Com os racionamentos de energia e água cada vez mais próximos, os Estados e o governo federal estão demonstrando não apenas uma postura meramente reativa na solução desses problemas, mas também falta de imaginação ao deixar de recorrer a ideias novas que poderiam resolver a situação de forma rápida e duradora.

E, se a atual situação não fosse suficientemente assustadora, como será o próximo ano se não chover?

Vamos simplesmente voltar à Idade da Pedra e viver sem energia e água encanada?

Felizmente, hoje existem soluções que podem expandir de forma duradoura e rápida a oferta de energia e água sem causar impacto ambiental: a energia fotovoltaica e o reúso da água.

Essas duas tecnologias atualmente têm custos relativamente atrativos e são usadas de forma ampla e bem sucedida em lugares como a Califórnia, Texas, Espanha e Israel.

Algumas fundações e instituições de ensino, como a Bill & Melinda Gates Foundation ou a Singularity University, estão promovendo projetos para adaptar essas tecnologias para países emergentes.

É preciso permitir que a escassez se reflita nos preços para incentivar a adoção de soluções alternativas

Mas como fazer com que o Brasil adote essas tecnologias nos próximos três a seis meses enquanto ainda temos água e energia para consumir?

Financiamentos do BNDES e incentivos à produção local são expedientes bem intencionados, mas são medidas de longo prazo: como vimos em relação à energia eólica, demorou dez anos para o Brasil se adequar tecnologicamente e, ainda assim, para alcançar pouca capacidade produtiva. Não temos este tempo.

Os governos precisam perder o preconceito e usar, de maneira inteligente, as soluções que o mercado global oferta, muitas vezes de maneira rápida e abundante quando os incentivos corretos são oferecidos, tanto em tecnologia quanto em financiamentos.

Algumas medidas simples precisam ser tomadas: isentar totalmente de impostos e de burocracia a importação de equipamentos de reúso de água e painéis solares e permitir que estrangeiros com especialização nessas tecnologias possam trabalhar no Brasil por um período de pelo menos 12 a 24 meses sem a necessidade de emissão de visto, ou facilitando e agilizando o processo de emissão.

Existe muita capacidade intelectual e de produção no mundo atualmente que pode ser direcionada para o Brasil e que, além de beneficiar o país com a solução desses problemas, significará enormes fluxos de capitais à procura de bons projetos.

Por exemplo, no caso de painéis solares, uma grande vantagem é a possibilidade de instalação no próprio local de consumo (no teto de indústrias, prédios e casas).

microgeração difusa de indústrias e residências já seria atrativa no Brasil em um cenário inicial onde ainda não se consideraria a possibilidade de vender excedente de energia para a rede, mas apenas de abatimento da energia gerada pelos painéis solares e autoconsumida, o que demandaria apenas uma troca de medidor, algo simples e barato.

Neste cenário, além de serem eliminados os impostos sobre a importação dos equipamentos, não se cobrariam os custos de transmissão nem impostos ou encargos sobre a energia, uma vez que, por ela estar apenas suprindo o autoconsumo, existe uma lógica na não cobrança dos impostos e encargos.

Essa viabilidade já existe com um custo de instalação de US$ 5/ Wp.

Nos EUA, esse valor chega a US$ 3,3/Wp em alguns Estados para sistemas residenciais, de acordo com um relatório do governo americano.

Já o custo de instalação para sistemas industriais nos EUA cai para US$ 2,6/Wp.

Além disso, a perspectiva é que esses custos continuem caindo cerca de 5 a 10% ao ano ao longo dos próximos anos, tornando essa fonte de geração cada vez mais atrativa.

A outra vantagem da energia solar é sua grande versatilidade, pois o tempo entre a encomenda dos painéis e a instalação pode ser de meses, e não anos, como a maioria das outras fontes.

A Alemanha conseguiu, com os incentivos certos, acrescentar 30 GW de capacidade solar entre 2008 e 2013.

Se o Brasil acrescentar 5 GW de capacidade solar nos próximos 12 meses, já resolveria grande parte do problema atual de escassez.

Tão importante como essas medidas é deixar com que a escassez de água e energia se reflita em seus preços a fim de criar os incentivos para que pessoas e empresas recorram a essas soluções com base na lei de oferta e demanda.

No setor elétrico, parece que finalmente (apesar de muito tarde) os preços estão refletindo a escassez do produto e a necessidade de incentivar, em larga escala, a eficiência de fontes alternativas.

Já se discutem aumentos gerais de cerca de 40% para a energia em 2015, além da entrada do sistema de bandeiras tarifárias ocorrido em janeiro.

Porém, o mesmo não vem ocorrendo com os preços da água, que precisariam refletir a escassez de maneira correta.

Assim, a criação de um sistema de bandeiras semelhante ao da energia, que reflita o baixo nível dos reservatórios com aumentos temporários de preços (por exemplo, 20% em bandeira amarela e 40% em bandeira vermelha) poderia ser uma solução simples e rápida para essa questão, que não apenas incentivará o uso mais racional e o reúso da água, como também ajudará a financiar os grandes projetos necessários ao setor.

Adotadas essas medidas, muitas empresas nacionais e estrangeiras terão incentivo para aproveitar essa nova oportunidade de mercado com a instalação de painéis solares e equipamentos de reúso da água em indústrias e casas do Brasil inteiro.

Possivelmente algumas empresas e setores se sentirão ameaçadas por tais medidas.

No entanto, o acesso de 200 milhões de brasileiros à água e energia não seria mais importante do que proteger os interesses de poucos?

Como muito bem colocado pelo ministro Joaquim Levy em sua posse, precisamos combater o patrimonialismo no país.