Assim que concluir a assinatura de um acordo de leniência com uma das empresas suspeitas de participação num cartel envolvendo licitações da Petrobras, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) deverá instaurar processo formal contra as demais companhias envolvidas. A expectativa é a de que a leniência com a Setal Óleo e Gás seja assinada nos próximos dias. Imediatamente após a assinatura, algumas das maiores empreiteiras do Brasil serão processadas com base na Lei Antitruste (12.529) - e esse processo deve se tornar um dos maiores casos de cartel da história do Cade. A maior condenação do órgão antitruste ocorreu em maio de 2014, quando cinco empresas - as cimenteiras Votorantim, InterCement (Camargo Corrêa e Cimpor), Itabira e Holcim - foram punidas em R$ 3,1 bilhões em multas pela acusação de formação de cartel no setor de cimento e concreto. O suposto cartel da Lava-Jato envolveria um número quatro vezes maior de empresas e as penas variam de 0,1% e 20% do faturamento de cada uma delas. As negociações com a Setal estão bastante adiantadas no Cade. A empresa deverá entregar provas, reconhecer a existência, culpa e participação no cartel em troca de redução de pena. Provavelmente, a Setal ficará isenta do pagamento de multa. O processo será aberto com base nas investigações feitas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público na Operação Lava-Jato. Essas investigações envolvem as delações feitas por suspeitos que resolveram colaborar com a Justiça, como Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras. Em seu depoimento, Costa disse que o cartel era organizado em torno de empresas ligadas à Associação Brasileira de Engenharia Industrial (Abemi) e passou a funcionar a partir de 2004. O ex-diretor citou a participação de 16 empresas como integrantes efetivas do suposto cartel e outras seis como participantes eventuais. Na primeira lista, estão: Galvão Engenharia, Odebrecht, UTC, Camargo Corrêa, Techint, Andrade Gutierrez, Mendes Júnior, Promon, MPE, Skanska, Queiroz Galvão, Iesa, Engevix, Setal, GDK e OAS. Na segunda lista, aparecem: Alusa, Fidens, Jaraguá Equipamentos, Tomé Engenharia, Construcap e Carioca Engenharia. O Cade vai considerar ainda as operações de busca e apreensão de documentos na sede das empresas para abrir as investigações. Ao todo, foram apreendidos 100 terabytes em documentos na sede das empreiteiras. O número é três vezes maior do que a quantidade de material apreendido nas apurações do suposto cartel do metrô, em São Paulo. Naquele caso, o órgão antitruste obteve 30 terabytes. Apesar da grande quantidade de documentos, os investigadores se depararam com um problema. A busca e apreensão foi realizada, em novembro, seis meses depois do início da Lava-Jato. Isso deu tempo suficiente para que funcionários das empresas destruíssem provas comprometedoras. Para dificultar ainda mais a situação da equipe responsável pelas investigações, não foi requerida a busca nos servidores dos computadores das empresas, onde ficam os e-mails apagados, mas apenas nos HDs dos computadores. Normalmente, os investigadores do Cade vão direto nos e-mails apagados para encontrar as provas de ilícitos. Na Lava-Jato, isso não poderá ser feito. Esse fato deverá dificultar o trabalho dos técnicos do órgão, que terão que buscar as supostas provas de cartel em meio a uma montanha de documentos. Mas a grande quantidade de documentos indica alta probabilidade de se encontrar indícios e provas de cartel. Apesar de ter sido apontada como organizadora do cartel nos autos da Lava-Jato, a Petrobras não deverá ser acusada formalmente pelo órgão antitruste. Nas discussões internas do Cade está prevalecendo a ideia de que processar a empresa seria punir os seus acionistas e esses nada têm a ver com o suposto cartel e com os supostos crimes cometidos dentro da empresa. Por isso, o órgão antitruste deverá requerer a punição aos servidores da estatal que participaram das fraudes. Esses pedidos deverão ser feitos ao Ministério Público Federal, que já está investigando gerentes e diretores da Petrobras. Se confirmada, essa isenção à Petrobras seguiria o mesmo padrão das investigações do suposto cartel do metrô - processo no qual a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) é tratada como vítima, apesar de alguns de seus servidores terem participado de condutas caracterizadas como fraudulentas. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, estimou que o cartel da Lava-Jato desviou mais de R$ 1 bilhão da Petrobras num esquema que envolveu diretores da estatal, representantes de empreiteiras e políticos. Segundo ele, as empresas passaram a dividir entre si as obras da Petrobras, evitando que outras concorrentes fossem convidadas para os processos seletivos. Janot comparou as regras do cartel a um "campeonato de futebol" e disse que havia a repartição das obras "ao modo da distribuição de prêmios em um bingo". Antes da licitação, as empresas já sabiam quem seria a vencedora e as demais apresentavam lances apenas para dar "aparência de legalidade ao certame". O procurador-geral disse que os diretores da Petrobras foram cooptados pelas empresas e que o esquema foi facilitado por partidos políticos. Os diretores teriam recebido vantagens indevidas e, em troca, atuavam em favor das empresas, restringindo as convocações para as licitações. Ele calculou o sobrepreço entre 1% e 5% do valor dos contratos e dos eventuais aditivos. Esse valor não era repassado apenas aos diretores da estatal, mas também a políticos de partidos responsáveis pela manutenção desses primeiros em seus cargos.