Com a baixa do nível dos reservatórios em todo o Brasil, a água passou a ser um recurso disputado. Na zona rural, os conflitos começam a aparecer, e eles não estão mais restritos a problemas locais entre os produtores. As questões entre a urbanização e o uso da água para irrigação, assim como a necessidade de ampliar o setor energético via hidrelétricas, estão cada dia mais no cotidiano dos produtores. Em Cristalina, município goiano localizado a 130km de Brasília, as outorgas para irrigação por pivô no Rio São Marcos estão suspensas pela Agência Nacional de Águas (ANA) por causa da instalação da Usina Hidrelétrica de Batalha. No Distrito Federal, cerca de 20 mil propriedades rurais usam a água sem o controle do governo, causando desordem e briga entre os produtores. A Sub-bacia do Pipiripau, antes de uso agrícola, já faz abastecimento urbano. Regiões como Rio Preto, em Planaltina, e Ponte Alta, no Gama, são alvo de desavenças entre produtores por causa das captações irregulares e problemas com as vazões. “A região em que o Distrito Federal e outras cidades goianas estão é como uma cumeeira de telhado, ou seja, um local alto, divisor de águas e com rios pequenos. Porém, as populações estão crescendo e precisamos resolver essa questão. Mas eu digo que, mais do que um conflito, temos um desafio”, explica o professor Henrique Marinho Leite Chaves, professor de manejo de bacias hidrográficas da Universidade de Brasília. No DF, a vazão autorizada pela Agência Reguladora de Águas local (Adasa) para a área rural corresponde a 8m³/s, quantidade pouco inferior a que a Companhia de Saneamento do DF (Caesb) oferece de água tratada aos consumidores urbanos: 9,5 m³/s. São 16 mil outorgas concedidas, fora a estimativa da Adasa de 20 mil captações irregulares — o que significa que o uso de água no campo pode ser ainda maior. Na área rural do DF, a principal pressão sofrida pelas propriedades rurais em relação a água é a da cidade. Os parcelamentos irregulares em áreas de destinação agrícola, o crescimento acelerado da população, as drenagens de córregos e a poluição de mananciais repercutem diretamente no campo. A Sub-bacia do Pipiripau, em Planaltina, é um exemplo. Ela tinha uso exclusivamente agrícola até a década de 1990, mas o aumento da população de Planaltina e de Sobradinho levou a Caesb a fazer captação dessa água. Para preservar os mananciais do uso múltiplo e da degradação, entidades sociais e governo têm projetos ambientais na bacia, como o Produtor de Águas. No Rio Preto, também em Planaltina, algumas propriedades estão com pouca vazão de água porque o rio está mais baixo que o de costume por causa da pouca chuva de 2014 e do início de 2015. Os produtores que têm bomba de captação e pivô acabam puxando mais água dos rios, resultando em inimizade com vizinhos de cerca. Além disso, alguns produtores não têm permissão de uso, e outro que têm usam água a mais do que o permitido pela outorga da Adasa.
Safra
O produtor rural Genésio Müller, 60 anos, tem uma fazenda na região do Rio Preto. Para ele, o governo mais atrapalha do que ajuda, tanto na conservação ambiental quanto no diálogo com o produtor. “Tudo cai na conta do produtor. Não pode ser assim. Nós, produtores, estamos cuidando da água, dependemos dela para ter produção. O governo só sabe cobrar, já chega multando. Não tem conversa. A gente também sabe o que é importante”, defende. Genésio é o presidente do Comitê da Bacia do Rio Preto e, desde 1984, ele monitora o regime de chuvas na fazenda dele. O produtor percebeu que nos últimos cinco anos as águas vindas do céu diminuíram. “A chuva está diminuindo. E o governo continua sem planejar. Se o governo fizesse o trabalho certo dele, não tinha drenado os brejos da região, não tinha deixado a cidade ficar cheia de construção irregular e ia dividir melhor a água”, comenta. No veranico de janeiro, Genésio perdeu 50% da soja e 100 hectares de feijão. Dos 360 hectares de terra, 70 são irrigados. Para José Alves Júnior, professor de irrigação da Universidade Federal de Goiás, a falta de titularidade da terra também contribui para a desordem na captação de água dos rios do DF. “Sem ter a escritura, os produtores ficam incertos de construir, por exemplo, uma barragem para captar a água da chuva. Ao mesmo tempo, parece- me que o governo também não autoriza porque a terra é dele”, afirma. Cerca de 70% da área irrigada do DF está na Bacia do Rio Preto. Dos 145 mil hectares cultivados em todo o território do DF, 16 mil são irrigados. A irrigação corresponde a 40% na formação da renda agrícola local.