Para consumidores, inflação real é maior

Correio Braziliense

08/02/2015

A inflação nas alturas está tirando o sono dos brasileiros. A cada ida ao supermercado, o susto é maior. Há pelo menos 12 anos não se vê um processo tão disseminado de reajuste de preços. As queixas contra a carestia não têm idade. Jovens, adultos ou velhos reclamam de que, todos os meses, gastam muito mais com itens básicos para abastecer a despensa de casa. Quem costuma guardar as notas do supermercado e compará-las não tem dúvidas de que o custo de vida subiu muito mais do que os índices divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Para a estudante de medicina Juliana Nogueira, 21 anos, o quadro atual é alarmante. "Vejo sinais de descontrole dos preços", afirma. Ela diz que tem mania de acompanhar os valores de tudo o que compra. Faz isso, sobretudo, porque o dinheiro de que dispõe não é muito. Vive da mesada que recebe dos pais, que moram na Índia. A jovem ressalta que, desde quando estava no ensino médio, cinco anos atrás, passou a medir a evolução de seus gastos. "Naquela época, um carrinho com o que precisava para o mês - limitado a produtos básicos, como frutas, legumes, leite, iogurte, pão e arroz - resultava em uma conta de R$ 150. Agora, não deixo menos do que R$ 300 no caixa para levar os mesmos itens. Um aumento de 100%", frisa.

Juliana faz parte de um exército crescente de jovens consumidores vigilantes. Diferentemente dos fiscais do Sarney, no Plano Cruzado dos anos 1980, eles não conheceram a época em que a inflação diária era igual ao que se registra hoje em um ano. O objetivo da fiscalização era verificar se os estabelecimentos estavam burlando o congelamento, um mecanismo que se revelou ineficaz, apenas trocando a carestia por desabastecimento.

O administrador de empresas Guilherme Bicalho, 25, reconhece que o país está longe de mergulhar na hiperinflação que levou o Brasil a perder pelo menos duas décadas. Mas, para ele, não se pode brincar com a carestia, pois os efeitos sobre a economia são perversos. No que depender dele, porém, a inflação não prosperará. "Não compro nada que esteja caro", assegura. Ele guarda as notas de todas as compras feitas no supermercado nos últimos dois anos. E, por causa da remarcação exagerada de preços, já reduziu as compras de carne e de ovo. "Os preços subiram demais."

Pressão no bolso

Os consumidores que estão assustados com o atual nível da inflação podem se preparar para o pior. Neste ano, o bolso não terá trégua. Os economistas alertam: alívio, se houver, só em 2016. Apenas em janeiro, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) cravou alta de 1,24%, a maior taxa desde fevereiro de 2003. Em 12 meses, o acumulado chegou a 7,14%. A expectativa é de que 2015 encerre com o custo de vida bem acima do teto da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de 6,5%.

Prevendo tempos difíceis, a engenheira Mariana Correia, 57 anos, já começou a rever os gastos. Com duas filhas, uma de 24, outra de 19, ela ressalta que, a cada vez que vai ao supermercado, a conta fica mais cara. O fato de "tudo ter aumentado um pouquinho" acaba fazendo diferença no orçamento da família. O jeito está sendo recorrer a promoções para minimizar o estrago da inflação. Ela diz que vai várias vezes ao supermercado ao longo do mês conferir o que está mais em conta. "Muitas vezes, surgem promoções que eu perderia se comprasse tudo de uma vez só", explica. Outra forma de economizar é variar as marcas. "Iogurte, por exemplo, sempre que uma empresa aumenta o preço, compro de outra que está mais em conta."

Também assustada com o preço do iogurte, a estudante Juliana Nogueira, 21, passou a fabricar o produto em casa. "Procurei receita na internet e comecei a fazer. Rende muito mais e fica bem mais barato", destaca. Para o administrador Guilherme Bicalho, 25, às vezes é preciso ser radical e não comprar. Do fim de novembro de 2014 até quarta-feira passada, a escova de dente teve reajuste de 47%. Diante de tanta carestia, ele fica se perguntando: como pode o governo dizer que a inflação está sob controle?

O economista Carlos Thadeu Filho, gestor da Franklin Templeton, explica que os consumidores se assustam com os aumentos nos supermercados porque visitam esses estabelecimentos com mais frequência. Por isso, têm a sensação de que a carestia é maior do que a revelada pelos índices oficiais de inflação. Ele assinala que a cesta de produtos que compõem a inflação é ampla. "No caso dos eletrônicos, por exemplo, houve queda de preços. Só que é mais raro fazer esse tipo de compra", nota.

Além da frequência maior, o que mais se busca nas gôndolas são alimentos, especialmente os castigados pelos fatores meteorológicos. "O ano passado foi de seca no Sudeste e no Centro-Oeste. E 2015, aparentemente, também será", afirma Freitas, que prevê IPCA de 7,5% neste ano. "Os quatro primeiros meses vão concentrar a maior parte dos aumentos de preços, com a inflação acumulando alta de 4% no período", avisa.