O ministro Teori Zavascki deverá retirar o sigilo dos autos da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF). Mas os nomes dos políticos investigados só serão oficialmente conhecidos depois que ele despachar todos os pedidos de abertura de inquérito que serão feitos pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
 
A lista de Janot será encaminhada ao STF hoje no fim da tarde. Zavascki deve retirar o sigilo até o fim desta semana. Como as investigações já estão avançadas e parte das delações já foi divulgada, não haveria razão para manter os inquéritos sob sigilo.
 
A equipe de Janot passou os últimos dias trancada numa sala na Procuradoria-Geral da República, verificando os detalhes finais das petições que serão encaminhadas ao STF. A expectativa é a de que a Procuradoria não ofereça denúncia, centralizando a sua atuação em pedidos de abertura de inquéritos. A diferença é importante, pois, a partir da denúncia, o político já passa a ser considerado réu e o próximo passo seria o julgamento final. Já o inquérito permite que os políticos possam produzir provas de defesa. Nos inquéritos, o Ministério Público também terá prazos e oportunidades para fortalecer a acusação. No caso do mensalão, o STF recebeu a denúncia em agosto de 2007 e o julgamento só teve início cinco anos depois, em 2012.
 
Na Lava-Jato, Janot vai pedir abertura de inquéritos nos casos em que está claro que as investigações terão andamento com a possibilidade de aprofundamento dos fatos descobertos pelo Ministério Público e pela Polícia Federal, em Curitiba, capazes de levar a condenações de políticos. O procurador deverá pedir ainda cerca de 40 procedimentos ao STF - diligências para avançar nas apurações, como quebra de sigilo de transferências e de contas bancárias.
 
Já nos casos em que houver apenas suposição de que o político estaria envolvido, sem fatos ou indícios claros de que houve o recebimento de benefício indevido por ele ou mesmo participação em esquemas de corrupção, Janot não deverá requerer a abertura de inquérito. É possível que a Procuradoria mencione o nome de alguns políticos que foram citados por delatores na Operação Lava-Jato, em Curitiba, mas decida não abrir investigação contra eles por falta de mais elementos.
 
Janot quer prestigiar o trabalho conduzido até aqui pela equipe que cuidou da operação e obteve fatos novos por meio de 13 delações premiadas. Por outro lado, o procurador-geral não gosta de eternizar casos - levar adiante investigações nas quais se sabe de antemão que dificilmente vão andar por falta de provas.
 
Alguns pareceres anteriores revelam a conduta do procurador-geral nas investigações envolvendo políticos. Para Janot, depoimentos soltos, sem provas adicionais de crimes, não merecem maiores investigações. No ano passado, o procurador-geral arquivou um processo contra o senador Fernando Collor (PTB-AL) baseado no testemunho de uma ex-contadora do Grupo OK, do empresário e ex-senador Luiz Estêvão. A contadora teria ouvido de um piloto de Estêvão que, durante um voo com Collor, eles teriam comentado que uma pessoa iria morrer com a amante. Seria uma referência ao ex-tesoureiro de campanha de Collor, Paulo César Farias, morto com a sua namorada Suzana Marcolino, em 1996. Janot avaliou que o depoimento não foi suficiente para provar qualquer relação de Collor com a morte de PC Farias e o caso foi arquivado. Mas, como o piloto morreu numa explosão, no aeroporto de Goiânia, ele determinou a continuidade da investigação na primeira instância.
 
Em outro caso, um traficante mencionou o então senador Vital do Rêgo (PMDB-PB) numa conversa que foi interceptada pela Polícia Federal em investigação de compra de votos em Campina Grande, na Paraíba. Segundo Janot, a escuta não trouxe indícios suficientes para processar Vital que, hoje, é ministro do Tribunal de Contas da União (TCU). O então senador foi apenas mencionado e sem provas adicionais o caso foi arquivado.
 
O procurador-geral também pediu o arquivamento quanto à denúncia de que o então senador José Sarney (PMDB-AP) teria obtido informações privilegiadas para tirar dinheiro do Banco Santos, um dia antes da intervenção pelo Banco Central, em 2004. Apesar da coincidência de datas, não foram produzidas novas provas contra Sarney e Janot concluiu pela prescrição das investigações, no ano passado, num parecer que foi aceito pelo STF, dando o caso por encerrado.
 
Esses arquivamentos não significam que o procurador-geral tem cautela excessiva com a classe política. Em seu primeiro ano de gestão, Janot apresentou 11 denúncias ao STF contra parlamentares e requisitou a abertura de inquérito contra 29 pessoas com foro privilegiado. Esse número pode dobrar nessa terça-feira, quando ele vai enviar os casos da Lava-Jato ao Supremo.
 
 
 
Delação implica deputado em propina para obra no MA
 
 

O doleiro Alberto Youssef implicou o deputado Luiz Fernando Faria (PP-MG) em esquema de propinas na contratação de empresa de mineração para obras da refinaria Premium I, no Maranhão. O deputado está entre dezenas de políticos listados por Youssef como beneficiários de propina a partir de desvio de recursos da Petrobras de 2003 a 2014. Em sua delação Youssef disse também que ficava sabendo antecipadamente o nome das empresas vencedoras de licitações da Premium e que reuniões sobre o pagamento e divisão da propina foram realizadas em seu escritório, em São Paulo.

O doleiro disse que se reuniu com Erton Medeiros, executivo da Galvão Engenharia preso em Curitiba e processado por corrupção, lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa. Segundo Youssef foi acertada propina de 1% sobre o valor do contrato e os repasses foram iniciados seis meses após o início da construção, segundo seu depoimento em delação premiada. A Galvão Engenharia alega que foi vítima de extorsão e concussão. O deputado não foi localizado para comentar as afirmações de Youssef.

Ontem, a Operação Lava-Jato descobriu que o presidente da UTC, Ricardo Pessoa, esteve com um suposto operador de propinas na Petrobras dois dias antes de ser preso pela Polícia Federal (PF) de Curitiba, em 14 de novembro de 2014. Pessoa se encontrou com Mario Goes, que teria atuado na diretoria de Serviços da Petrobras durante o período em que foi ocupada por Renato Duque. Goes foi preso durante a fase "My Way" deflagrada em 5 de fevereiro e que investiga 11 operadores de propinas na diretoria, incluindo o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto.

Pessoa teve sua conversa com Goes interceptada por escuta telefônica da Lava-Jato. Em um dos diálogos, ele relata dificuldade em encontrar um "amigo", mas combina de tomar vinho com Pessoa durante jantar em sua casa no Rio. Em outra conversa, com homem que se identifica como Mauro Cruz, Pessoa pergunta se ele marcou uma reunião com Mario Goes. O interlocutor responde que sim.

As negociações para o fechamento de um acordo de delação premiada do presidente da UTC Engenharia, Ricardo Pessoa, "estão estacionadas e chegaram a um impasse", disse o advogado que o representa, Alberto Zacharias Toron ao Valor PRO, serviço em tempo real do Valor.

Toron não revela qual seria a natureza do "impasse". A reportagem apurou que existem dois entraves: o empreiteiro reluta a entregar todas as informações de que dispõe sobre cartel e irregularidades em empresas estatais. Também não há consenso sobre o valor da multa a ser paga pelo executivo. O MPF exige cifras mais altas que as acordadas com o diretor-presidente da Camargo Corrêa Construções e Participações SA, Dalton dos Santos Avancini, e o vice-presidente, Eduardo Hermelino Leite. Ambos fecharam acordo de colaboração premiada no sábado e aceitaram pagar multa de R$ 5 milhões cada.

Ontem a Justiça Federal de Curitiba ouviu seis testemunhas de defesa em ação por corrupção e lavagem a que respondem Nestor Cerveró, ex-diretor de Internacional da Petrobras e Fernando Soares, acusado de operar para o PMDB. Segundo Marlus Arns, advogado de Eduardo Leite, da Camargo Corrêa, a defesa manterá oitivas des testemunhas até que a delação do executivo seja homologada.

 

Convocações do PT mudam foco da CPI

 

Enquanto a oposição apresentou dezenas de convocações de donos de empreiteiras, ministros e principalmente políticos do petistas para falarem na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobras na Câmara dos Deputados, o PT sugeriu a convocação de apenas cinco pessoas ontem, no primeiro dia para protocolar os requerimentos que nortearão os trabalhos de investigação.

O PT protocolou requerimentos para convocar o ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP) David Zylbersztajn, o ex-presidente da Sete Brasil (que constrói sondas para a estatal) Luiz Eduardo Carneiro e o presidente do banco BTG Pactual, André Esteves. Neste último pedido a legenda quer explicar os negócios do banco com a Petrobras na África - não é citada a denúncia da revista "Época", e negada pelo empresário, de que ele teria pagado propina para a BR Distribuidora.

"Sugerimos convocações cirúrgicas porque temos que primeiro juntar a documentação que não consta do relatório aprovado no ano passado na CPI mista", afirmou o deputado Afonso Florence (PT-BA).

Os petistas também sugeriram a convocação, que é praticamente unanimidade entre os partidos da CPI, do ex-gerente de Serviços da Petrobras Pedro Barusco e o ex-diretor da área Renato Duque. O depoimento de Barusco é central para as pretensões do PT de estender as investigações até o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Foi Barusco quem afirmou que a primeira vez que recebeu propina na empresa foi em 1997. O partido sugeriu apenas o convite para o presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, e os ex-presidentes Sergio Gabrielli e Graça Foster.

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), contudo, defendeu que não cabe requerimento para mudar o pedido inicial da CPI, que pedia a investigação de irregularidades a partir de 2005. "O regimento interno diz que a ementa da CPI tem que ser que cumprida", disse.

PMDB e PP, que têm políticos citados nos desvios, não tinham protocolado nenhum requerimento até a noite de ontem. Já a oposição fez vários pedidos de convocação do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo (PT), do presidente do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, e de políticos do PT, como José Dirceu, o ex-tesoureiro Delúbio Soares, o atual tesoureiro João Vaccari e o ex-tesoureiro de Dilma, Edinho Silva.

Os empreiteiros, poupados na CPI do ano passado, foram alvo de requerimentos do PSOL, PSDB e PSB. Já o SD focou em pedidos para desgastar o novo presidente da estatal e pediu até a convocação de Val Marchiori, suspeita de favorecimento em empréstimos do Banco do Brasil na gestão de Bendine, que agora está no comando da Petrobras. Os requerimentos serão votados na quinta-feira.

 

Chance de acordo de leniência diminui

 

Os acordos de leniência entre o governo federal e as empreiteiras envolvidas na Operação Lava-Jato enfrentam mais uma dificuldade. Desde que o Ministério Público impetrou as ações de improbidade buscando a devolução de R$ 4,48 bilhões, os advogados envolvidos na defesa das empresas têm recomendado cautela dobrada a seus clientes. Como o acordo de leniência é feito no âmbito administrativo, não há garantias de que as empresas não sejam condenadas na Justiça e tenham que pagar multas e ressarcimento novamente. Segundo um advogado que tem participado das conversas com o governo, a insegurança jurídica dos acordos aumentou muito. "As empresas correm o risco de pagar três vezes: a propina, o acordo de leniência e depois ainda arcar com a decisão judicial. Além disso, o acordo não afasta a possibilidade da declaração de inidoneidade", ironiza um advogado. Além de pedir ressarcimento e cobrar multas, as ações impetradas pelo Ministério Público pedem que as empreiteiras sejam proibidas de contratar com o poder público e de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios. Isso faz com que a eventual assinatura de um acordo de leniência com a Controladoria-Geral da União (CGU) não livre as empresas de serem declaradas inidôneas pela Justiça. Na análise dos advogados, a única forma de contornar a insegurança jurídica seria a participação do Ministério Público nos acordos feitos pelo governo federal, ratificando valores e condições impostas. O ministro Luís Inácio Adams, da Advocacia-Geral da União (AGU), em entrevista ao Valor, disse não se opor à ratificação na Justiça. O problema é que os procuradores são contrários que qualquer acordo administrativo entre a União e os empreiteiros seja feito enquanto as investigações estiverem em andamento. Eles alegam que, ao contrário do que afirma o ministro Adams, o acordo de leniência beneficiará as empresas sem, necessariamente, contribuir com novos fatos para a investigação criminal. Segundo os procuradores, muitas informações das delações premiadas já feitas ainda estão em segredo de justiça e não podem ser compartilhadas com a CGU. Desta forma, corre-se o risco de que informações obtidas no acordo de leniência já tenham sido apuradas pelos procuradores. O governo também tenta que o Tribunal de Contas da União (TCU) participe dos acordos de leniência como forma de dar maior segurança às empresas. A avaliação do ministro Adams é que dificilmente um acordo firmado com a participação dos órgãos de controle da União fosse ignorado pela Justiça durante a discussão da ação de improbidade. Os advogados concordam que esta é uma possibilidade real, mas argumentam que, ainda assim, ma solução administrativa não daria condições para a empresa, por exemplo, ajustar seu balanço e desconsiderar eventuais desdobramentos da ação judicial. O principal empecilho para os acordos de leniência continua sendo a indisposição das empreiteiras de confessarem ter cometido crimes. Mas diante da estratégia do Ministério Público de discutir os desvios da Petrobras também na área cível, os acordos com o governo ficaram mais distantes.