Título: O consumidor perdeu
Autor: Monteiro, Fábio
Fonte: Correio Braziliense, 14/07/2011, Economia, p. 14

Dois anos depois da compra da Sadia pela Perdigão, que resultou na Brasil Foods (BRF), finalmente o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) deu o aval ao negócio. Como já era esperado, o órgão responsável por garantir a competição nos mercados e proteger os consumidores optou pelo caminho mais fácil. Exigiu medidas pontuais para dar uma resposta ao mercado e manteve o gigantismo da companhia, que continuará líder absoluta em todos os segmentos nos quais atua ¿ há casos em que responde por 90% da produção. Com a decisão, as ações da BRF subiram 9,76%.

Por quatro votos a um ¿ apenas o conselheiro e relator do processo, Carlos Ragazzo, se posicionou contrário à fusão ¿, o Cade definiu que a BRF terá de retirar das prateleiras brasileiras produtos da marca Perdigão por até cinco anos, dependendo do item e de sua participação de mercado. Já a marca Batavo deixará de rotular alimentos processados por quatro anos ¿ ficará restrita ao setor de laticínios ¿ e 12 marcas e diversos ativos, como abatedores e centros de distribuição, deverão ser vendidos a uma única empresa que esteja disposta a enfrentar a gigante. A estimativa é de que esses ativos respondam por quase um terço da capacidade produtiva da BRF, considerando apenas o mercado interno.

Para o Cade, com os ativos que arrematar da Brasil Foods, a futura companhia alimentícia terá relevância no mercado e aumentará a concorrência, o que vários analistas questionam. ¿Faz-se necessária a competição da nova empresa em todos os elos da cadeia, desde a fabricação até a distribuição¿, afirmou o conselheiro Ricardo Ruiz. A estimativa é de que os ativos da BRF detalhados como problemáticos produzam 730 mil toneladas de alimentos. Caso a companhia desrespeite o acordo, pode ser multada em valores que variam de R$ 50 mil a R$ 25 milhões, dependendo da infração.

Desgaste Ricardo Ruiz foi peça chave na longa articulação do Termo de Compromisso de Desempenho (TCD), que liberou a fusão. Estima-se que mais de 40 encontros entre membros do Cade e representantes da BRF tenham ocorrido no último mês. As reuniões foram fundamentais para a mudança de postura dos conselheiros, que, inicialmente, mostravam-se contrários à operação, mas acabaram cedendo. O único que manteve a coerência foi Ragazzo, duvidando da capacidade de aumento da concorrência com a entrada de uma nova empresa. ¿Certamente, a proposta atual é muito melhor do que a apresentada anteriormente, não tem nem comparação. A pergunta é: ela é suficiente? Espero que vocês estejam certos, mas eu mantenho meu voto¿, afirmou.

Todos os conselheiros exaltaram o voto do relator e lembraram que ele serviu de base para as negociações posteriores. De fato, foi após o choque inicial que a Brasil Foods se tornou mais flexível nas conversas, passando a cogitar a venda de alguns ativos. Mas os debates sobre o tempo em que cada marca deveria ser retirada e quais empresas deveriam ser sacrificadas foram muito desgastantes. Mais que isso, a versão definitiva do documento final foi redigida ainda na manhã de ontem, o que gerou um atraso de uma hora no início da sessão de julgamento.

A principal discussão foi referente à saída da marca Perdigão do mercado. A BRF argumentou que não fazia sentido uma de suas marcas ¿premium¿ ser abandonada. O Cade aceitou que a Perdigão continuasse atuando apenas nas exportações.

Histórico negativo Por precaução, o Cade proibiu que a Brasil Foods crie uma nova marca para substituir os rótulos da Perdigão, como já aconteceu no caso envolvendo a compra da Kolynos pela Colgate. À época, o conselho tinha determinado que a marca fosse suspensa do mercado durante cinco anos. Em uma rápida ação de marketing, a empresa aproveitou para lançar a Sorriso, mantendo a mesma identidade visual e slogan do antigo produto.

Para José Carlos Filho, professor de Direito Econômico da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), as restrições impostas pelo Cade aumentarão a importância da fiscalização por parte da instituição. ¿Se não for feito um acompanhamento do comportamento da BRF, as suspensões e as vendas de ativos serão inócuas¿, disse. A autoridade antitruste assegura, porém, que as medidas serão suficientes para que um novo concorrente ¿ que não precisa necessariamente já atuar no setor ¿ se sinta atraído a competir com a gigante Brasil Foods.

A atratividade do mercado brasileiro será crucial para determinar o futuro competidor. ¿Novas empresas vão se interessar, porque o consumo doméstico está em franca expansão¿, afirmou Rogério Dequech, sócio-diretor da consultoria de negócios Go4.