Com aumento do endividamento e gastos maiores com investimentos em ano eleitoral, em um cenário de baixo crescimento da receita, a ausência de esforço fiscal dos governos regionais no ano passado surpreendeu economistas e coloca mais uma dificuldade para o cumprimento da meta de superávit primário do setor público consolidado neste ano. Em 2014, enquanto as projeções iniciais eram de um resultado positivo de 0,4% do PIB, os Estados e municípios encerram o ano com déficit de 0,15%, o equivalente a um quarto do rombo fiscal do setor público no ano passado.

O ajuste já anunciado por governadores eleitores, segundo alguns Estados ouvidos pelo Valor, dificilmente vai reverter esse cenário, especialmente diante da queda de preço das commodities e possibilidade de recessão.

Além disso, ao contrário do que ocorreu em 2013 e 2014, neste ano a Lei de Diretrizes Orçamentárias voltou a prever que, caso os governos regionais não cumpram a meta de 0,2% do PIB para 2015, a compensação será feita pelo governo central. Para o pesquisador Gabriel Leal de Barros, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre­FGV), este é mais um obstáculo para que a meta de 1,2% do PIB seja alcançada.

O pesquisador observa que três regiões registraram déficits elevados no ano passado, como proporção da receita corrente líquida (RCL): Norte (­1,7%), Nordeste (­1,6%) e Sudeste (­1,8%). Em 2013, apenas o Norte havia registrado déficit nessa comparação, de 0,8% da receita. “Não é uma piora pontual, é generalizada”, diz Barros.

Ainda assim, afirma, como proporção do PIB, o problema está concentrado em São Paulo e no Rio de Janeiro. Juntos, os dois Estados, capitais e principais municípios saíram de um superávit primário em 2013 de 0,2% do PIB para déficit de 0,2% no ano passado, praticamente ditando a evolução das contas públicas nos governos regionais no período.

Vários fatores devem atrapalhar a arrecadação nessas duas regiões neste ano, comenta Barros. A crise da água, por exemplo, tende a ter efeitos relevantes sobre a receita paulista, enquanto o Rio sofre com a queda do preço do barril de petróleo.

Renato Villela, secretário da Fazenda paulista, ressalta que, apesar do impacto da crise nas receitas, os governos regionais entendem que é preciso fazer um esforço de contenção. Segundo ele, o Estado de São Paulo deve encerrar o ano com resultado primário parecido com o de 2014, quando o superávit alcançado foi de R$ 4,59 bilhões, segundo o critério da Lei de Responsabilidade Fiscal. Pelos dados divulgados pelo Banco Central, porém, o governo estadual, em conjunto com a capital e principais municípios, teve déficit de R$ 3,45 bilhões.

Para este ano, diz Villela, “é preciso ver como o PIB se comporta daqui para a frente.” Ele explica que havia uma projeção inicial de expansão entre 0,7% e 0,8% este ano, mas novas avaliações estão sendo feitas para verificar o efeito de uma “piora das perspectivas”. Segundo Villela, a secretaria já iniciou estimativas internas para projetar o impacto de um recuo de 0,5% na economia.

Em janeiro, a arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) não foi animadora. A receita com o tributo caiu 4,5% em termos reais, na comparação com igual mês do ano passado. Uma queda bem maior que o recuo de 2,1% em 2014, em relação ao anterior, e da redução de 1,8% em dezembro, na comparação com igual mês de 2013. Sempre em termos reais e excluindo a receita com parcelamentos. Apesar da queda maior em janeiro, Villela afirma que o desempenho está dentro do previsto para o mês e diz ser necessário esperar ao menos o primeiro trimestre para fazer projeções concretas para o ano.

A ideia, diz Villela, é não abrir mão dos investimentos para este ano, mesmo com o impacto da desaceleração na arrecadação. “O Estado vai tentar executar o programado. O contingenciamento inclui uma parte de investimentos que podem ser liberados com a entrada de recursos, mas tentaremos conter o custeio.” Anunciado logo após a posse, em janeiro, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) estabeleceu contingenciamento de R$ 6,6 bilhões, além de corte de 10% nas despesas de custeio e 15% nos gastos de cargos de comissão.

Amir Khair, especialista em contas públicas, lembra que os governos regionais têm menores possibilidades de redução de despesas na comparação com a União. “Eles são menos elásticos e terão de fazer um esforço para ajustar os gastos ao que irão arrecadar, mas além de controlar mais as despesas há pouco a fazer além de tentar negociar com fornecedores ou reduzir cargos comissionados”, afirma.

Além disso, diz, o governo federal deve também adiar iniciativas que pressionem gastos. “O Tesouro deve cozinhar a regulamentação sobre o novo indexador da dívida e ficar mais restrito nos programas de ajuste fiscal para não elevar o endividamento dos Estados.”

 

Com mais empréstimos autorizados pelo Tesouro, dívida cresce

 

O aumento do endividamento, principalmente no Norte e no Nordeste, com autorizações para captação de empréstimos concedidas pelo Tesouro Nacional a partir de 2011, é outro motivo apontado pelos Estados para a piora do resultado fiscal. Como esta é uma receita financeira, não entra na conta do resultado primário, mas a despesa com investimentos reduz o superávit.

Por meio da assessoria de imprensa, o Estado do Rio de Janeiro afirmou que “a evolução do déficit primário reflete o volume de investimentos que vem fazendo, financiado principalmente com recursos provenientes de operações de crédito”. Na nota, o Estado afirmou que em 2014 75% do valor investido foi financiado com recursos de empréstimos, cerca de R$ 5,7 bilhões.

Segundo Wanderlei Pereira das Neves, diretor de captação de recursos da Fazenda de Santa Catarina, o Tesouro não liberou a revisão do Programa de Reestruturação e Ajuste Fiscal (PAF) em 2014, o que foi interpretado “como um reflexo da nova política econômica do governo federal, uma medida de contenção ditada pelo novo ministro”.

No ano passado, o Estado teve déficit primário de R$ 654 milhões, enquanto o resultado projetado para 2015 é negativo em R$ 716 milhões. Neves também atribui o resultado negativo aos financiamentos. “Os Estados tiveram no total déficit de R$ 11 bilhões no ano passado, então claro que tem reflexo da política de concessão de empréstimos, e agora estão fechando a torneira”. O diretor, porém, contesta a decisão em relação à Santa Catarina, já que o Estado vem cumprindo as metas estabelecidas no PAF.

Segundo ele, o Estado está adotando medidas para adequar o gasto com pessoal ao limite prudencial. Em 2014, 47% da receita corrente líquida do Estado estava comprometida com a folha. O limite prudencial é de 46,55%. “Mas não tem como fazer investimentos em volume grande com operações de crédito e gerar superávit. Não é papel do Estado fazer poupança”.

No Espírito Santo também não há perspectiva de melhora neste ano. O corte de 20% em despesas e reestimativa de receitas não será suficiente para reverter o déficit observado no ano passado, diz a secretária de Fazenda, Ana Paula Vescovi.

Pela LDO, o Espírito Santo registrou resultado negativo de R$ 988 bilhões em 2014. Neste ano, o déficit deve subir a R$ 1,3 bilhão. Para Ana Paula, além do descompasso entre arrecadação e gasto nos últimos dois anos ­ entre 2012 e 2014 a expansão foi de 16% nas receitas e de 29% nas despesas ­ a conjuntura atual também não deve ajudar. A fraca atividade econômica levou a uma redução de 2,7% da previsão de receita com ICMS e a queda do preço do barril de petróleo no mercado externo, à redução em 16,5% da previsão de receita com royalties e participações especiais.

Na Bahia, a meta deste ano é um superávit primário de R$ 812 milhões, resultado um pouco menor que os R$ 1,13 bilhão positivos de 2014. João Aslan, subsecretário da Fazenda baiana, lembra que em 2014 o Estado superou a meta, que era de déficit de R$ 686 milhões. As expectativas sobre receitas são conservadoras. Espera­se, diz ele, alta de 8% nominais para a arrecadação de ICMS. A recomposição do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) também não deve elevar muito o repasse de Fundo de Participação dos Estados (FPE), calcula Aslan. Segundo ele, a estimativa é de alta de 5,7% nominais para o FPE este ano.

“Em 2015 o esforço fiscal será ainda mais difícil”, diz José Tostes Neto, coordenador dos Estados no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Ele diz que os Estados tiveram primário aquém do esperado em 2014 por conta de repasses que foram adiados pela União e também pelo impacto do piso salarial dos professores em alguns Estados.

 

Ministros e sindicatos não chegam a acordo sobre seguro-desemprego e abono

 

Em reunião com os três ministros do governo, representantes dos trabalhadores defenderam ontem outras propostas para o ajuste fiscal em curso, entre elas o aumento do Imposto de Renda Pessoa Jurídica e de tributos sobre grandes fortunas. Essas novas opções, segundo a proposta, substituiriam as medidas provisórias que modificam regras para o seguro-desemprego, abono salarial e pensão por morte, revogando-as. O governo assegurou que as medidas não serão revogadas e sua entrada em vigor não será adiada.

O governo pretende economizar R$ 18 bilhões com as mudanças que tornam mais rigorosas as regras de acesso ao seguro-desemprego, abono salarial e pensão por morte. O número, no entanto, está superestimado, segundo especialistas. Entre as mudanças rechaçadas pelos sindicalistas está o aumento no prazo de carência do seguro-desemprego de seis para 18 meses, no caso da primeira solicitação, de 12 meses na segunda e de seis meses na terceira.

Na tentativa de evitar maior desgaste e derrotas do seu plano de ajuste fiscal, o governo tentou de todas as formas entrar em consenso com as centrais sindicais antes da votação das medidas provisórias no Congresso Nacional. Não chegou a resultados positivos. Depois da reunião com os ministros, representantes dos trabalhadores continuaram a defender a revogação das MPs.

 

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‘’Na nossa avaliação, há a necessidade da revogação porque atinge principalmente trabalhadores que ganham menos e são mais jovens’’, afirmou o presidente da Força Sindical, Miguel Torres. ‘’Se fosse hoje, o pacote não passaria no Congresso’’.

As centrais pediram ainda que o ajuste fiscal seja feito ‘’sem prejudicar os trabalhadores’’.

Segundo o ministro da Previdência, Carlos Gabas, esta mais fácil chegar a um acordo sobre as mudanças no pagamento de pensões, onde os sindicalistas teriam menos resistência. No caso do seguro-desemprego, o ministro disse que falta o entendimento dessas regras. As conversas continuarão em reunião marcada para a semana que vem.

De acordo com Gabas, o governo pretende negociar as mudanças, mas mandou as medidas para o Congresso com o objetivo de que sejam aprovadas. Ele voltou a dizer que as correções são necessárias e não retiram direitos dos trabalhadores, argumentos também usados pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy.

‘’A negociação não terminou, difícil dizer neste momento do que o governo não abrirá mão. É claro que mandamos as medidas para o Congresso com o objetivo de serem aprovadas’’, afirmou.

Segundo o ministro, não haverá ‘’de forma alguma’’ adiamento na entrada em vigor das medidas, algumas previstas já para a próxima semana. Além de Carlos Gabas, participaram da reunião os ministros do Planejamento, Nelson Barbosa, e do Trabalho, Manoel Dias.
Os representantes das centrais sindicais, entretanto, deram o tom da dificuldade que o governo enfrentará para aprovar as medidas. ‘’Nossa proposta fundamental é, como o governo não se propõe a negociar as MPs, derrubá-las no Congresso’’, afirmou o presidente da Central Sindical dos Trabalhadores, Antonio Neto.

 

Dilma defende medidas fiscais e diz que governo faz "como as donas de casa"

 

A presidente Dilma Rousseff disse, ontem, que o governo precisa fazer "ajustes conjunturais e momentâneos", que dizem respeito à melhoria das condições de crescimento do país. Na avaliação de Dilma, medidas como elevação de impostos e endurecimento de regras para acesso a benefícios assistenciais e previdenciários estão preparando o Brasil para "um novo ciclo de crescimento".

Em entrevista, após entregar 920 unidades do programa Minha Casa, Minha Vida em Feira de Santana (BA), a presidente disse que podem ocorrer mais aumentos de impostos, após defender "vantagens tributárias" propostas pelo governo para o enfrentamento da crise financeira internacional, como a retirada da Cide "quando a parte dura da crise começou".

"Fizemos uma série de medidas, algumas que serão permanentes, ou seja, a estrutura da tributação vai ser permanente, outras que vão flutuar conforme a conjuntura", afirmou a presidente, questionando as críticas feitas ao governo em qualquer dos cenários - de aumento de impostos ou de desonerações.

Ao discursar durante a cerimônia, Dilma afirmou ter "a coragem suficiente" para fazer mudanças necessárias em programas sociais, com a finalidade de garantir a ampliação de oportunidades entre a população mais pobre. "Eu faço ajuste no meu governo como uma dona de casa faz na casa dela", disse a presidente, definindo os programas sociais como "uma coisa viva", que demanda adaptações e melhorias.

Dilma foi questionada sobre o aumento no preço da cesta básica e afirmou que essa variação depende, por exemplo, de períodos de seca, destacada pela presidente como um dos fatores que têm afetado a inflação no país.

"Preço de alimento, com seca e tudo, influencia a inflação. A inflação é efeito da cesta básica, do aumento de preço", disse a presidente, apontando a persistência de uma "conjuntura extremamente problemática" com o período de estiagem não só no Nordeste como também no Sudeste. "Essa é grave. O problema da água afetará tanto o custo dos produtos alimentícios como dos produtos em geral por conta da energia elétrica", disse.

Em busca de uma agenda positiva para o governo, Dilma prometeu para o próximo mês a terceira etapa do programa Minha Casa, Minha Vida, uma promessa da campanha para a reeleição que prevê mais 3 milhões de unidades. Dilma afirmou que focará em "um dos maiores desafios" dos governantes, que é construir em cidades grandes.

A presidente afirmou o compromisso do governo com geração de emprego, renda e salário e enfatizou a decisão de investir mais, no segundo mandato em educação. "O Brasil será uma pátria educadora", disse Dilma, fazendo menção a seu discurso de posse em janeiro deste ano e indicando um novo programa que será lançado nessa área.

"Uma criança de classe média ou de classe mais pobre no Brasil tem de ter uma perspectiva sistemática de educação de qualidade. Esse será um outro programa que vamos lançar e será muito importante", disse Dilma, sem dar detalhes do novo programa.

Em entrevista ao Valor no fim de janeiro, o ministro da Educação, Cid Gomes, falou sobre um plano na área educacional, preparado pelo governo, para ser divulgado ainda neste semestre, com o aperfeiçoamento de mecanismos de avaliação, inclusive de diretores de escola, e a instituição da Lei de Responsabilidade Educacional para regular o Plano Nacional de Educação (PNE) e estabelecer responsabilidades entre os entes federados.

As próximas incursões da presidente serão ao Rio Grande do Sul, para inaugurar um parque eólico em Santa Vitória do Palmar, e ao Rio de Janeiro, para participar de comemorações pelo aniversário de 450 anos do município e inaugurar um túnel na zona portuária.

Esse foi o primeiro evento aberto ao público promovido pela presidente desde que constatou queda de sua popularidade, registrada pela pesquisa Datafolha no começo do mês. A presidente está retomando, a conselho do ex-presidente Lula, as viagens e o contato com os eleitores.