A desvalorização de mais de 17,6% do real observada neste ano ainda é insuficiente para impulsionar o saldo da balança comercial e contribuir para reduzir o déficit em conta corrente. Na visão de analistas, com a inflação alta e a queda do preço dos produtos exportados, principalmente das commodities, o dólar pode ter de avançar ainda mais, atingindo até R$ 3,50, para que o país ganhe competitividade.

Sob a percepção de que o repasse da depreciação do real para a inflação tende a ser menor, compensado pela queda das commodities, conforme disse, na semana passada, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, a leitura é que o governo pode deixar a moeda brasileira se desvalorizar mais e adotar uma postura menos intervencionista no câmbio. A fraqueza da atividade econômica também contribui para essa expectativa. No radar está renovação ou não do programa de oferta diária de swaps cambiais que termina no fim do mês. (leia em Fim de oferta de swap pode pressionar real)

De acordo com dados do Banco de Compensações Internacionais (BIS), a taxa de câmbio efetiva real do Brasil, que corresponde a uma média da cotação da moeda brasileira em relação a uma cesta de divisas dos principais parceiros comerciais ajustada pela inflação, acumula uma depreciação de 1,46% no ano, até fevereiro, último dado disponível, enquanto a desvalorização nominal no período foi de 7,35%.

A desvalorização da taxa de câmbio real do Brasil é menor que a de outros parceiros comerciais, como a União Europeia, principal destino das exportações brasileiras. O euro tem uma queda nominal de 7,51%, mas uma desvalorização real de 6,77% no período. Como a inflação nesses países é mais baixa, o efeito da desvalorização do câmbio é refletido em termos reais, o que ajuda essas economias a ganhar mais competitividade.

No Brasil, a inflação acumulada em 12 meses até fevereiro é de 7,70%, o que limita a competitividade das empresas brasileiras e o ajuste da conta corrente. Para analistas, o câmbio hoje na casa dos R$ 3,23 está um pouco mais perto do nível de equilíbrio. Mas, dada a inflação alta e a queda dos termos de troca - medida da relação entre preços de exportação e importação - é necessário uma desvalorização maior do real para impulsionar a balança comercial.

"A inflação alta limita a depreciação do câmbio em termos reais e faz com que a alta do dólar não se traduza em ganhos de competitividade", diz Alberto Ramos, diretor do grupo de pesquisa econômica para América Latina do Goldman Sachs.

Para ele, o nível da taxa de câmbio de equilíbrio do Brasil hoje está entre R$ 3,22 e R$ 3,30, mas ele não descarta um "overshooting" (disparada) do dólar no curto prazo, em razão do aumento do risco político e das incertezas em relação à extensão do impacto das investigações da Operação Lava-Jato, que apura esquema de propina em contratos da Petobras. "O real mais fraco cria as condições para a retomada das exportações, mas nada garante que o câmbio se deprecie mais e alcance o patamar de R$ 3,50 no curto prazo", afirma, prevendo uma taxa de câmbio a R$ 3,35 para o fim do ano.

A queda dos preços das commodities no exterior é outro fator que tem limitado os ganhos com a desvalorização do câmbio e explicado o fraco desempenho da balança comercial.

O índice de termos de troca do Brasil em fevereiro ficou em 105,6, menor nível desde agosto de 2009, acumulando queda de 9,4% em 12 meses, segundo dados da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex). Isso mostra que os preços relativos dos bens não comercializáveis no exterior estão subindo mais que os preços dos bens comercializáveis internacionalmente (tradables). "Por isso, precisaríamos de uma desvalorização maior da taxa de câmbio nominal e de uma política monetária mais firme para combater a inflação", afirma Ramos, do Goldman Sachs.

Ramos também não vê uma recuperação do preço das commodities no curto prazo, e afirma que o câmbio na casa de R$ 3,20 deve manter o déficit em conta corrente estável, ao redor de 4%, que deve ser ajudado também pela expectativa de recessão da economia neste ano, que vai limitar as importações.

O coordenador do Centro de Macroeconomia Aplicada (Cemap) da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV), Emerson Fernandes Marçal, lembra que há um período de defasagem de um ano e meio a dois anos para a desvalorização do câmbio ter efeito na balança comercial.

Estudo que será publicado na próxima carta do Cemap mostra que o real estava, em média, sobrevalorizado em 19,3 pontos percentuais em 2014, considerando-se os fundamentos do país. Para Marçal, a taxa de equilíbrio do câmbio hoje está acima de R$ 3. Ele lembra, no entanto, que o dólar também está se valorizando em relação às principais moedas com a aproximação da normalização da política monetária nos Estados Unidos. Além disso, a piora dos fundamentos macroeconômicos requer um ajuste mais rápido das contas externas, o que implica na necessidade de uma desvalorização nominal maior do câmbio.

Na avaliação da equipe de análise do Itaú Unibanco, para o déficit em conta corrente cair para um nível de 2,5% em 2016, que seria um nível sustentável em função dos recursos disponíveis para o Brasil no longo prazo, a taxa de câmbio teria de ir a R$ 3,50.

No cenário básico, o banco prevê que o ajuste do déficit em conta corrente para um nível entre 2,5% do PIB e 3% do PIB seria alcançado em 2017. Deste modo, o Itaú estima uma taxa de câmbio próxima de R$ 3,10 neste ano (depois de passar por um "overshooting") e de R$ 3,40 para o ano que vem.

De acordo com informações divulgadas pelo Banco Central, em 2015 há o vencimento de US$ 63,3 bilhões da dívida externa bruta de longo prazo, US$ 13,5 bilhões a mais do que no ano passado, o que deve trazer mais pressão para o câmbio.

Na contramão, o Barclays considera que o câmbio atual próximo a R$ 3,25 já está acima do ponto de equilíbrio previsto pelo banco, que era de R$ 3,15 no início do ano. Pelas contas da instituição, essa seria a taxa que ajudaria a reduzir o déficit em conta corrente, atualmente em 4,17% do PIB em 12 meses até janeiro, para algo entre 2,4% e 2,5% em um período de 18 meses. "Achávamos que esse valor só seria atingido no ano que vem, mas a velocidade do ajuste atual sugere que houve um overshooting da moeda, refletindo mais o aumento do prêmio de risco em função do cenário político que o realianhamento para os fundamentos", diz Bruno Rovai, economista do Barclays especialista em Brasil. Ele destaca que se houver uma melhora do cenário político, com a aprovação das medidas fiscais, o câmbio pode voltar para a casa de R$ 3,10, R$ 3,15 e ficar mais próximo do valor justo.