A demissão do ministro da Educação, Cid Gomes, ontem, em consequência de um enfrentamento com a base aliada no Congresso, especialmente o PMDB, precipitou o início da reforma ministerial, em gestação no Palácio do Planalto. Apesar da forte pressão de setores do PT e do PMDB para que promova mudanças no primeiro escalão, Dilma – que gosta de fazer tudo a seu tempo – tentava adiar o processo, enquanto recrutava ministros de outros partidos para reforçar a articulação política no intuito de afinar a relação com o Congresso. 

O destempero de Cid contribuiu para indispor ainda mais os deputados com o Executivo, num momento de instabilidade política, com a popularidade da presidente no chão. Em gesto de deferência, Dilma mandou o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, comunicar a demissão de Cid primeiro ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que imediatamente transmitiu a decisão ao plenário. 

Assumirá a pasta interinamente o secretário-executivo do Ministério da Educação (MEC), Luís Cláudio Costa, o responsável pela confusa aplicação das mudanças do Fies, o programa de financiamento a estudantes de ensino superior, admitido como “erro” pela presidente, esta semana.

Alas do PT e do PMDB pressionam para que Dilma remaneje o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, de volta para a pasta da Educação, que comandou até o ano passado. Os insurgentes reclamam da inabilidade do chefe da Casa Civil no trato político.

Mas esta não é uma operação simples, Dilma gosta de Mercadante na Casa Civil, reconhece seus atributos de gestão e tem confiança no auxiliar. Mercadante, provavelmente, só aceitaria voltar ao antigo posto se, em um cenário de convulsão institucional, Dilma lhe delegasse o encargo como missão especial. Nesse cenário, o ministro da Defesa, Jaques Wagner, assumiria a Casa Civil. 

Outro desenho da reforma contempla o PMDB, que pode ganhar o Ministério da Integração Nacional se Dilma decidir desalojar o PP do primeiro escalão. O partido mais implicado no petrolão até o momento controla a pasta com Gilberto Occhi, um técnico de confiança da sigla. Em entrevista ontem, após o pedido de demissão, Cid Gomes criticou também o PP. “Você viu do PP quantos deputados recebiam mensalidade de um diretor na Petrobras? Isso era a base do poder”, atirou.

A se consumar a saída do PP, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), poderia emplacar um afilhado político para a pasta. Em outra ponta, o ex-deputado Henrique Alves (PMDB-RN) assumiria o Ministério do Turismo, hoje sob controle de Vinícius Lages, apadrinhado de Renan.

Ontem no início da noite, logo depois de deixar o plenário da Câmara – onde fora esclarecer por que havia chamado os deputados de “achacadores” -, Cid atravessou a rua e se dirigiu diretamente ao gabinete da presidente da República, a fim de pedir demissão. Após uma audiência relâmpago, de pouco mais de 15 minutos, Cid falou com os jornalistas na saída: “A conjuntura política impede minha presença no governo”, reconheceu, tendo ao lado um de seus aliados, o governador do Ceará, Camilo Santana, do PT. 

Dilma acompanhou de seu gabinete no Planalto o desempenho de Cid com os deputados. Num dos momentos de maior tensão, telefonou para o ministro das Relações Institucionais, Pepe Vargas. Em seguida, convocou o ministro Jaques Wagner, que chegou ao Planalto às pressas, minutos depois de Cid. Wagner tem reforçado a interlocução política com o parlamento. Àquela altura, a bancada do PMDB, em alvoroço, exigia a saída imediata de Cid. 

Cid relatou que Dilma não teve sequer tempo para pedir que ele permanecesse. “Eu não podia agir diferente senão confirmar aquilo que disse e penso pessoalmente”, afirmou. “Eu não quis criar nenhum constrangimento e pedi demissão em caráter irrevogável”, completou. “Disse à presidente que lamentava muito, confiava e acreditava nela, mas a minha presença no ministério ficou de contraponto com boa parte da base que apoia seu governo”, relatou. 

Para o ex-ministro da Educação, que antes de aceitar o convite da presidente tinha emprego certo com salário definido em diretoria do BancoInteramericano de Desenvolvimento (BID), Dilma atravessa uma grave crise política porque tomou decisões duras de combate à corrupção. “O que a Dilma está fazendo é exatamente limpar o governo da corrupção do passado, é o que fragiliza a sua relação com boa parte dos partidos”, disse.

 

Falta de retratação em discurso tornou saída inevitável

 

No discurso que inviabilizou sua permanência como ministro da Educação, Cid Gomes (Pros) foi à Câmara dos Deputados para explicar a declaração de que na Casa tem de 300 a 400 "achacadores" e, ao invés de desculpas, atacou o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e disse que aliados "oportunistas", que votam com a oposição mesmo com cargos no governo para ganharem mais ministérios, deveriam "largar o osso". Cid Gomes já se encontrava em situação difícil. Crítico do PMDB, ele foi o primeiro ministro convocado pelo plenário desde 1991. Em articulação com os pemedebistas, a oposição cobrava que ele esclarecesse a declaração de que na Câmara tem "uns 300, 400 achacadores" para quem "quanto pior, melhor". Para constrangê-lo, a Câmara mandou até uma comissão externa a São Paulo para confirmar se o ministro estava mesmo doente na semana passada, quando ele cancelou o depoimento por motivos de saúde. No discurso de 40 minutos, Cid disse que foi deputado estadual e que tinha respeito pelo Legislativo, mas reconheceu a declaração que, segundo ele, era para ter ficado reservada ao gabinete do reitor da Universidade Federal do Pará e aos estudantes com os quais conversava. Não retirou a colocação. "Que me perdoem, senhoras e senhores deputados, não tenho mais idade, não tenho mais direito de negar aquilo que pessoalmente, num ambiente reservado, falei", admitiu. O ex-ministro pediu "perdão" aos parlamentares que se sentiram ofendidos pela acusação e que são "coerentes" em seus posicionamentos, mas cobrou: "Tenho, sempre tive e terei sempre profundo respeito pelo Parlamento. Isso não quer dizer que concorde com a postura de alguns, de vários, de muitos, que mesmo seus partidos participando do governo, têm postura de oportunismo", afirmou. "Partidos de situação têm o dever de ser situação, ou então larguem o osso, saiam do governo, vão para a oposição", disse. Ele ainda emendou críticas à comissão externa enviada pela Câmara para confirmar que estava doente e, dedo em riste em direção ao presidente da Câmara, subiu o tom: "Fui, senhoras e senhores deputados, acusado de mal educado. Pois muito bem. Prefiro ser acusado por ele [Cunha] de mal educado do que ser, como ele, acusado de achaque, que é o que diz a manchete da Folha de São Paulo", afirmou. O ataque dividiu o plenário entre aplausos de aliados, como o governador do Ceará e o prefeito de Fortaleza, que acompanharam a sessão, e da claque levada pelo ex-ministro para as galerias da Câmara, e críticas e vaias da oposição e de parte da base aliada. "O ministro perdeu as condições de exercer o cargo. Cobraremos do governo que se posicione sobre se orienta seus ministros a desrespeitarem o Parlamento", protestou o líder do PMDB, Leonardo Picciani (RJ). A reclamação chegou ao Palácio do Planalto por intermédio do líder do governo na Câmara e de petistas enquanto deputados se revezavam na tribuna para cobrar a demissão do ainda ministro e também foram duros. O líder do PSC, André Moura (SE), acusou Cid de ter usado o dinheiro do governo do Ceará para alugar um jato para passear com a família na Europa, superfaturar um show da Ivete Sangalo na inauguração de um hospital e não entregar obras no Estado. "Com esse seu sorriso irônico e cínico, Vossa Excelência não está fazendo nada mais do que mostrar que não tem moral, dignidade e honradez para continuar ministro", afirmou. Parlamentares avaliavam o discurso como um sinal de que ele sabia que deixaria o governo diante do desgaste com a Câmara e "resolveu sair por cima". Apenas o líder do Pros, Domingos Neto (CE), saiu em defesa do aliado. Ao tentar retrucar o deputado Sérgio Zveiter (PSD-RJ), que o chamou de palhaço, Gomes teve a palavra cortada por Cunha e abandonou o plenário. O corregedor da Câmara, Cláudio Cajado (DEM-BA), afirmou que vai processar o ex-ministro por prevaricação e crime de responsabilidade por não indicar nominalmente quem são os "achacadores". Eduardo Cunha disse que vai interpelar judicialmente, como pessoa física, o ex-ministro pela acusação.

 

A saída de Cid Gomes do Ministério da Educação (MEC), anunciada há pouco, deve repercutir positivamente no setor de ensino superior privado, que vinha travando um embate acirrado por conta das novas regras do Fies, financiamento estudantil do governo. Representantes do setor reclamavam do estilo do ministro, considerado pouco cordial e ausente das negociações sobre as novas regras do Fies, programa bancado pelo governo federal que vai encolher neste ano. Segundo fontes do setor, Cid Gomes quase não participava dos encontros e argumentava que as mudanças no programa tinham sido implementadas pelo Ministro da Educação anterior, José Henrique Paim, e que o assunto deveria ser tratado com as pastas da Fazenda e do Planejamento. "O ministro lavou as mãos. Virou um jogo de empurra", disse, recentemente, um executivo do setor. A maior parte das reuniões com representantes do setor era tratada com o secretário-executivo do MEC, Luiz Cláudio Costa. Gomes, por sua vez, não participou de nenhuma reunião com representantes das empresas. Costa, por sua vez, é considerado um técnico que conhece bem o setor. No começo de março, quando Cid Gomes disse que a "Câmara tinha uns 400, 300 deputados achacadores", uma gravação sonora com a fala do ministro circulava no setor e não faltaram críticas à postura considerada pouco educada para um ministro de Estado. Quanto à possibilidade de o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercandante, assumir o MEC, um executivo do setor disse há pouco que ele não é o nome mais apropriado. Mas é um ministro mais forte, que tem mais acesso à presidente Dilma Rousseff e às pastas da Fazenda e do Planejamento. O setor gostava mesmo era do ex-ministro José Henrique Paim, que fez parte da equipe do Mercadante no MEC e acabou no comando deste ministério antes de Cid chegar. Nesse período, devemos lembrar, que as torneiras do Fies estavam abertas, sem nenhuma restrição.