 3,3%, conforme dados compilados pela Austin Rating. Nem durante as crises do petróleo, nos anos 1970, ou durante a  hiperinflação, nos anos 1980, o país viu a economia retrair-se por dois períodos seguidos.

Caso a recessão prolongada se confirme, o aumento do desemprego será praticamente inevitável. A consultoria Rosenberg Associados estima que o percentual de brasileiros sem trabalho subirá dos atuais 4,8% para 6,1% da população economicamente ativa, na hipótese de o PIB encolher 0,5% este ano. Essa é considerada uma projeção ainda otimista, levando em conta cálculos que apontam para tombo superior a 2% da economia em 2015. Nesse cenário, o desemprego subiria para patamares superiores a 7% — o que significaria o fim da bandeira petista do pleno emprego.

E ainda pode piorar. “A nossa situação é tão grave que, além de termos uma queda do PIB e do emprego, o aperto será maior porque a inflação está subindo”, disse o economista José Luís Oreiro, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).“Os trabalhadores vão sofrer duplamente. Alguns vão perder o emprego e, mesmo os que mantiverem o trabalho, vão sofrer uma desaceleração brutal da renda, já que os salários não subirão a ponto de recompor as perdas inflacionárias.”

O aperto no bolso pode ser ainda maior a julgar pela intenção da Fazenda de promover mais elevações de tributos para conseguir cumprir as metas fiscais estipuladas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Diante da dificuldade de economizar 1,2% do PIB para pagar juros da dívida pública (e fazer o chamado superavit primário), Levy vem deixando claro que novas medidas de austeridade já estão no forno.

Para investidores, Levy garantiu que a Fazenda não deve “inventar impostos”, e sim simplificá-los. Mas sinalizou que pode “renovar” tributos, o que abre dúvidas sobre o fim de benefícios ainda em vigor, como o desconto do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para a linha branca (geladeira, máquina de lavar etc.), a desoneração da cesta básica ou, em última instância, a volta da CPMF, o imposto do cheque. Técnicos da Receita Federal garantem que ressuscitar esse último tributo “está completamente fora de cogitação”.

O arrocho fiscal tem motivo claro: evitar que o descalabro nas contas públicas se agrave a tal ponto que o país possa a vir ser considerado um mau pagador dos títulos da dívida pública. Tanto que, ao fim da palestra feita a investidores, em Nova York, Levy reuniu-se a portas fechadas com representantes da agência de classificação de risco Moody’s para tentar convencê-los a não retirar o grau de investimento do país, obtido em 2008, quando o Brasil ainda era sinônimo de pujança e galgava posições no ranking global de crescimento econômico.

A perda da chancela de bom pagador pode detonar um efeito cascata de aversão a risco no país, com investidores partindo em retirada do Brasil. A última vez que o país enfrentou uma fuga recorde de dólares das bolsas e dos títulos emitidos pelo governo foi há 13 anos, quando temores com a possível eleição do então candidato Lula levaram o dólar para R$ 4. “Se acontecer isso agora, o céu é o limite. A moeda norte-americana poderá facilmente ultrapassar os R$ 5, o que desencadeará um movimento de remarcação de preços no comércio, com impacto devastador sobre a renda das famílias”, assinalou Oreiro.