Se a inflação corrente assusta, rodando acima dos 7% em 12 meses, as expectativas para os próximos anos deixaram a zona de deterioração do fim do ano passado e voltam a se aproximar, ainda que lentamente, da meta estabelecida pelo Banco Central. Isso já é visto como um indício de que a chamada 'ancoragem das expectativas' pode estar sendo retomada. Sinal disso é que pela primeira vez desde outubro do ano passado, as projeções para a inflação em 2016 voltaram para 5,5%, segundo a mediana dos economistas ouvidos pelo BC. A tendência de baixa nas projeções se reflete nos anos subsequentes e chega a 4,8% em 2019 (era 4,9% na semana passada). "Dada a performance ruim do sistema de metas nos últimos anos, já é uma convergência bastante relevante", diz Daniel Leichsenring, economistachefe da Verde Asset Management, a gestora de Luis Stuhlberger. A Verde ocupa o primeiro lugar do ranking Top 5 de longo prazo do BC para o IPCA, grupo das instituições que no início de 2014 mais acertaram as previsões para o indicador nos 12 meses seguintes e que inclui Verde, Bradesco Asset Management (Bram), Brasil Plural, HSBC e UBS. O Valor ouviu quatro dos cinco participantes do ranking e, para todos eles, a tese da convergência ganha cada vez mais adeptos por uma questão central: a evolução pífia da economia, a ser acompanhada de uma alta da taxa de desemprego e a consequente redução dos salários em termos reais, atingindo o bolso do consumidor e trazendo os preços para baixo. A isso devem ser adicionados o peso do nome de Joaquim Levy na Fazenda e o maior comprometimento do BC com a meta já em 2016. Otimistas, UBS e Bradesco Asset Management (Bram) esperam que a inflação anualizada encoste nos 5% já na primeira metade de 2016, o que na avaliação das equipes econômicas dos respectivos bancos dependerá principalmente da política monetária ¬ os juros devem encerrar 2015 em pelo menos 13% ao ano ¬ e da entrega do forte ajuste fiscal em curso. Mesmo o banco Brasil Plural, para quem a inflação ainda alcança os 6% em 2016, trabalha com uma inflação ao redor de 4,5% a partir de 2017. "Essa é a beleza do sistema de metas de inflação", diz a economista do Brasil Plural, Priscila Burity. "Enquanto o BC tem essa meta, não tenho porque, em um prazo mais longo, duvidar disso". Para Guilherme Loureiro, economista¬chefe do UBS, é o componente da inércia inflacionária que impede a convergência ao centro da meta já em 2016. Ele prevê a inflação medida pelo IPCA em 5,2% no ano que vem, com uma desaceleração bastante forte dos preços administrados. Após se manter acima de 10% ao longo de 2015, o preços de tarifas públicas devem ficar abaixo de 5% em 2016. O componente por trás dessa desaceleração, diz Loureiro, é a atividade mais fraca. A expectativa é de queda de 0,5% para o PIB deste ano, com viés de baixa em razão da fraqueza dos dados de confiança.
Em 2016, diz Loureiro, o PIB deve crescer ligeiramente acima de 1%, não chegando aos 2% nem mesmo em 2017. "Como é difícil imaginar crescimento próximo de 2% em 2017, já seria razoável pensar em convergência aos 4,5% já no primeiro semestre do ano". Embora ainda mantenha as projeções para o IPCA de 2016 em 5,8%, Fernando Honorato, economista¬chefe da Bram, não descarta um percentual 0,4 ponto mais baixo em razão da atividade econômica mais fraca. "Acho francamente que o BC tem uma oportunidade única de conseguir ganhar a batalha das expectativas", diz Honorato. Isso não quer dizer que a convergência vai ser rápida, diz ele, mas "o realismo tarifário proposto pelo Joaquim remove um componente de incerteza importante". Honorato enxerga a inflação do primeiro trimestre de 2016 ¬ anualizada e descontados os fatores sazonais ¬ entre 5,2% e 5,3%. Com a queda da inflação corrente já no primeiro trimestre do próximo ano, diz o economista, é plausível pensar que as expectativas para 2017 já estarão próximas de 4,5%. Honorato ressalta, contudo, que o cenário traçado depende de uma sequência de eventos positivos nos próximos seis meses que devem melhorar o humor dos investidores, a começar pela inexistência de racionamento de energia ¬ para Honorato, o forte aumento de preços de energia deve ser suficiente para reduzir a demanda. Ele conta ainda com a publicação do balanço da Petrobras, o cumprimento do ajuste fiscal e uma agenda que favoreça o investimento, que ficar para depois de abril. "Se isso se confirmar, o câmbio deve encerrar o ano em R$ 2,70 ou R$ 2,80 e isso tudo já está na conta da inflação", diz. "Se o ajuste não for entregue, esquece. Nesse caso, o câmbio pode chegar a R$ 3,20 ou R$ 3,30, tornando quase impossível a missão de ter uma convergência rápida das expectativas", diz Honorato. Para Priscila, da Brasil Plural, a forte desaceleração dos preços administrados, de 11% neste ano para perto de 5,5%, é importante, mas não suficiente para trazer a inflação abaixo de 6% já em 2016. "Fora que o governo ainda está muito determinado em manter o nível de emprego, que é um canal importante pelo qual a recessão econômica atinge os preços", diz. Priscila enxerga a necessidade de um plano de convergência mais claro por parte da autoridade monetária. "O BC fala em 4,5% em 2016, mas silencia a respeito de 2015. Se não vai dar [para atingir a meta], é preciso ter metas intermediárias", diz. "O BC é um guia, um líder de mercado. A comunicação poderia ser melhor." Mesmo reconhecendo os fatores que levaram às apostas na convergência à meta da inflação em um prazo mais longo, Leichsenring, da Verde, diverge do grupo. Para ele, é pouco provável que o cenário para a inflação nos próximos anos piore com relação à alta de quase 8% esperada para a inflação medida pelo IPCA em 2015, mas isso não significa que ele será bom. "Vai piorar com relação ao consenso de mercado de que estaríamos caminhando para uma convergência da meta ao longo de 2017". Para o economista da Verde, a nomeação da nova equipe econômica avança parcialmente na questão da credibilidade, mas não é tudo. Segundo Leichsenring, há um processo de consolidação fiscal cuja principal vertente é a elevação de impostos e de tarifas públicas ¬ outro fator a contribuir para que as pressões de custos se mantenham, tornando o trabalho de trazer a inflação para a meta mais complicado. "Não acreditamos no ajuste pelo ajuste, mas em reformas econômicas que melhorem o ambiente institucional. Fazer ajuste simplesmente aumentando impostos vai ter custos no curto e no longo prazo", diz. Certa descrença passa também pelo mercado de títulos, onde essa convergência ainda não ocorreu. Os títulos indexados embutem uma inflação ao redor de 7% até meados de 2017 (chamada pelo mercado de "inflação implícita"), recuando gradualmente para 6% até perto de 2050. A diferença em relação ao Focus, dizem os economistas, é o prêmio de risco: quanto maior o prazo do papel, maior a incerteza e, portanto, maior o prêmio. Com um fator adicional: certa "contaminação" do ambiente do curtíssimo prazo. Para Honorato, da Bram, tanto expectativas do mercado quanto as do Focus têm o seu valor. "Até mesmo um diretor do BC dizia que não era claro para eles qual era o melhor indicador".