Título: Itamar, o Alvorada e Sarah Kubitschek
Autor: Gorgulho, Silvestre
Fonte: Correio Braziliense, 13/07/2011, Opinião, p. 15

Jornalista, foi secretário de Cultura do DF

Delicadeza, simplicidade e espontaneidade eram marcas do presidente Itamar Franco. Quem convivia com ele pôde comprovar. Comigo mesmo aconteceram vários exemplos. Vale relembrar um.

Passava das 18 horas de 8 de junho de 1993, uma terça-feira. Acabara de fechar minha coluna no jornal, quando a secretária da redação me chama:

¿ Silvestre, é do Palácio do Planalto.

Atendi. Era um velho amigo dos tempos da Embrapa, o advogado Mauro Durante, então secretário-geral da Presidência da República. Foi logo me perguntando se dona Sarah Kubitschek estava em Brasília. Disse que sim. Tinha estado com ela na casa de Márcia na véspera.

¿ Ótimo! Então aguarde um pouquinho que o presidente quer lhe pedir um favor.

Foram dois ou três longuíssimos segundos. Um favor? Pensei comigo. Para o presidente da República? Uma nota no jornal? O que será, meu Deus? Entra o presidente na linha e depois de um afetuoso cumprimento e lembranças passadas, diz:

¿ Silvestre, tomei uma decisão. Estou morando aqui numa casa da Península dos Ministros, mas o Henrique (Hargreaves), a Ruth (Hargreaves) e o pessoal da segurança, todos, estão pressionando muito para eu me mudar para o Palácio da Alvorada. O que você acha.

¿ Presidente...

¿ Presidente, não! Itamar.

¿ Sim, sim, presidente Itamar... Acho uma sábia decisão. O senhor já devia ter feito isso há mais tempo. Lá é a residência oficial do presidente da República. Vai lhe dar mais tranquilidade...

¿ É o que todos falam. Mas eu só vou numa condição. Não quero ser intruso. Preciso de energias positivas. Aquela foi a residência de um homem de bem, de um grande brasileiro e fico meio sem jeito de chegar lá ao Alvorada assim, sem mais nem menos.

¿ Como sem mais nem menos, presidente... Itamar! O Palácio é a residência oficial...

¿ Eu sei. Mas isso tudo para mim tem um ar de mistério. A áurea do presidente Juscelino domina o Palácio da Alvorada. Não que eu seja supersticioso. Dizem, mesmo, que no Alvorada até o piano toca sozinho à noite...

Sem saber onde ia dar a conversa, eu falava imaginando mil coisas. Lembrei-me da primeira frase de Mauro Durante: "A dona Sarah está em Brasília?"

¿ Presidente...

¿ Não, Itamar.

¿ Ok, presidente... Itamar. O que o senhor acha se eu conversar com dona Sarah e contar dessa sua intenção de ir para o Alvorada? Vou pedir para ela ligar para o senhor...

¿ Grande ideia. Fale com ela. Se ela quiser me ligar, é um prazer. Você sabe de minha admiração pelo presidente Juscelino e por dona Sarah. JK me ajudou muito na eleição para o Senado em 1974. Quem sabe ela e Márcia passam toda a manhã comigo lá no Alvorada.

Em vez de ligar, fui ao Memorial JK. Encontrei dona Sarah com o coronel Heliodoro e Cirlene. Contei-lhes toda a história. Muito feliz e um pouco surpresa, dona Sarah foi logo dizendo que fazia o que presidente Itamar quisesse. Era muito importante ele ir para o Palácio da Alvorada. Depois de alguns outros comentários, concluiu:

¿ Silvestre, conheço bem o presidente Itamar Franco. Ele é uma pessoa simples, mas muito atento aos simbolismos. Ele não quer chegar ao Alvorada sozinho. Vamos fazer o seguinte, vou lá recebê-lo com "honras de chefe de Estado e espírito de Minas Gerais".

Diante da aprovação e do incentivo do coronel Heliodoro, liguei para Mauro Durante ali mesmo, do Memorial.

¿ Ministro, estou aqui no Memorial com dona Sarah Kubitschek e ela ficou muito feliz com a decisão do presidente Itamar de se mudar para o Alvorada. Ela vai lhe falar.

Passei o telefone para dona Sarah. Conversaram e acertaram dia e hora para ela e Márcia irem ao Palácio da Alvorada receber o presidente Itamar.

Assim, em 10 de junho de 1993, uma quinta-feira, seis meses depois de ser efetivado presidente da República, Itamar Franco se muda para o Palácio da Alvorada. Além de receber "as honras de Estado e o espírito de Minas", Itamar proporcionou uma das maiores emoções à dona Sarah: a eterna primeira-dama do Brasil havia deixado o Palácio da Alvorada pela última vez em 30 de janeiro de 1961. Havia 32 anos que ela não voltava à sua primeira residência em Brasília.

Numa entrevista coletiva, Itamar e dona Sarah falaram aos jornalistas. Lembro-me da primeira pergunta de uma repórter de tevê:

¿ Dona Sarah, é verdade que aqui no Palácio da Alvorada o piano toca sozinho?

¿ Olha, minha filha ¿ respondeu dona Sarah ¿ este Palácio traz energias extras aos presidentes. Se à noite o piano toca sozinho, está provado o alto-astral do Palácio da Alvorada. Há coisa melhor do que uma boa música neste ermo encantado do Cerrado?

Aplausos!

Antes de se despedir de Itamar, dona Sarah agradeceu:

¿ Vivi um sonho, presidente. São 32 anos sem contemplar as colunas de Niemeyer, sem entrar na Capelinha do Alvorada e sem colher uma flor deste jardim abençoado