A novela em torno das concessões de 42 distribuidoras de energia que vencem entre 2015 e 2017 está perto do fim. O modelo de renovação dos contratos já foi definido e deve ser anunciado em abril, segundo o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga.

Em entrevista ao Valor, Braga disse que serão estabelecidos planos quinquenais de investimentos, com metas verificáveis a cada 12 meses. O objetivo é dar um salto de qualidade nos indicadores operacionais das empresas. Uma das prioridades é enquadrar as distribuidoras que extrapolam os limites máximos de frequência e duração dos cortes de luz. Esses limites são fixados anualmente pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e cerca de metade das concessionárias tem hoje sérios problemas para cumpri-los.

2015-01-19 Eduardo Braga

Eduardo Braga: ministro de minas e energia

A partir de julho, expiram os contratos de pesos-pesados do setor, como Cemig (MG) e Copel (PR). Todas as sete distribuidoras controladas atualmente pela Eletrobras também estão com suas concessões prestes a expirar. A lista inclui ainda empresas como a brasiliense CEB, a catarinense Celesc e a gaúcha CEEE. Quem já se enquadra nas metas estipuladas pela Aneel não está livre de aperto no nível de qualidade do serviço prestado, segundo o ministro.

“Nosso plano já está desenhado e prevê investimentos obrigatórios em um período de cinco anos, com metas e penalizações anuais”, afirmou Braga. “A expectativa do consumidor muda de acordo com a região em que ele mora. A expectativa de quem mora na região metropolitana é diferente de quem mora em áreas afastadas. É preciso que se compreenda que a sociedade brasileira está muito mais complexa do que antes e as pessoas têm um nível de exigência da prestação dos serviços maior.”

O período de extensão dos novos contratos deve ser de 20 a 25 anos. Tudo depende, conforme o ministro, da calibragem dos investimentos que serão exigidos pelo governo. Ele admitiu que o Ministério da Fazenda cultiva a ideia de que as renovações sejam acompanhadas da cobrança de outorga e possam dar uma contribuição à meta fiscal. Sem descartar essa hipótese, Braga chama a atenção para o equilíbrio econômico das distribuidoras. “Não podemos exaurir o setor, que começou a se recuperar.”

Numa das peças orçamentárias enviadas ao Congresso Nacional pela antiga equipe econômica, no ano passado, o governo contava com uma receita extraordinária de R$ 2 bilhões pelas outorgas. Braga disse apenas que essa cifra pode ser “factível”.

De acordo com fontes da Eletrobras, a prorrogação das concessões permitirá retomar imediatamente o processo de venda do controle de suas empresas no ramo de distribuição, que fogem do foco da estatal. Além de gerar alívio ao caixa da Eletrobras, a operação pode render dividendos ao Tesouro Nacional, como acionista da empresa elétrica.

Questionado sobre o assunto, Braga afirmou apenas que é preciso dar um passo de cada vez: “Temos que ir dando passos responsáveis. O que está bastante claro é que precisamos ter a renovação, agregar valor às distribuidoras e fazermos um plano consistente de curto, médio e longo prazo”. A Eletrobras já vinha administrando seis distribuidoras: Amazonas Energia, Eletroacre, Boa Vista Energia (RR), Ceal (AL), Cepisa (PI) e Ceron (RO). Na semana passada, também assumiu formalmente a goiana Celg.

Em setembro de 2012, com a edição da MP 579 – depois convertida na Lei 12.783 -, a presidente Dilma Rousseff criou o arcabouço legal para a renovação das concessões do setor elétrico.

Na época, foram prorrogados os contratos de geração e transmissão mediante a queda de mais de 70% das tarifas que eram praticadas. Algumas geradoras – Cesp, Cemig e Copel – não aceitaram as condições. Faltou, no entanto, uma definição sobre as distribuidoras. Braga deixou claro que haverá relicitação somente das concessões cujos controladores atuais não tiverem interesse em renovar os contratos.

Outro nó que estava pendente também foi desatado. O ministro informou ter fechado a terceira e última “tranche”, no valor de R$ 3,15 bilhões, do empréstimo para socorrer as distribuidoras pelas despesas com o acionamento intensivo das térmicas e com a exposição ao mercado de curto prazo de energia. A operação garantiu ainda a extensão, de 24 para 54 meses, do prazo de pagamento do empréstimo pelos consumidores.

Com isso, os reajustes para a devolução dos R$ 21 bilhões tomados pela Câmara Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) nos bancos vão ter um acréscimo de 6,5 pontos percentuais nas contas de luz. Antes da extensão do prazo, o impacto vinha sendo estimado pela Aneel em até 12 pontos percentuais.

Para o ministro, as medidas tomadas pelo governo nas últimas semanas praticamente afastam as chances de racionamento neste ano. “Os riscos são cada vez menores”, disse. Hoje, os reservatórios das regiões Sudeste e Centro-Oeste, os principais do país, estão com 23,7% da capacidade.

Para tranquilizar o mercado nos próximos anos, Braga ressalta a importância de reforço no suprimento de energia para os horários de ponta, que migraram para o início da tarde – especialmente no verão, quando os aparelhos de ar-condicionado estão ligados, devido ao calor.

Segundo ele, já foram identificadas turbinas que podem ser instaladas quase imediatamente, perto dos centros consumidores, onde há linhas de transmissão e subestações disponíveis. Elas precisam de fornecimento de gás e a articulação para a compra dos equipamentos tem recebido atenção do governo. Braga disse que há potencial para acrescentar 340 megawatts (MW) à matriz em um prazo muito curto, de cerca de seis meses, e mais 340 MW em um ano.

 

Com linha de transmissão a "passos de tartaruga", consórcio pode perder contrato

 

Acabou a paciência do governo com os atrasos acumulados pela concessionária responsável por construir a linha de transmissão que vai escoar a energia produzida pela hidrelétrica Teles Pires, na divisa dos Estados do Mato Grosso e do Pará, para os grandes centros do país. O alerta foi feito pelo ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, em entrevista ao Valor. A usina já poderia estar gerando parte dos seus 1.820 megawatts (MW) desde janeiro. Entretanto, em plena crise de energia, esse reforço crucial ao sistema interligado não pode ocorrer por causa dos atrasos na construção do linhão. O projeto de transmissão foi licitado em 2012. O vencedor da disputa foi o consórcio formado pelos chineses da State Grid, com a fatia de 51%, e pela Copel, com 49%. Atualmente, as duas empresas comandam o construção da linha, por meio da concessionária Matrinchã Transmissora de Energia. Na visão do ministro, não há mais o que discutir com os empreendedores, que insistem em não cumprir os prazos contratuais. Ele destaca que não existe qualquer entrave, ambiental ou fundiário, à execução das obras. "E elas andam a passos de tartaruga", reclamou. Braga disse que deu aval à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para que adote medidas drásticas. "Tudo com amplo direito de defesa. Existem cláusulas contratuais de punição. A primeira delas é a execução da garantia, seguida da aplicação de multas, até a mais severa, que é a cassação". A gravidade da situação, segundo o ministro, já foi passada para o governo do Paraná, que é o controlador da Copel. "Conversei com o governador Beto Richa (PSDB) exatamente porque isso tem implicações óbvias", afirmou. Na assinatura do contrato, a Matrinchã apresentou garantias bancárias no valor de R$ 90 milhões, que correspondem a 5% do investimento. A linha deveria ser concluída em 32 meses. Ao vencer o leilão, o consórcio liderado pela State Grid arrematou o projeto com a proposta de receita anual de R$ 126,4 milhões - deságio de 43% em relação ao valor do edital. Ao Valor, a Matrinchã informou que não "vê motivo" para penalidades. A empresa alega que o atraso da obra é de apenas seis meses, "muito inferior à média de 19 meses de atraso que tem ocorrido em obras do setor". Os empreendedores informaram ainda que já fizeram uma solicitação de prorrogação de cronograma, por motivo de atrasos nos licenciamentos e nas liberações de interferências com sítios arqueológicos.

 

Para elétricas, racionar é melhor que 'racionalizar'

 

Enquanto "racionamento" é palavra proibida para o governo, investidores e empresários do setor de energia elétrica temem mais ainda a "racionalização". A redução voluntária do consumo traz mais prejuízo para geradoras e distribuidoras do que a diminuição compulsória da demanda, além de empurrar para 2016 o risco de desabastecimento. O cenário é mais complicado para as geradoras, que já enfrentam forte pressão de custos por conta do déficit de geração hídrica. Pelas regras do setor, a diferença entre a garantia física das hidrelétricas e o que elas efetivamente produzem é comprado no mercado de curto prazo ("spot"), a preços mais elevados. Com redução voluntária do consumo e térmicas operando no máximo, a fatia da geração hídrica, na prática, seria menor, obrigando as hidrelétricas a incorrer em custos ainda mais elevados. Só no ano passado, com déficit de geração de 10%, esse efeito trouxe gastos de R$ 20 bilhões. Neste ano, com demanda menor, o déficit hídrico pode atingir até 30%, estima o banco J.P. Morgan, exigindo desembolsos na casa de R$ 52 bilhões. No caso de racionamento, as garantias físicas das hidrelétricas também seriam cortadas, reduzindo a necessidade de compras de energia e o impacto sobre os custos. Nas contas do Credit Suisse, se o governo impuser racionamento de 10% na demanda, as receitas das hidrelétricas cairiam 47% no ano. Em caso de redução voluntária da demanda da mesma magnitude, a queda chegaria até a 62%. A avaliação do Credit é que, se as medidas de redução do consumo forem bem­sucedidas, a companhia mais afetada seria a Cesp, que é uma geradora pura e terá a maior parte de suas concessões devolvidas à União em julho. Na contramão, a geradora mais protegida desse cenário é a Tractebel, que tem usinas térmicas que oferecem "hedge" em relação ao déficit de geração hidrelétrico e possui concessões de mais longo prazo. Apesar de enfrentarem um problema de menor magnitude, as distribuidoras também seriam menos prejudicadas por um cenário de racionamento do que de racionalização do consumo, apontam analistas. Isso porque, no caso de um decreto para reduzir a demanda, há cláusulas de reequilíbrio de contrato que compensam as perdas com o volume menor entregue aos consumidores. Sem esse decreto, as companhias ficam sujeitas a perdas de faturamento por conta do consumo menor. Em teleconferência com analistas, o presidente da Light, Paulo Roberto Pinto, destacou que a racionalização traz um descompasso entre os custos e as receitas. O executivo da distribuidora fluminense, que tem um dos maiores índices de perdas de energia do país por conta das ligações ilegais ­ os populares "gatos" ­, destacou que os consumidores que não têm o hábito de pagar a conta não se sensibilizam com as campanhas do governo. "No caso de racionamento, se a metodologia for o corte de carga, ela minimiza as perdas da Light", ressaltou. Ainda que os efeitos do aumento tarifário médio de 23% no começo de ano e das campanhas para economia de energia sejam uma incógnita, as distribuidoras já trabalham com projeções conservadoras para a demanda no ano. No caso da AES Eletropaulo, a previsão ­ considerada otimista pelo mercado ­ é que o consumo fique estável em relação a 2014, considerando apenas o impacto dos reajustes. Na Cemig, os executivos trabalham com queda entre 3% e 6% na demanda, segundo analistas de bancos de investimento. Além do impacto sobre as empresas do setor, analistas apontam que a estratégia do governo de optar pela economia voluntária, e não por medidas mais drásticas, pode apenas adiar o problema. Pelos cálculos do Morgan Stanley, mesmo que haja redução de 5% na demanda, como sinalizou o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, é preciso que as chuvas fiquem acima de 70% da média. Nesse caso, os reservatórios do Sudeste chegariam ao fim de abril em cerca de 30% da capacidade e, conseguiriam, portanto, passar pela fase seca e encerrar novembro no nível de 10% ­ considerado pelo governo como o mínimo aceitável para o período. "Ainda assim, estaríamos muito longe de níveis confortáveis, deixando o sistema altamente dependente de uma boa temporada chuvosa em 2016", afirmou o analista Miguel Rodrigues em relatório. O Credit Suisse vai na mesma linha e acredita que a postura mais arriscada do governo em relação ao nível dos reservatórios neste ano deve transferir o problema para o médio prazo. "Acreditamos que a campanha de racionalização está aumentando a percepção de risco no setor de energia elétrica, na medida em que não remove de forma mais firme o cenário de estresse entre oferta e demanda para os próximos anos", destaca o analista Vinícius Canheu.

 

Energia solar responderá por 13% do consumo residencial

 

Cerca de 13% do consumo elétrico residencial em 2050 deverá ser suprido por energia solar por meio de painéis fotovoltaicos instalados nas casas. A estimativa, feita pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), faz parte do Plano Nacional de Energia (PNE) 2050. O estudo, que traçará os cenários previstos de oferta e demanda de energia e a projeção de expansão de cada fonte no país nos próximos 35 anos, deve ser lançado ainda este ano.



A estatal prevê que a energia solar fotovoltaica instalada nas unidades consumidoras ­ a chamada geração distribuída ­ alcançará uma capacidade instalada de 78 gigawatts (GW) em 2050. O dado é relativo ao cenário de referência trabalhado pela EPE. Considerando um cenário que envolva ações de fomento para a tecnologia, esse volume pode saltar para 118 GW (o equivalente a quase 90% do parque gerador brasileiro atual). "A estimativa é que, na maior parte do mundo, inclusive no Brasil, a partir de 2020", ela [a geração distribuída] comece a ser competitiva com a tarifa residencial", afirmou o presidente da EPE, Maurício Tolmasquim, ao Valor. 

De acordo com estimativas da EPE, o setor residencial responderá por 33 GW dos 78 GW previstos no cenário de referência. Outros 29 GW devem ser instalados em unidades do segmento de comércio e serviços, a partir de projetos instalados em estacionamento de supermercado, shoppings etc. O setor industrial deve contribuir com 13 GW e o setor público, com 3 GW de potência instalada. 

Em termos de produção de energia, considerando um fator de capacidade médio de energia solar descentralizada de 18% a 20%, esses 33 GW de capacidade instalada nas residências correspondem a 5 GW médios de energia.

É esse número que equivale a 13% do consumo elétrico previsto para o setor residencial em 2050. Segundo Tolmasquim, considerando o potencial técnico de energia solar descentralizada no país, descartando fatores como viabilidade econômica, o volume de energia produzida pelas residências pode chegar a 32 GW médios. Esse número equivale a 2,3 vezes o consumo elétrico residencial do país em 2013. "Esse é um potencial técnico. É claro que ninguém pensa que vai ter painel em todas as residências, tanto é que a nossa projeção é bem mais modesta." O presidente da EPE afirmou que o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) discute a eliminação da incidência de ICMS sobre a energia produzida por projetos solares fotovoltaicos nas residências. Hoje, o consumidor que possui painéis solares paga ICMS sobre toda a energia recebida da distribuidora, sem descontar o volume que produziu e forneceu ao sistema.

A ideia é que o ICMS passe a incidir apenas sobre a diferença entre a energia comprada da distribuidora e o volume devolvido ao sistema. Além disso, Tolmasquim vê sinergia entre os projetos de geração distribuída e de grandes parques solares, que terão dois leilões exclusivos de contratação de energia. Com isso, na prática, haverá aumento de escala na produção de painéis fotovoltaicos, permitindo redução de custos.