Embora esteja aberta para discussão e apresentação de sugestões desde abril de 2012, só agora a Proposta de Súmula Vinculante n.º 69 do Supremo Tribunal Federal (STF) parece preocupar o Congresso. A proposta considera inconstitucionais todos os incentivos tributários concedidos pelos governos estaduais sem a prévia aprovação do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e, por isso, acaba com a guerra fiscal entre os Estados. Em tese, ela resolve uma questão que o Poder Legislativo deveria ter solucionado há muito tempo por meio da aprovação de legislação específica. Mas só agora, com grande atraso, o tema passou a ser examinado pelo Senado.

Mas há o risco de o STF publicar a súmula vinculante antes de o Congresso decidir a questão. Em setembro, o presidente da Comissão de Jurisprudência do STF que trata da proposta, ministro Gilmar Mendes, manifestou-se pela admissibilidade da súmula e pela conveniência de sua edição, sugerindo, por isso, sua inclusão na pauta do Supremo. A proposta já tem o parecer favorável do procurador-geral da República, Rodrigo Janot Monteiro de Barros, e, na essência, reafirma decisões anteriores do Supremo a respeito da guerra fiscal entre os Estados, o que sugere sua aprovação pela Corte.

Mas, em dezembro, o presidente da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, Lindbergh Farias (PT-RJ), encaminhou ofício ao presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, no qual pede que, ao decidir sobre a proposta de súmula vinculante, a Corte "leve em consideração" o esforço do Senado para resolver o problema. O que o senador deseja, na prática, é que o STF aguarde a decisão do Senado sobre a questão, pois a aplicação pura e simples da súmula vinculante "terá profundo impacto sobre o equilíbrio federativo, bem como sobre as finanças estaduais e das empresas que usufruíram dos benefícios fiscais".

De fato, embora tardiamente - e decerto pressionado pelo risco de ser atropelado pelo Supremo caso não aja com mais rapidez -, o Senado tem tomado algumas decisões, sobretudo no âmbito da CAE. No início de novembro, a CAE aprovou o projeto que permite aos Estados a legalização dos incentivos fiscais concedidos sem a aprovação prévia do Confaz - que seriam declarados inconstitucionais caso a súmula do STF entrasse em vigor já.

O texto aprovado é um substitutivo de autoria do senador Luiz Henrique (PMDB-SC) que autoriza a remissão (perdão) dos créditos tributários decorrentes de incentivos concedidos em desacordo com a Constituição. O texto também facilita a recriação dos benefícios que antes poderiam ser declarados inconstitucionais, por meio de convênios que tenham a concordância de pelo menos dois terços dos membros do Confaz (que reúne os secretários da Fazenda de todos os Estados e do Distrito Federal) de cada uma das cinco regiões do País - e não mais por unanimidade, como se exige hoje. O texto retira também a exigência, prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal, de que os benefícios fiscais já concedidos e que serão convalidados sejam acompanhados da obrigatoriedade de compensação das perdas de receita que eles provocaram. A aprovação desse texto seria uma vergonhosa convalidação da guerra fiscal.

No ofício ao presidente do STF, Farias lembra que, na reunião realizada no mês passado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), com os líderes partidários e com os então ministros indicados da Fazenda, Joaquim Levy, e do Planejamento, Nelson Barbosa, ficou decidido que a matéria terá tramitação prioritária na nova legislatura.

Se aprovada pelo STF, a súmula uniformizará o entendimento do Judiciário sobre os benefícios decorrentes da guerra fiscal, mas forçará os Estados que dela participaram a cobrar das empresas beneficiadas todos os tributos aos quais tinham renunciado desde 2008. Sua aplicação pura e simples, sem nenhuma modulação, teria, assim, grande impacto sobre as finanças de um grande número de empresas que, nos últimos anos, foram beneficiadas pela generosidade de vários governos estaduais.