A equipe econômica já trabalha numa alternativa ao imposto sobre grandes fortunas para aumentar a arrecadação federal e, ao mesmo tempo, satisfazer a demanda política do PT por medidas de ajuste fiscal que tributem os mais ricos. O Ministério da Fazenda discute como tributar doações e heranças recebidas por pessoas físicas. A taxação de lucros e dividendos, também capaz de elevar a arrecadação, não é consenso na equipe econômica e, de acordo com fontes oficiais, dificilmente será adotada.

A discussão na área técnica da Fazenda é como contornar uma eventual bitributação nas doações e heranças. Os Estados cobram impostos sobre essas operações e, portanto, não pode haver um outro tributo que incida sobre a mesma base. Além disso, a Constituição estabelece que o direito de tributar doações é dos governos estaduais. É essa dificuldade técnica que o governo federal procura contornar. Uma alternativa passa pela ideia de que a doação recebida pode ser caracterizada como renda de quem recebe o benefício.

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, em entrevista na sexta-feira, falou sobre essa possibilidade. Perguntado sobre a criação do imposto sobre grandes fortunas, o ministro afirmou que ele não é muito produtivo. E completou: O principal instrumento é de tributação da renda. Existe, em âmbito estadual e municipal, a tributação da transmissão de bens, doações etc. A doação é tributada pelos Estados com uma alíquota bastante reduzida. Esse é o caso de uma quase-renda que não está sujeita ao Imposto de Renda.

Não há ainda uma definição sobre a criação do novo imposto, mas a equipe econômica enxergou uma oportunidade política de resolver um problema técnico que incomoda há algum tempo. As doações têm sido usadas como instrumentos de planejamento tributário em valores crescentes ao longo dos anos, de acordo com uma fonte oficial.

Prova disso é que nos últimos anos, a Receita Federal tem fechado convênios com os Estados para transferir as bases de dados sobre doações informadas nas declarações de IR para que os Estados possam cobrar os impostos sonegados. O próprio ministro Levy, quando secretário de Fazenda do Rio de Janeiro, usou as informações do Fisco federal para cobrar mais de R$ 500 milhões em tributos.

Atualmente, as doações feitas em dinheiro não recolhem IR. Se a transferência de bens for feita por um valor superior ao que consta na declaração de renda do doador, é preciso recolher o imposto sobre ganho de capital sobre a diferença.

Desde que foram anunciadas as restrições à concessão de benefícios trabalhistas, cresce no PT o discurso de que o governo precisa também adotar medidas que atinjam o andar de cima. O partido da presidente Dilma Rousseff não quer entrar na discussão do ajuste fiscal sem ter argumentos para se opor à crítica de que o governo está concentrando o ajuste nos trabalhadores. A Executiva do PT, em reunião na semana passada, pediu, por exemplo, que o governo reconsidere o veto à correção de 6,5% da tabela do IR.

 

Receita também terá perdas com mudança na desoneração

 

Com a mudança na desoneração de folha, muitas empresas antes obrigadas a recolher a contribuição previdenciária sobre faturamento irão voltar a pagar o tributo calculado sobre folha de pagamentos. São empresas que foram prejudicadas com a desoneração. Mesmo com as antigas alíquotas de 1% ou 2% sobre o faturamento, elas pagavam mais do que calculando o tributo sobre folha.

A perda que a Receita Federal terá com essas empresas que terão sua carga aliviada ao voltar para a tributação sobre folha, porém, será muito menor do que o ganho com a elevação de alíquotas para 2,5% e 4,5%, respectivamente.

Segundo dados do governo federal, cerca de 30% das empresas obrigadas à tributação sobre faturamento perdiam com essa forma de recolhimento. Agora, poderão retornar ao pagamento da contribuição sobre folha. Apesar de significar quase um terço da quantidade de contribuintes alcançadas pela desoneração, essas empresas respondem por apenas 12,1% do total de vínculos empregatícios contemplados pelo benefício.

No setor de serviços são, na maioria, pequenas e médias empresas, com número reduzido de funcionários. Na indústria, são empresas de capital mais intensivo ou com alto grau de terceirização. Em todos os casos são companhias nas quais a folha de salários é pequena em relação ao faturamento.

Luigi Nese, presidente do Seprosp, sindicato que reúne as empresas de informática no Estado de São Paulo, a possibilidade dada a empresas de setores desonerados de optar pela base de cálculo da contribuição previdenciária gera justiça tributária. Ele lembra que a entidade entrou com ação judicial para garantir aos associados essa possibilidade. Na época, lembra ele, emendas à MP original da desoneração de folha também foram propostas, mas não houve sucesso.

Segundo dados do governo, no setor de serviços de tecnologia mais da metade das empresas (8.264 empresas contra 7.373) perdia com a tributação sobre faturamento, mas eram responsáveis por 150 mil postos de trabalho, enquanto o restante respondia por 1,9 milhão de empregos.

“Saíam prejudicadas principalmente as menores empresas com um ou dois funcionários”, diz Nese. “As grandes empresas, com salários médios maiores e muitos funcionários, tinham maior vantagem com a tributação sobre faturamento.”

Com a elevação de alíquotas, porém, o quadro muda. Os dados do governo mostram que com o aumento de alíquotas, a contribuição calculada sobre faturamento será vantajosa somente para 4.474 empresas de serviços de tecnologia. As “perdedoras”, que terão mais vantagem na tributação sobre folha, serão 11.163.

Isso acontece porque, no setor de informática, que tinha alíquota de contribuição previdenciária de 2% sobre o faturamento, o ponto de equilíbrio era 10%. Para empresas com despesa com salários menor que 10% do faturamento era interessante pagar a contribuição com base na folha. Para empresas com proporção maior era mais interessante o faturamento, explica Douglas Rogério Campanini, consultor da Athros Auditoria e Consultoria. Com a elevação da alíquota da contribuição ao INSS de 2% para 4,5%, o ponto de equilíbrio sobe para 22,5%.

Na indústria, de acordo com dados da Fazenda, 4.637 empresas, que respondem por cerca de meio milhão de empregos, saíam prejudicadas com a contribuição previdenciária calculada sobre faturamento, na alíquota de 1%, em sua maior parte. A tributação com base na receita, porém, era mais vantajosa para 20.723 indústrias, responsáveis por 3,92 milhões de postos de trabalho.

Com a elevação da alíquota da contribuição sobre faturamento de 1% para 2,5%, porém, o pagamento sobre folha será melhor para 13.405 indústrias. Para outras 11.955 a opção mais vantajosa continuará o faturamento. Para a indústria, com a elevação de alíquota de 1% para 2,5%, o ponto de equilíbrio subiu de 5% de folha em relação a faturamento para 12,5%.

No caso da indústria, diz José Ricardo Roriz Coelho, diretor de competitividade da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), as empresas que tendem a perder mais com a tributação sobre faturamento são as de capital intensivo ou alto grau de terceirização, porque tendem a ter folha de salários proporcionalmente menor em relação ao faturamento.

Com a elevação de alíquotas, diz Roriz, aumenta a carga tributária de contribuição previdenciária global da indústria, o que é mais um fator que tira a competitividade das empresas num momento em que a capacidade de investimento ficou mais comprometida e que a exportação de manufaturados poderia contribuir para melhorar a balança comercial.

 

Monteiro defende medidas em reunião com empresários

 

Os setores produtivos que usam mais mão de obra, como calçadista, moveleiro, têxtil e de vestuário, serão os mais afetados com a redução das desonerações da folha de pagamento, definidas na medida provisória assinada pela presidente Dilma Rousseff na sexta-­feira. A avaliação é do ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Armando Monteiro, que participou de almoço ontem na sede da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan).

Segundo o ministro, "não há como promover o ajuste sem reduzir o custo fiscal dessas medidas". A redução do benefício faz parte da nova política do governo de diminuir os gastos públicos. No ano passado, o custo das desonerações da folha de pagamento custou mais de R$ 20 bilhões aos cofres públicos.

Monteiro defendeu a nova direção econômica do governo federal. "O setor empresarial é fundamentalmente sócio, temos que atuar pela governabilidade", disse o ministro, que presidiu a Confederação Nacional da Indústria (CNI) entre 2002 e 2010. "É fundamental que o setor privado se engaje."

Durante o encontro com os empresários na Firjan, Monteiro usou diversas vezes a primeira pessoa do plural para falar em nome do setor industrial. "Nos cabe assumir uma agenda realista nessa hora. O que nós temos que fazer em meio a esse quadro de restrições é encontrar uma agenda, e cobrar, fundamentalmente do governo, alguns sinais que possam ser apresentados claramente ao setor privado.".

Monteiro afirmou também que trabalha em um plano para incentivar as exportações brasileiras "Acho que temos uma perspectiva muito promissora com o mercado americano, que voltou a crescer". Ele ainda informou que trabalha em reformas microeconômicas que pretendem reduzir a burocracia e melhorar o ambiente regulatório e tributário. "É preciso uma nova modelagem das PPPs [parcerias público­privadas], sem impor condições que não se harmonizem com o mercado", disse o ministro.