O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarcou ontem em Brasília com uma missão árdua. O cacique petista tenta convencer PMDB e PT a apoiarem as propostas de ajuste fiscal encaminhadas pelo Planalto ao Congresso e que representarão um arrocho de R$ 80 bilhões, de acordo com estimativas feitas pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), no entanto, reforçou que a tarefa será complicada, e sugeriu que o governo corte na própria carne.

“O ministro Levy disse que o Brasil sofreu uma ‘escorregadinha’. Parece-me que foi um ‘escorregadão’, para eles terem que cortar R$ 80 bilhões. Por que não cortam os cargos comissionados do Executivo? Eu disse isso ao Levy. Nem que, mais para a frente, restituam os cargos. Mas cortar, agora, na carne, é o melhor exemplo que eles podem dar”, cobrou o peemedebista, estimando em 11,5 mil os comissionados que poderiam ser dispensados. “Até porque tem um monte de esqueletos, como contratos públicos e operações de crédito e dólar feitos pelo Banco Central que não estão nessa conta dos R$ 80 bilhões”, alfinetou Renan, ao criticar a estratégia adotada até o momento pelo Planalto de restringir a tesourada em direitos previdenciários e trabalhistas.

Lula participou ontem de jantar com a bancada de senadores do PT e ainda teria um encontro com a cúpula do PMDB do Senado. Mais cedo, foi a vez de o vice-presidente da República, Michel Temer, reunir-se com a bancada do PMDB da Câmara, enquanto o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), tomava café com as centrais sindicais. Em todos os encontros, ficou patente que o apoio poderá até vir, mas terá de ser conquistado a duras penas.

O cacique petista — que há tempos defende que Dilma seja mais incisiva na defesa das medidas econômicas, para conseguir levar o PT, os movimentos sociais e os sindicatos para o lado dela — ouviu ontem muitas queixas da bancada do PT do Senado. No jantar, com a presença do presidente do partido, Rui Falcão, e do chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, os petistas tinham muito do que reclamar a Lula. Desfiaram o rosário da falta de atenção do Planalto, da ausência de diálogo da presidente e da completa falta de habilidade política na articulação governamental, temas recorrentes ao longo do primeiro e do segundo mandato da petista.

Os peemedebistas também defendem a inclusão de Temer no conselho político de Dilma. “O PT acha que não fizemos uma coalizão, mas uma fusão, com eles no comando”, ironizou o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA).

Emendas

A falta de apoio a Dilma se traduz em mais de 500 emendas apresentadas às MPs em tramitação — muitas de autoria do PT. “Vai ter que mudar. Do jeito que estão, as propostas não passam”, afirmou o senador Delcídio Amaral (PT-MS). São justamente os problemas internos do PT que fazem com que o PMDB se sinta à vontade. “O PT tem que nos provar — e à sociedade — que o remédio amargo de agora trará benefícios no futuro”, justificou o líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani (RJ).

ilma defende medidas

» JULIA CHAIB
Na primeira viagem como parte da estratégia para tentar reverter a queda na popularidade do governo, a presidente Dilma Rousseff saiu em defesa das mudanças em direitos trabalhistas que fazem parte do ajuste fiscal anunciado pelo Planalto. Em Feira de Santana (BA), onde entregou 920 unidades habitacionais do Minha Casa, Minha Vida, Dilma disse que faz “ajustes como uma dona de casa”. As medidas propostas pelo governo dificultam o acesso a benefícios, como seguro-desemprego, pensão por morte, seguro-defeso, abono salarial e auxílio-doença. O governo diz que o objetivo é acabar com fraudes e economizar R$ 18 bilhões ao ano.

As centrais sindicais se opõem às propostas, que estão reunidas em duas medidas provisórias. Os textos já receberam mais de 500 emendas. Por isso, o governo tem buscado convencer a base, os sindicalistas e a população da importância das mudanças. “Quem não precisa não pode ser beneficiado, só quem precisa”, disse Dilma. “Eu faço ajuste no meu governo como uma mãe, como uma dona de casa faz na casa dela. Nós precisamos, agora, dar condições para retomarmos um novo ciclo de desenvolvimento econômico.” Em seguida, ela afirmou que os programas sociais não serão afetados.

O governo alega que casamentos oportunistas têm levado pessoas que sem necessidade de receber a pensão por morte, além de ter detectado fraudes em outros programas, como seguro-defeso. Em entrevista após a entrega das casas, a presidente voltou a sair em defesa das medidas. “Uma senhora de 78 anos se casa com um menino de 21. Ele não tem por que receber uma pensão durante a vida toda (se ela morrer). Não existe país no mundo que faça isso.”

Mais cedo, após café da manhã com líderes do Senado para tratar da aprovação das medidas no Congresso, o ministro das Relações Institucionais Pepe Vargas, defendeu o pacote e disse que o objetivo é provocar um ajuste fiscal a médio e a longo prazo. 

Reunião com sindicatos

» Celia Perrone
As mudanças no seguro-desemprego começam a valer a partir da próxima segunda-feira. Após a terceira reunião com representantes de sindicatos, o ministro da Previdência, Carlos Gabas, avaliou que há possibilidade de acordo sobre mudanças na Medida Provisória nº 664, que altera as pensões por morte e auxílio-doença. Também participaram do encontro os ministros do Planejamento, Nelson Barbosa, e do Trabalho, Manoel Dias.

O argumento do governo é de que as MPs representam correção de distorções de regras. “As medidas corrigem injustiças. Atualmente, um trabalhador que fez, por exemplo, apenas uma contribuição de R$ 700 e acabou falecendo depois, pode deixar uma pensão vitalícia para a viúva, ou viúvo, no teto de quase R$ 4,6 mil. É uma injustiça com aqueles que contribuíram a vida inteira”, disse Gabas.

Apesar das explicações, os sindicalistas defendem a revogação total das medidas provisórias que limitaram os benefícios sociais. Dentro do ajuste fiscal, o governo quer alterar regras do seguro-desemprego, do abono salarial, da pensão por morte e auxílio-doença, para economizar R$ 18 bilhões por ano. “Queremos que revoguem as medidas para a gente poder começar com o pé no chão”, disse Miguel Torres, presidente da Força Sindical. Segundo ele, um estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) demonstra que os mais prejudicados com as restrições serão quem recebe os menores salários e os jovens.

De acordo com Antonio Neto, presidente da Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), os sindicalistas apresentaram alternativas aos projetos do governo. “Temos outras propostas para o ajuste fiscal, como a tributação de grandes fortunas ou uma alíquota maior do Imposto de Renda para os mais ricos. As pessoas jurídicas pessoais também pagam muito pouco Imposto de Renda. Existem outras fórmulas de se fazer o ajuste fiscal sem penalizar trabalhadores”, afirmou.

Um conjunto de problemas
» Alessandra Mello
Belo Horizonte — Enquanto a presidente Dilma Rousseff participa da inauguração de residências na Bahia, unidades do Minha Casa, Minha Vida em outras localidades enfrentam problemas. É o caso de Paulistas (MG), cidade de 4,9 mil habitantes. Depois de mais de um ano de atraso, as obras do programa federal no município aparentemente ficaram prontas em dezembro passado. Muita gente chegou a comemorar a possibilidade de deixar de viver de aluguel ou em área de risco e se mudar para uma casa nova. Mas, passados quase dois meses, o que se vê são residências coloridas abandonadas, com o mato crescendo ao redor e uma cerca de arame que impede a passagem de pessoas e carros.

Sem água, luz, ruas calçadas, passeios e muros de arrimo, as casas do conjunto habitacional Nilo Pinto de Carvalho estão vazias. Mas já custaram aos cofres públicos R$ 1.751.800. Feitas com recursos do Ministério das Cidades e do Fundo Estadual de Habitação, as 37 unidades habitacionais não têm infraestrutura para receber moradores, e o terreno onde foram construídas é alvo de uma disputa judicial entre a prefeitura e os supostos proprietários. As moradias ainda correriam o risco de desabamento, segundo a Câmara Municipal, pois foram erguidas em um terreno íngreme, que já começa a ceder. Os vereadores chegaram a acionar a prefeitura local para tomar resolver o problema. Para evitar um acidente, em algumas casas foram construídas proteções feitas de pedaços de tábuas e sacos de areia. Com cerca de 40 metros quadrados, cada unidade custou aproximadamente R$ 50 mil.

Risco

Enquanto o mato cresce entre as casas, Eliane Pereira Marcos Rodrigues, 36 anos, e José Bento da Silva, 49, e os dois filhos do casal rezam para que as chuvas continuem esparsas e para que o conjunto seja concluído rapidamente. Moradores de área de risco, eles fazem parte do rol de 40 famílias selecionadas para morar em uma das unidades do Minha Casa, Minha Vida em Paulistas. “Já perdemos três cozinhas. Elas despencaram lá embaixo na casa do vizinho, na época de chuva. Essa é a quarta. Sorte que ninguém nunca se machucou”, mostra Eliane.

A Câmara Municipal de Paulistas enviou ofício ao comando da Companhia Estadual de Habitação (Cohab) pedindo informações sobre o conjunto e dados sobre o procedimento licitatório. O Ministério das Cidades não deu informações sobre a situação do município. 

Jornal inglês lista razões que podem levar ao impeachment
O jornal britânico Financial Times publicou artigo ontem no qual lista 10 motivos que podem levar a presidente Dilma Rousseff a sofrer um processo de impeachment. No texto, a publicação ressalta que até integrantes do PT se voltaram contra ela. “Alguns (petistas) a veem como uma intrusa oportunista.” Segundo o artigo, assinado por Jonathan Wheatley, editor-adjunto de Mercado, que foi correspondente no Brasil entre 2005 e 2001, os fatos que ameaçam o mandato de Dilma são: perda de apoio no Congresso, crise na Petrobras, queda na confiança do consumidor, inflação em alta, aumento do desemprego, queda na confiança do investidor, deficit orçamentário, problemas econômicos, escassez de água e risco de apagão elétrico.