Crise hídrica vivida pelo Sudeste fez com que outras regiões brasileiras repensassem o uso da água de modo que o recurso dê para todos. Embora contribua com 16% das reservas nacionais, o Centro-Oeste brasileiro também precisa planejar o uso sustentável da água para evitar colapsos.
De um lado, o abastecimento das cidades é prioritário; do outro, a água é matriz vital para a Agricultura e de suma importância nos processos industriais. Por isso, a discussão do uso da água precisa estar não só na pauta do poder público, mas também nos debates do setor produtivo e nos hábitos da população.
 
O desafio de dividir a água de maneira sustentável torna-se crucial,aindamaisemregiõescomoo Distrito Federal, com oferta pe-quenaeconsumoalto,conformeo Correio tem mostrado em série de reportagens. Em períodos de escassez, o valor econômico da água cresce. Nos últimos cinco anos, a tarifa praticada pela Companhia deSaneamentoAmbiental(Caesb) não parou de subir.
 
Para compensar, a empresa cobra menos de quemgastamenos."Aspessoases-quecem que, em tempos de alta nos preços da água e crise hídrica, economizar vai trazer reduções na própria conta. A sociedade tem quetomarconsciênciasobreaim-portância do reuso da água", defende Marcelo Gonçalves Resen-de, professor de engenharia am-bientalesanitáriadaUniversidade CatólicadeBrasília.
 
Na zona rural, há discussão sobre o pagamento das águas de rios usadas por produtores."A cobrança nas áreas Rurais está na boca do forno", afirma Diógenes Mortari, diretor da Agência Reguladora de Águas. Os comitês gestores de bacias serão os responsáveis por fixar os preços. Em regiões do interior de São Paulo, as tarifas já são praticadas.
 
Mas, além de sentir no bolso, especialistas apontam que a educação ambiental é essencial como política pública. "Existem dois tipos de políticas: a do porrete e a da Cenoura. A do porrete são as multas; a da Cenoura são os estímulos para quem ajuda a preservar", comenta Henrique Marinho Leite Chaves, professor de manejo de bacias hidrográficas da Universidade de Brasília. "Por isso, projetos, como o Produtor de Águas, que ajudam quem está preservando, são mais interessantes", complementa.
 
O Produtor de Águas é uma iniciativa da Agência Nacional de Águas (ANA) e, no DF, é desenvolvido na Sub-bacia do Pi-piripau, em Planaltina, região com alto índice de Desmatamento e que precisa ser preservado porque faz abastecimento urbano e rural. O projeto funciona da
 
seguinte maneira: o produtor recupera a região de nascentes e recebe uma ajuda de custo por hectare preservado. A iniciativa conta com 130 participantes, sendo que 17 recebem auxílio de R$ 3 mil a R$ 4 mil.
 
Nascentes
 
Outro programa com foco de preservação dos mananciais é o Adote uma Nascente, do Instituto Brasília Ambiental (Ibram). O Produtor rural interessado recebe as mudas e as planta próximo à nascente que existe dentro da propriedade. A produtora Elieje Cola Altoé, 49 anos, tem uma chácara de 36 hectares, no Núcleo Rural Tabatinga, em Planaltina, e participa do projeto desde 2006.
 
 Já foram plantadas 522 mudas de árvores do cerrado em um hectare próximo à nascente do sítio, e os resultados do Reflorestamento começam a aparecer. "Moramos aqui há 29 anos e, em 2014, foi o primeiro ano que a mina de água jorrou o ano todo. Geralmente, ela sumia no período da seca", conta a produtora.
 
A promotora de Defesa do Meio Ambiente do Ministério Público do Distrito Federal eTerritó-rios Marta Eliana de Oliveira defende as ações alternativas às multas, como integração entre os moradores de áreas próximas a mananciais. Em parceria com a Adasa, a promotoria criou o projeto Descoberto Coberto, que fez um acordo com os produtores no qual elesreflorestariam asregiões próximas ao rio Descoberto e, em troca, não seriam retirados da região."Quando esse processo chegou aqui, eu fiquei pensando: se a gente multar esses produtores não vamos resolver o problema. Temos que conseguir uma ação definitiva", explica.
 
Soluções urbanas
 
Com o objetivo de reduzir a quantidade de água que se perde ao longo do sistema de distribuição, a Caesb lançou, no final de 2014, um pacote de investimentos de R$ 130 milhões para melhorar as tubulações. O dinheiro será aplicado ao longo dos próximos cinco anos."Até 2016, serão substituídos350milhidrômetros.Também implantaremos uma tecnologia que prevê a detecção de vazamentos, para evitar desperdícios", informa o coordenador de gestão de perdas do órgão, Luiz Carlos Itamaga.
 
A partir de março, aCaesbtambémdaráumdescon-to de 20% aos usuários que conse-guiremreduziroconsumodeágua em comparação ao mesmo período do ano anterior. Os clientes quetiveremdireitoaobônusrece-berão comunicado com a fatura do mês. A medida está sendo praticada pelo quinto ano consecutivo. Para 2015, o órgão calcula que devolverá um montante de R$ 9,5 milhões aosclientes.
 
Casos de sucesso
 
A propriedade do empresário Leonardo Avaloni, 49 anos, é um exemplo de como aproveitar a água da chuva e preservar nascentes. Ele é dono de uma casa de festasnaQI25do LagoSulemora no mesmo terreno. "Minha família comprou o lugar nos anos 1960. Quando construíram os conjuntos atrás dele, a chuva começou a escoar para cá, causando erosão no solo. Para acabar com o problema, cavei três lagos, que recebem a água e, de quebra, deixam os jardins mais bonitos.
 
" Além das represas, quatro nascentes brotam no local e outras três vêm de fora. Esses córregos alimentam os lagos nos jardins, o bebedouro do galinheiro e a piscina da casa, cuja água é tão limpa que pode ser bebida.
 
Banheiro sem descarga, tratamento das águas à base de plantas e coleta da água da chuva para beber. Essas são práticas comuns na Chácara Asa Branca, da ONG Ipoema. Localizado a 23km de Brasília, o espaço é referência de projetos de sustentabilidade e recebe uma média de 5 mil visitantes por ano. Algumas das técnicas estão sendo implementadas nas escolas públicas, por meio do projeto Águas do Cerrado."Quando damos descarga, gastamos 10 litros de água para levar embora 200ml de urina. São 10 mil litros desperdiçados por ano, água suficiente para beber durante 10 anos",explicaoprofessordaIpoe-ma Daniel Rothier.
 
Na Chácara, foi construído um banheiro sem descarga. "Em vez de água, usamos serragem, que se mistura aos dejetos em uma câmara embaixo do banheiro, neutraliza os cheiros e produz adubo." Os telhados de várias construções da chácara contam com calhas e tubulações, que captam a água da chuva e a direcionam para tanques. A água usada nas casas do espaço é tratada em fossas ecológicas, sobre as quais são plantadas árvores de grande absorção, como bananeiras.
 
Maior atenção e ação
 
"Medidas urgentes precisam ser tomadas para podermos conservar as águas do Distrito Federal. Precisamos atuar na conservação das áreas de preservação permanente e das protegidas. Além disso, temos que recuperar as áreas degradadas. Nas áreas Rurais, temos que fazer o licenciamento de empreendimentos Rurais e incentivar a adequação ambiental, como a averbação de reserva legal e o uso disciplinado de agrotóxicos. Na área urbana, é preciso fazer um licenciamento do que já foi ocupado e propor compensações ambientais para os condomínios já estabelecidos. Além, é claro, da fiscalização intensa do uso desordenado do solo."
 
Vandete Maldaner é coordenadora de Estudos, Programas e Monitoramento da Qualidade Ambiental do Ibram