Com as restrições em torno do Fies, financiamento estudantil do governo federal, o crédito universitário privado ressurge e atrai o interesse de bancos, instituições de ensino, gestoras e investidores. 
"Antes, era impossível a iniciativa privada concorrer com um produto subsidiado pelo governo. Ao mesmo tempo há demanda porque a classe C só continuará entrando em grande escala no ensino superior com financiamento", diz Carlos Monteiro, consultor especializado em educação. O Santander analisa a criação de um financiamento estudantil, o Bradesco que já tem esse produto quer aproveitar o momento para aumentar a sua carteira de clientes e o Itaú deve reforçar o caixa da Ideal Invest, gestora de crédito universitário do qual é sócia e que no último mês viu a demanda mais do que dobrar. "Estamos avaliando e conversando com as universidades a fim de encontrar o modelo mais adequado. Há várias alternativas, desde um financiamento ao aluno com a universidade compartilhando uma parte do risco, a constituição de um funding para o banco fazer a gestão ou até mesmo uma linha de crédito às universidades para atender esse momento de redução de caixa", disse Daniel Mitraud, superintendente do Santander Universidade. A ideia do banco é aproveitar sua carteira formada por cerca de 450 instituições de ensino que já trabalham com o Santander. Se concretizado, o financiamento brasileiro destinado ao aluno será o primeiro do banco espanhol no mundo. Nos demais países, o Santander atua exclusivamente como o banco repassador dos recursos dos programas públicos de educação. "O momento é de oportunidades e estamos atentos. Hoje, temos 50 convênios com instituições de ensino de várias regiões do país para financiamento de até 100% da mensalidade", afirmou João Carlos Gomes da Silva, diretor de crédito do Bradesco. Ele não revela o número de contratos firmados. O Itaú, por sua vez, deve fazer novos aportes na Ideal Invest. Em 2012, o banco repassou sua carteira de financiamento universitário à gestora em troca de uma fatia minoritária. A injeção de recursos é esperada porque a demanda pelo crédito privado mais do que dobrou na Ideal Invest nos últimos dois meses, quando as restrições do Ministério da Educação (MEC) ao Fies tornaram-se evidentes. Até o ano passado, antes das mudanças nas regras do Fies, a Ideal Invest previa movimentar R$ 4 bilhões em crédito estudantil até 2018. "Estamos refazendo nossas projeções e começamos uma conversa com o Itaú", disse Carlos Furlan, CEO da Ideal Invest. Nos últimos dois meses, Furlan firmou parceria com três das quatro companhias de ensino superior de capital aberto. A Anima e a Ser Educacional fecharam financiamentos de até R$ 2 bilhões com a Ideal Invest que também concederá crédito aos estudantes da Estácio. De outubro para cá, o número de faculdades que subsidia a taxa de juros do financiamento privado aumentou de 20 para 50. O subsídio dos juros foi a forma encontrada pela Ideal Invest para tornar seu produto mais competitivo em relação ao Fies, que cobra juros de 3,4% ao ano, tem prazo de amortização de até 12 anos e carência de 18 meses. Outra que viu a demanda mais que dobrar foi a Fundaplub, gestora gaúcha que administra os financiamentos próprios das universidades. Instituições confessionais como PUC, Mackenzie e Metodista financiavam seus alunos até os anos 90, mas várias delas enfrentaram problemas de inadimplência e repassaram a gestão para a Fundaplub, que hoje trabalha com 40 universidades. "As solicitações de crédito universitário aumentaram 106% neste primeiro semestre em relação ao mesmo período de 2014", enumerou Nivio Delgado, diretor-adjunto da Fundaplub. Do lado das instituições de ensino, a Kroton está subsidiando as mensalidades dos calouros que não conseguiram o Fies neste ano e prepara um financiamento de longo prazo com recursos próprios ou de terceiros em 2016. Neste segundo financiamento, a Kroton trabalhará com uma instituição financeira, uma vez que não pode apurar lucro com cobrança de juros. A Ser Educacional tem planos de retomar o Educred, crédito criado pela companhia em 2007, mas que estava inativo. Além disso, a Abraes - entidade que representa a Anima, Estácio, DeVry, Kroton, Laureate e Ser Educacional - está formatando um financiamento com bancos para ser lançado no mercado ainda neste primeiro semestre.

 

 

Creduc teve inadimplência de 84%

 

 

Primeiro financiamento estudantil do governo federal, o Creduc é lembrado até hoje como um caso malsucedido de crédito universitário. Isso porque o programa, criado em 1976 e extinto em 1998, quebrou com taxas elevadíssimas de inadimplência.

Em 2003, havia cerca de 200 mil contratos ativos, mas 84% estavam inadimplentes. Na época, o valor da carteira do Creduc era de R$ 2,1 bilhões, sendo que R$ 1,7 bilhão pertenciam à Caixa Econômica Federal (CEF) e o restante era recurso do Ministério da Educação (MEC).

Com a inflação e taxa de juros elevadas, o passivo dos estudantes era considerado impagável pelos alunos e, ao mesmo tempo, a CEF não tinha estruturado um plano de cobrança, tampouco havia um fundo garantidor para cobrir os calotes. Cada aluno tinha em média uma dívida de R$ 10 mil em 2003.

Diante deste cenário, o governo federal publicou uma portaria em dezembro de 2003 autorizando uma renegociação da dívida com descontos que chegavam a 90% e houve até casos em que o beneficiário estava desempregado e teve sua dívida perdoada. Estudantes que estavam com pagamento em dia também foram beneficiados pela portaria.