Diante da real ameaça de o Congresso Nacional impor ao governo mais uma derrota e obrigá-lo a promover em 30 dias a revisão das dívidas de Estados e municípios com a União, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, partiu para a negociação direta com parlamentares e, em café da manhã com senadores, esticou até a terça-feira do prazo para o governo buscar uma solução para o impasse.

Sua situação com o parlamento, no entanto, é complicada: em troca do prazo, os senadores querem que Levy apresente, na audiência da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) de terça-feira, uma definição para a convalidação dos incentivos concedidos no âmbito da guerra fiscal entre os Estados, cujo projeto não foi votado no fim do ano passado a pedido do ministro.

O ministro também terá de explicitar aos senadores o que estes apelidaram de "Plano Levy", mostrando de maneira convincente quais os próximos passos do governo na busca pelo ajuste fiscal pretendido e quais os resultados esperados - e em que prazo.

"O ministro solicitou ao Senado que adiasse a votação do projeto que trata do indexador. Atendemos ao apelo dele, mas devolvemos ao ministro duas condicionantes: ele esteve conosco em dezembro e prometeu que traria uma proposta completa sobre a questão de convalidação. Isso até agora não se processou", lembrou o senador Walter Pinheiro (PT-BA), escalado para divulgar o acordo, obtido após reunião com as presenças do presidente do Congresso, Renan Calheiros (PMDB-AL) e com os senadores Delcídio do Amaral (PT-MS) e Fernando Bezerra (PSB-PE), que integram a CAE e estiveram com Levy pela manhã. Também esteve presente a senadora Marta Suplicy (SP), que está de saída do PT rumo ao PSB e vai relatar no Senado o projeto que obrigaria o governo a promover os aditivos contratuais.

"O ministro pilota um ajuste fiscal. Então não votaremos ainda o indexador nem a convalidação, mas daremos urgência a essas matérias. Na terça-feira, Levy estará na CAE e vamos cobrar dele o 'plano Levy' de ajuste, com início, meio e fim", disse Pinheiro.

Horas depois do anúncio, o Senado aprovou urgência às duas matérias, com previsão de votação na terça, como forma de "amarrar" Levy ao compromisso.

Renan Calheiros foi mais incisivo e pôs na conta de Levy a saída do impasse. "O ministro Levy precisa apresentar uma solução. Os Estados não estão querendo deixar de pagar: estão querendo que o indexador seja algo normal, como os de todos os contratos públicos e privados, e não IGP-DI mais 9%, o que na prática dá 18% ou 19% a mais todos os meses", disse. "Vamos votar o requerimento de urgência e vamos votar a matéria na terça. Se até lá o governo construir uma solução, melhor. Se não, vamos votar e aprovar [a obrigatoriedade", acrescentou.

Renan disse esperar que o governo traga uma proposta. "Qualquer solução que implemente a decisão do Congresso, que já aprovou a troca do indexador, será bem recebida pela Casa. O ministro Levy fez uma pergunta para os senadores: "De onde é que eu vou tirar esses R$ 3 bilhões [do impacto da medida para este ano]? É o que os Estados querem saber também", ironizou.

Pela manhã, Levy apresentou aos senadores uma série de números detalhando o impacto fiscal da mudança de indexador da dívida dos Estados e municípios. Em 2015, o efeito no fluxo de pagamento seria de R$ 2,898 bilhões, valor expressivo em momento de aperto nas contas públicas. Já em 2016, o impacto é de R$ 2,986 bilhões.

Dos R$ 2,898 bilhões, R$ 2,4 bilhões se referem a dívidas dos municípios e o restante (R$ 517,2 milhões) aos Estados. O município mais beneficiado seria São Paulo, que deixaria de pagar R$ 1,304 bilhão à União. Em seguida vem o município do Rio de Janeiro com R$ 584 milhões. Dentre os Estados, o mais beneficiado seria o Paraná (R$ 124,2 milhões).

De 2015 a 2040, segundo material distribuído pelo ministro, o impacto do fluxo de pagamentos da renegociação ficaria em R$ 163,128 bilhões, sendo R$ 77,807 bilhões dos Estados e R$ 85,321 bilhões dos municípios. Somente o município de São Paulo responde por R$ 73,655 bilhões desse total.

O impacto no estoque das dívidas, somados o desconto retroativo (R$ 35,6 bilhões) com o recálculo dos contratos a partir de 1 de janeiro de 2013 (R$ 29,4 bilhões) alcança R$ 65 bilhões.

São R$ 17,5 bilhões referentes ao impacto no estoque de dívidas dos Estados e R$ 47,5 bilhões relativos ao estoque dos municípios. No caso da cidade do Rio, que recorreu à Justiça pela regulamentação da mudança do indexador e tem no presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), um de seus principais aliados, o desconto retroativo somara R$ 5 bilhões e o recálculo, outros R$ 1,06 bilhão.

O Estado de Alagoas, governado por Renan Filho (PMDB), filho de Renan Calheiros, a lei diminuiria o estoque devido em R$ 1,5 bilhão, sendo R$ 1 bilhão de desconto retroativo e R$ 453 milhões por conta do recálculo.

Líder do governo no Congresso, o senador José Pimentel (PT-CE) contou que, questionado, Levy avaliou que a troca do indexador da dívida seria "absorvível".

Para além da negociação entre o Congresso e a Fazenda, o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Luis Inácio Adams, observou que cabe ao governo determinar o momento da mudança do indexador e vai recorrer da decisão obtida pela prefeitura do Rio de Janeiro, argumentando que a lei a lei apenas autoriza, mas não obriga a troca.

"A AGU vai defender a decisão da administração. A prefeitura está querendo aplicar a legislação imediatamente. Na nossa opinião, a lei autoriza, e não determina. E é questionado que possa determinar. Por essa razão, a decisão ainda é da administração de que momento fazer esse ajuste. Enquanto não for feito, a decisão de fazê-lo não pode ser imposta, portanto será objeto de recurso como é natural da advocacia pública", afirmou.

O advogado-geral da União entende que o contrato continua "hígido e, portanto, não pode ser descumprido". Ele evitou comentar sobre o projeto de lei aprovado pela Câmara, que estabelece prazo para o governo aplicar a mudança no indexador. "Qualquer medida subsequente vai depender da aprovação da lei. Até lá, nós temos só um projeto tramitando".

 

Irritado, Renan chama ministro da Fazenda de 'fundamentalista'

 

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), criticou duramente o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, na conversa com senadores em que, após resistir, acabou concordando em adiar para terça-feira a votação do projeto de lei que permite a renegociação das dívidas dos Estados e municípios. Irritado, chamou Levy de "fundamentalista", colocado no Ministério da Fazenda pela presidente Dilma Rousseff para "não ceder em nada".

"Há uma centralização fiscal absurda, uma péssima gestão e os Estados estão pagando a conta. O Senado não pode concordar com isso. O Levy é contra a tese da regulamentação da troca do indexador e não quer ceder. É um fundamentalista, não cede em nada. E ele não foi posto lá para ceder, porque, no dia em que ele ceder, está fora", disse.

Por meio de senadores governistas, Renan mandou recado ao ministro de que o Senado não vai aprovar ajuste fiscal que mexa em direitos do trabalhador sem que haja redução de gastos no setor público. Cobrou que ele apresente à Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), na terça-feira, alternativas de corte de gastos para o ajuste e apresente, também, um plano econômico com metas de médio e longo prazo até a retomada do desenvolvimento.

As declarações foram feitas em reunião de Renan com senadores que haviam tomado café da manhã com Levy - Delcídio Amaral (PT-MS), Garibaldi Alves (PMDB-RN), Bezerra Coelho (PSB-PE) e Ciro Nogueira (PP-PI) -, mas também participaram o líder do PSDB, Cássio Cunha Lima (PB), e Marta Suplicy (PT-SP), que está de saída do seu partido e será relatora do projeto que muda o indexador das dívidas de Estados e municípios.

O grupo que esteve com Levy levou a Renan o pedido de adiamento da votação do projeto da dívida e o compromisso do ministro de apresentar à CAE, na terça-feira, proposta para a convalidação dos incentivos fiscais concedidos por Estados à revelia do Confaz. O argumento do ministro, apresentado pelos senadores a Renan, é de que a mudança de indexador só teria impacto positivo imediato para São Paulo e Rio de Janeiro, enquanto a convalidação dos incentivos beneficiaria todos os Estados.

O presidente do Senado ficou irritado, lembrou que a proposta do indexador tramita há sete anos no Senado e adiou a votação por três vezes, a pedido do governo duas delas com o próprio Levy à frente do ministério. Delcídio reproduziu preocupação manifestada pelo ministro de que a falta de acordo em torno da mudança do indexador seria um sinal muito ruim para o mercado da falta de diálogo e entendimento entre governo e Congresso.

Renan reagiu dizendo que não só Levy é contra a tese da mudança do indexador, mas também a presidente, que teria afirmado que não regulamentaria o projeto. "Eles são contra. Não querem", disse. Diante do compromisso de Levy, apresentado a ele por Delcídio, de apresentar proposta de convalidação dos incentivos, Renan decidiu, então, votar nesta quarta-feira o pedido de urgência para a tramitação das duas propostas. No caso dos incentivos, a urgência para o projeto em tramitação na Casa. Ou seja, independentemente do que Levy apresentar, a deliberação das duas será na terça, sem adiamento.

Renan, que não tem subido o tom das críticas ao governo e ao ajuste fiscal nos últimos dias, manteve a contundência. Disse que os senadores que estavam ali trazendo o pedido do ministro deveriam dizer que ele tem que apresentar opções de corte de gastos públicos como alternativa ao ajuste proposto pelo governo de R$ 67 bilhões e um plano econômico com metas de médio e longo prazo, que aponte para a retomada do desenvolvimento.

"Vocês têm que dizer para o Levy que esse ajuste dele, que não toca no setor financeiro, que não toca no setor público, não vai ser aprovado desse jeito. O Congresso não vai mexer em direitos do trabalhador, se não for mexido o gasto do setor público. É isso que vocês têm que dizer pra ele. Esse ajuste é o primeiro passo. Quero plano de médio prazo e chegada: que aponte para a retomada do desenvolvimento da economia e não apenas um ajuste", disse Renan.

Troca de indexador afeta pouco o ajuste fiscal, mas eleva conta de juros

Por Denise Neumann | De São Paulo

O governo estima em R$ 2,9 bilhões o impacto fiscal da mudança do indexador da dívida de Estados e municípios, mas esse valor é considerado "pequeno" para economistas que tem acompanhado os esforços de ajuste nas contas públicas. Esse valor não afeta o resultado do governo central, mas reduz a contribuição de Estados e municípios para o superávit primário consolidado do setor público, projetado em R$ 66 bilhões ou 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB). Para a União, o principal impacto da troca de indexador acontece na conta de juros, pois ele fica com uma fatura maior, enquanto a parcela dos Estados diminui. O impacto da medida, portanto, é muito mais expressivo no longo prazo do que no ajuste fiscal de 2015.

O economista José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre), explica que os pagamentos mensais feitos por Estados e municípios à União por conta da dívida (os R$ 2,9 bilhões deste ano, segundo o Ministério da Fazenda), não são uma receita primária (e sim financeira) e por isso não afetam a arrecadação do governo federal na busca por uma economia de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB).

O pagamento, diz, afeta a conta de juros. Na contabilidade do setor publico, explica, a conta final de juros devidos por um governo é aquilo que ele já deve de juros (por dívidas que contraiu, títulos que emitiu, etc) menos o que ele tem a receber de juros. Assim, "se a mudança de indexador for confirmada, a conta de juros líquidos do governo central aumentará e a o dos outros governos diminuirá".

De acordo com os números do governo, a dívida de Estados e municípios com a União cairia R$ 65 bilhões. Esse valor reduzirá a dívida bruta do setor público consolidado, que é de R$ 3,25 trilhões (dezembro de 2014), mas a dívida líquida (R$ 1,88 trilhão) não muda, informa o economista-chefe da corretora Tullett Prebon, Fernando Montero. "Mas dentro da dívida líquida, a parcela dos Estados e municípios fica menor e a do governo federal aumenta", diz, explicando que a parte da União sobe porque ela terá menos créditos a receber.

Como consequência da mudança na composição da dívida do setor publico, a despesa de juros fica maior para a União e menor para os demais, pondera Montero. Essa mudança, diz, vai piorar ainda mais as taxas implícitas nos juros pagos pela União, que já estão em 23%, enquanto a dos Estados é de 9,3%; e a dos municípios, 12,2%".

Montero não minimiza o impacto de R$ 3 bilhões que a redução dos pagamentos de Estados e municípios pode ter sobre o resultado primário desses entes, mas lembra que esse valor equivale a 0,05% do PIB. "O impacto, embora não desprezível, não parece guardar proporção com as magnitudes de dívidas envolvidas", pondera.

Para Afonso, se governo federal assumir que deve fazer um esforço fiscal primário maior porque sua dívida de juros líquidos vai subir, "ele precisa ser coerente e revisar a meta de primário sempre que o dólar disparar e ele perder dinheiro nos swap cambiais". "Só neste ano, o governo já perdeu R$ 56 bilhões com swap, segundo informava o site do Banco Central na última sexta", pondera o economista do Ibre, falando do mecanismo de proteção cambial criado pelo BC. "É um impacto dez vezes maior que o da mudança da rolagem e ninguém no governo defendeu revisar a meta de primário porque os juros e o déficit nominal estão disparando", diz ele.

Nas contas de Montero, o déficit nominal do setor público pode chegar a 8% do PIB em março entre outras razões por esse efeito do swap. Em 2014, o déficit fechou em 6,7%. O impacto da mudança do indexador da dívida, no futuro, será mais um elemento de aumento da conta de juros, mas outros efeitos são maiores, lembra ele.

Para Afonso, o desajuste fiscal de Estados e prefeituras já ocorreu antes da revisão do indexador e foi estimulado e patrocinado pelo próprio Tesouro, que concedeu garantias e usou os bancos federais para novos empréstimos. A nova gestão da Fazenda, diz ele, já avisou que isso não vai mais acontecer, o que é mais importante para o ajuste fiscal de Estados e municípios que a troca de indexador.

Preocupado com receita, Rachid defende desoneração

Por Edna Simão | De Brasília
Em reunião fechada com deputados da Comissão de Finanças e Tributação (CFT), o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, mostrou preocupação com o comportamento aquém do desejado da arrecadação de tributos neste ano e defendeu a aprovação do projeto de lei que reduz o benefício da desoneração da folha de pagamento para tentar reverter esse cenário.

Segundo relatos de deputados presentes no encontro, Rachid destacou a queda real de 3,07% da arrecadação no primeiro bimestre deste ano e a visível redução do recolhimento de receitas previdenciárias por conta da diminuição da massa salarial, desoneração da folha de pagamentos e menor faturamento das empresas.

Para o secretário, conforme parlamentares ouvidos pelo Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor, é fundamental a aprovação do projeto que eleva a contribuição patronal da previdência social dos empresários que pagam com base no faturamento. "O secretário mostrou o comportamento da arrecadação no bimestre, que teve uma queda real, e os riscos de isso continuar no decorrer do ano", afirmou o deputado petista Enio Verri (PR).

Já o deputado tucano Alfredo Kaefer (PR) relatou que Rachid afirmou que está muito difícil conseguir melhorar o desempenho da arrecadação e destacou a necessidade de se fazer o ajuste fiscal para ficar no "azul", o que ajudaria também na redução da inflação.

"Dissemos para o secretário que ele não encontraria moleza [para aprovar redução de benefício da desoneração]", contou Kaefer. "Conseguimos um avanço com a desoneração da folha e poucos meses depois vem uma mudança das regras. Isso não é honesto e causa insegurança jurídica", complementou o deputado tucano.

No dia 9 de abril, a Comissão de Finanças e Tributação da Câmara pretende realizar uma nova reunião, também fechada, como representantes do Tesouro Nacional para discutir o projeto de lei que reduz os benefícios da desoneração da folha de pagamento. Atualmente, 56 setores são beneficiados pela medida.

Para a atual equipe econômica, as alíquotas da contribuição patronal da Previdência Social pagas com base no faturamento precisam para corrigir distorções e ajudar no cumprimento da meta de superávit primário deste ano. No primeiro bimestre, o governo deixou de arrecadar R$ 20,190 bilhões por conta de desonerações tributárias, somente a da folha respondeu por R$ 3,732 bilhões.